A escolha de Mbappé
O que a escolha de Mbappé e o processo Haaland demonstram não é o poder dos clubes-estado mas sim o crescente poder dos jogadores e das suas estruturas no que é o futebol Mundial.

A decisão de Kylian Mbappé ficar no Paris Saint-Germain, recusando a oferta do Real Madrid, vai marcar o mercado internacional deste Verão e pode deixar sequelas naquilo que será o futuro do futebol mundial, cada vez mais centrado em torno do poder dos grandes jogadores. Se virmos a coisa um pouco para lá da narrativa de raiz espanhola – que, rejeitada, se centra na influência nefasta do PSG e se recusa a perceber que o primeiro “clube-estado” com este nível de poder foi o Real Madrid dos Galáticos – perceberemos que o que está aqui em causa também é, mas não é só nem é sobretudo, a maneira como o campeão francês e o emir do Qatar têm brincado com as regras de “fair-play financeiro” instituídas pela UEFA. O que este caso – e o de Haaland, também – mostram é que, a este plano estratosférico, o poder está a transferir-se dos grandes clubes para os grandes jogadores e para as suas organizações. E isso não é mau, dir-me-ão os defensores dos direitos dos trabalhadores. Certo. Mas é mais um desafio, pois se os grandes jogadores continuam a atrair-se mutuamente, deixaremos mesmo de ter competição.
O ressabiamento espanhol não passa disso mesmo – ressabiamento de quem ainda está na velha ordem das coisas. Há 20 anos, quando Florentino Pérez começou a juntar Galáticos, era impensável que lhe dissessem não. Quando, em anos seguidos, de 2000 a 2004, o Real Madrid foi buscar Figo ao FC Barcelona, Zidane à Juventus, Ronaldo ao Inter de Milão, Beckham ao Manchester United e Owen ao Liverpool FC – quatro Bolas de Ouro e a estrela mais mediática daquele tempo –, ninguém em Espanha se preocupava com a hegemonia imoral que isso podia provocar. Pelo contrário, celebrava-se a pujança de quem era capaz de ter todos esses cromos na mesma caderneta. Agora, de repente, o facto de Paris Saint-Germain somar Messi, Neymar e Mbappé – e ter conseguido continuar a fazê-lo – já é uma ameaça. E é. Como já era o Madrid do início do século, o primeiro “clube-estado” de que há memória, ainda que com a diferença de não ter diretamente dinheiro de um Governo ou de um bilionário mas de uma massa adepta imensa, que o transforma num estado dentro do estado. Faz diferença? Faz, de um ponto de vista moral. Mas o resultado prático é o mesmo. Como é igual a motivação de quem foi chamado a gerir aquela amálgama: ganhar tudo, ganhar sempre, não deixar nada para ninguém mais.
Isso é um problema? Acho que sim. Mas os adeptos, aparentemente, acham que não, porque aderem cada vez mais a este futebol concentrado num par de equipas de cada país, sem verem que estão paulatinamente a criar condições e a evoluir para a tal Superliga Europeia que tão ardorosamente rejeitam no plano dos princípios. Florentino Pérez, que já entendeu que o futuro está aí a bater à porta, quando tentou criar essa tal Superliga assim às três pancadas, também terá sido, há duas décadas, um dos primeiros a perceber a modernidade, a compreender que aquilo que os adeptos queriam eram estrelas a brilhar em conjunto e não competitividade. O que o povo queria eram os Harlem Globetrotters e não a NBA. E o Real Madrid fez-se um acumulador. Contratou sempre o que de melhor que havia no mercado. Cannavaro, van Nistelrooij, Robben, Sneijder, Cristiano Ronaldo, Kaká, Benzema, Modric, Bale, Courtois ou Hazard não chegaram para tornar o Real Madrid tão hegemónico como se esperaria em Espanha, porque em Barcelona surgiu uma ideia de jogo capaz de o contrariar – e também se gastou muito mais do que havia para gastar... Mas em Madrid ainda se foram somando Ligas dos Campeões a uma cadência capaz de transformar a ideia popular do madridismo. E é esta modernidade e não a tradição secular que os adeptos, a imprensa e a própria Liga espanhola defendem agora com unhas e dentes, ao mesmo tempo que tentam impingir-nos o PSG – a outra face da mesma moeda – como a personificação do mal e o fim dos tempos.
O que a decisão de Mbappé e o processo de passagem de Haaland do Borussia Dortmund para o Manchester City nos mostram é que o futebol mudou. Hoje, os grandes jogadores já são mais influentes no equilíbrio global do que os grandes clubes. Haaland aceitou jogar dois anos e meio com o amarelo do Borussia Dortmund sabendo que se as coisas lhe corressem bem tinha uma cláusula liberatória suficientemente baixa – 60 milhões de euros – para que mais de dois terços dos valores de uma futura transferência lhe fossem parar aos bolsos e aos de quem lhe definiu o futuro. Isso é poder. Mbappé deixou o contrato com o PSG chegar ao fim, ouviu o que tinha para lhe oferecer o Real Madrid mas no fim acabou por ser sensível aos camiões de dinheiro que lhe valeu a renovação – como lhe valeria a assinatura a “custo zero”, assim mesmo, entre aspas, pelo Real Madrid. Fez uma escolha. Escolheu ficar, escolheu ser a bandeira do emir Al-Thani no próximo Mundial do Qatar, ser a bandeira de Macron nos Jogos Olímpicos de Paris em vez de ser a bandeira da renovação permanente do tal Real Madrid Galático que Florentino mantém em curso. Escolheu um projeto desportivo que ele acredita possa vir a ser internacionalmente ganhador além de ser, como já é, apenas internamente hegemónico.
A escolha é legítima, quanto mais não seja porque a própria UEFA percebeu que as regras de “fair-play financeiro” que tinha adotado não eram as mais aconselháveis e as suspendeu até 2025, quando elas voltarão em força – as próximas duas épocas serão de adaptação gradual aos limites – e ligeiramente alteradas. Mas será um erro não aproveitar estes três anos para pensar e para adaptar estas novas regras ao novo equilíbrio de poder, muito mais centrado nos jogadores. Porque ou se mexe nisso rapidamente ou, das duas uma: ou assumimos que a competitividade não interessa para nada ou a transferimos para onde ela existe realmente neste plano estratosférico, que é na tal Superliga.
Eu acho piada quando os adeptos falam em futebol contra o dinheiro, ou que o dinheiro ganhou ao futebol, principalmente quando falamos em confrontos contra Real Madrid, Manchester United, Barcelona...Ou a piada do "os valore$ são outros"...Não são. Os valores são os mesmos, quem tem mais dinheiro sempre teve acesso aos melhores jogadores, já era assim em 1907 quando oito jogadores do Benfica foram para o Sporting porque pagava mais, é por isso que em Portugal os 3 primeiros são quase sempre os mesmos, é por isso que os 3 grandes em Portugal ganham mais vezes, é por isso que o Real Madrid tem tantos troféus da Liga dos Campeões e Taça dos Campeões Europeus.
O que mudou foi o paradigma e as pessoas que entraram no futebol, parecem jogadores de Football Manager com acesso a fundos ilimitados, querem criar superequipas, com superestrelas e aí, concordo em pleno, quem começou foi o Real Madrid, mas vou mais longe, o único problema para os adeptos é o pequeno ter começado a ganhar, porque só quando o Chelsea começou a competir pela Liga Inglesa e a ganhar na Europa, quando o PSG apareceu em grande força no campeonato francês, quando o City ultrapassou o United como a melhor equipa de Machester, é que o dinheiro passou a ser um problema. Ninguém reclamou dos Galáticos, poucos reclamam do Bayern de Munique contratar todo e qualquer jogador/treinador que se destaque na Bundesliga, acabando por matar essa liga cuja competitividade é inexistente...As pessoas querem competitividade, mas não suportam a ideia de um clube fora dos do costume começar a ganhar troféus. Tenho a certeza absoluta que se amanhã o Paços de Ferreira, por exemplo, fosse comprado por um multimilionário que fizesse do clube campeão, víamos os três grandes a reclamar do domínio do dinheiro no futebol e o Paços de Ferreira passava a ser o clube mais odiado do país.
O maior poder dos jogadores não vem de agora e foi sendo construído também pelos adeptos, que sempre apoiaram as birras para sair, que achavam normal que um jogador forçasse a saída para outro clube (que não o seu, claro), vai sendo cada vez maior e isso vai ser um problema. Mas nada tem a ver com o dinheiro, o dinheiro por Mbappe não me choca, nem me surpreende. O que me choca sim são as clausulas de que falam que faz de Mbappe uma ameaça para qualquer treinador do PSG, que faz de Mbappe o verdadeiro presidente do PSG.
É preciso fazer algo contra isso, concordo, mas não com o fair play financeiro nem nada que limite o investimento ao lucro, ou às vendas, porque isso só mantém o pequeno pequeno e o grande grande, algo que os adeptos negam, mas na verdade é o que querem.
Não sou pelo mercado desregulado, mas também penso que o futebol romântico já ficou no século passado. Os clubes já não são dos sócios - onde isso já lá vai, mesmo em Portugal - e investidores são precisos. Essa conversa de pertencerem a estados isto-e-aquilo não me convence pelo simples facto que não podemos atirar pedras para os telhados dos vizinhos. Talvez seja por isso que ninguém nos pega. Continuamos puros e castos à procura de títulos de trazer por casa. Enquanto assim for deixem de sonhar com Champions, Ligas Europa....