A clareza de Schmidt
Colocado numa posição impossível, Schmidt foi claro quando ao dossier-Enzo. Mas paremos aqui, porque nem o Chelsea é um vilão inédito, nem o Benfica é uma donzela pura e casta nem o jogador é tonto.
Roger Schmidt saiu-se muito bem da forma como abordou a questão Enzo Fernández – o que não quer dizer que a tenha resolvido ou que de repente possamos olhar para o Chelsea como o vilão do futebol-negócio, para o Benfica como uma donzela ingénua, pura e casta e para o jogador como um tonto que fica maluco se ouve um piropo. Mas vamos por partes. Schmidt foi colocado ante uma situação impossível. Se castiga Enzo Fernández, prejudica a equipa, porque a priva do seu importante contributo. Se perdoa Enzo Fernández, prejudica a equipa, porque dá ao balneário o sinal de que ali é fartar-vilanagem. Se critica o Chelsea, prejudica o clube, que entrou no negócio Enzo com o River Plate com a ideia de o valorizar e revender a breve prazo – não tão breve, eu sei... – e não pode maltratar os potenciais compradores. Se não critica o Chelsea, prejudica o clube, porque deixa no ar a ideia de que o Benfica admite tudo e mais alguma coisa e lhe diminui a posição enquanto negociador. Mas Schmidt foi direto e claro. Assumiu que o Chelsea virou a cabeça ao jogador, que o jogador não se comportou como profissional e que isso terá consequências. Assumiu que o Benfica não está interessado em vender já – o que não quer dizer que não venda –, mas que se alguém bater a cláusula de rescisão e ele quiser ir embora já não pode fazer nada para o impedir. Nem disse – mas podia – que há regulamentos na FIFA a impedirem os clubes de fazerem propostas de transferência a jogadores que não estejam nos últimos seis meses de contrato. É que Schmidt não poderá nunca fazer muitas ondas com o tema, pois sabe bem que a cadeia alimentar do mercado do futebol tem os seus mecanismos próprios e que um clube grande de um mercado periférico, como é o caso do Benfica em Portugal, está sempre colocado entre dois fogos. Por um lado, precisa dos ricos para sobreviver; por outro, já fez – e vai voltar a fazer – exatamente a mesma coisa aos clubes menos grandes do nosso mercado e aos grandes dos mercados ainda mais periféricos do que o nosso. Há duas diferenças entre o caso Enzo Fernández e o caso Ricardo Horta, o internacional do SC Braga que o Benfica tentou contratar no início da época, numa novela que misteriosamente voltou às páginas dos jornais, com a notícia da oportuna queixa do Málaga CF, dias antes da ida dos encarnados ao Minho, na semana passada. Uma é que nunca o Benfica sugeriu querer pagar os 30 milhões de euros da cláusula de rescisão de Horta. A outra é que o internacional português manteve um comportamento exemplar durante todo o processo. Mas se há coisa que o dossier-Horta nos diz a todos é que, hei, pode haver futuro para Enzo Fernández no Benfica.
A prova do bi-bis. Nem de propósito, Ricardo Horta escolheu este mês de Janeiro para dizer que está vivo, feliz e contente. Ontem, fez mais dois golos, na goleada (4-0) do SC Braga a um apático Santa Clara, que a somar aos dois que já tinha feito nos 3-0 ao Benfica formam o seu primeiro bi-bis desde Novembro de 2021. O rendimento de Ricardo Horta, mas também o de Abel Ruiz, que não marcou mas assistiu nos primeiros dois golos do desafio, é a ponta visível da revolução feita por Artur Jorge depois dos 5-0 que encaixou do Sporting em Alvalade. Com o terceiro médio, no caso Racic, o SC Braga ficou mais forte. Não tanto defensivamente, mas no ataque, porque passou a encontrar maneiras de libertar os quatro da frente. E se os dois manos Horta combinam tão bem como se viu no lance do terceiro golo, marcado por André, Ruiz é um avançado de ligação por excelência e Iuri um extremo que quase nem se dá por ele até meter a bola nas redes. O SC Braga, segundo classificado no campeonato à condição, não se tornou uma equipa temível, mas continua a ser muito respeitável.
A birra dos “soccer dads”. Quem quer que tenha tido filhos a praticar desportos coletivos já assistiu a este tipo de cenas. Em todas as equipas há pais e mães convencidos de que têm lá em casa o novo Cristiano Ronaldo e que o melhor que os treinadores tinham a fazer era pôr toda a gente a trabalhar para fazer brilhar o seu menino ou menina com mais intensidade. E, escusado será dizê-lo, nunca o tirar do campo. É normal – o que não quer dizer que não deva ser combatido, primeiro que tudo dentro de nós. Na seleção dos Estados Unidos, a coisa atingiu níveis assombrosos, não só porque se trata de uma equipa sénior, no mais importante torneio existente no calendário – o Mundial –, como porque se chegou a um caso grave de chantagem. A criança em questão tem 20 anos e é Giovanni Reyna, uma das maiores estrelas da nova geração norte-americana, mas não estava a ter o tempo de jogo esperado. Os pais, Claudio Reyna, ex-internacional norte-americano ao lado Gregg Berhalter, e Danielle Egan, ex-colega de equipa da esposa de Berhalter, Rosalind, nos tempos do futebol universitário, ameaçaram o selecionador com a revelação de um incidente ocorrido em 1991, quando todos eram ainda namorados. Na ocasião, Berhalter foi violento com Rosalind – o próprio já reconheceu que a pontapeou, “numa discussão alimentada a álcool”, antes de se afastar do cargo, enquanto decorre a investigação pedida pela US Soccer. A violência doméstica é um flagelo que deve ser combatido. Sempre. Não é só quando os vossos filhos não jogam. Digo-vos eu, que nunca bati em ninguém e nunca contestei as escolhas dos treinadores do meu filho – embora já tenha tentado entender algumas... – e que, uma vez, depois de uma decisão errada de um árbitro, me dirigi ao organizador do Rugby Youth Festival e lhe disse que o lance em questão tinha sido “patético”. E repeti, separando as sílabas: “Pa-té-ti-co”. Uma vergonha a que bem podia ter-me poupado. Depois pedi desculpa mas, compreensivelmente, os meus amigos ainda hoje me gozam à conta disso. E mais vale revelar já aqui a coisa antes que algum deles um dia se lembre de me chantagear.
Ontem, pode ter-lhe escapado
Quer participar em tertúlias sobre futebol? Ou ouvir os textos em vez de os ler? Isso é possível no meu servidor de Discord ou no meu canal de Telegram, a que pode aceder no link-convite para subscritores Premium, aqui em baixo:
Continue a ler com uma experiência gratuita de 7 dias
Subscreva a António Tadeia para continuar a ler este post e obtenha 7 dias de acesso gratuito ao arquivo completo de posts.