Zidane e o problema do Real Madrid
Zidane sempre foi visto como um descomplicador a quem não se conhecem grandes ideias sobre futebol. Mas funcionou. Pelo menos enquanto teve equipas boas.
Tenho a ideia de que, regra geral, naquele momento em que estão entre a espada e a parede, as grandes equipas, feitas de grandes jogadores, respondem à altura. Ainda ontem vimos isso mesmo, por exemplo, com o Paris Saint Germain: uma derrota em Old Trafford no exigente compromisso com o Manchester United teria deixado o futuro na Champions dependente de terceiros, mas os jogadores comprados com os milhões do Catar foram ao Teatro dos Sonhos e, liderados por um Neymar estratosférico, ganharam por 3-1. Depois, para pôr em causa esta teoria, surge o Real Madrid. É verdade que, fruto da vitória do Inter Milão em M‘Gladbach, os merengues ainda dependem apenas de si próprios para evitar a eliminação na fase de grupos, mas quando perderam em Kiev com o Shakhtar, duas horas antes do outro jogo, eles ainda não podiam saber que isso iria suceder – e essas duas horas terão sido de angústia. No fundo, tudo se resume ao papel de Zidane e à definição do que acrescenta à equipa um treinador que só trabalhou ali, como bombeiro. Ou à real qualidade do plantel que Florentino Pérez lhe deixou.
Zidane era treinador da equipa B do Real Madrid, em Janeiro de 2016, quando um empate em Valência (2-2) deixou a formação principal em terceiro lugar da Liga, a cinco pontos do FC Barcelona, o que levou à demissão de Rafa Benítez. Até final da época, o francês reduziu a desvantagem para os catalães a um ponto e ainda ganhou a Liga dos Campeões, nos penaltis contra o Atlético Madrid. Depois, em duas épocas completas, antes de ser ceder a posição a Lopetegui, conquistou uma Liga espanhola e mais duas Champions, além de duas edições do Mundial de clubes. Regressou em Março de 2019, para substituir Santiago Solari – que tinha já substituído Lopetegui – mais a pensar no futuro do que naquela época, pois o Real Madrid já tinha sido eliminado da Liga dos Campeões pelo Ajax e seguia a 12 pontos do Barça na Liga, com onze jogos por realizar. Foi campeão da Liga em 2019/20, mas saiu da Liga dos Campeões sem brilho, eliminado pelo Manchester City nos oitavos-de-final. E este ano está como todos sabemos: em risco de uma inédita eliminação na fase de grupos da Champions, a sete pontos da Real Sociedad na Liga espanhola e, sobretudo, a seis do Atlético Madrid, que até tem um jogo a menos.
E é aqui que vale a pensa perguntar o que é Zidane como treinador. Nos seus períodos de sucesso imediato à frente do Real Madrid, foi sempre tido como um “descomplicador”. O que nem é difícil, quando se sucede a personalidades tão complexas como Rafa Benítez ou Julén Lopetegui. Zidane seria o tipo que chega a um balneário e livra os craques das complicadas equações que lhes eram colocadas à frente por treinadores que creem ser a solução para os males da humanidade. O tipo que lhes dava asas ao talento, que os deixava fluir de acordo com a inspiração. E a verdade é que, tendo ele experiência de anos na forma de funcionar de um balneário de alto nível e sendo o conhecimento técnico e teórico acerca do treino hoje tão acessível a quem quiser procurá-lo, a coisa sempre funcionou. Zidane converteu-se num treinador de sucesso, talvez até no treinador de maior sucesso dos últimos anos no futebol mundial. Em nove edições do prémio The Best, destinado a consagrar o melhor treinador do Mundo, o francês tem um primeiro e dois segundos lugares, sendo suplantado no palmarés apenas por Guardiola, que apareceu cinco vezes no pódio. Com duas diferenças: Guardiola chegou lá em três clubes diferentes (FC Barcelona em 2010, 2011 e 2012, Bayern em 2015 e Manchester City em 2019) e ao catalão conhecem-se ideias próprias acerca de futebol. De Zidane não se sabe muito.
Isto, apesar de tudo, nunca foi um entrave no Real Madrid. É o clube que fez de treinadores como Luis Molowny (nos anos 80) ou Vicente del Bosque (na década de 90) profissionais de sucesso. Molowny nunca repetiu o êxito em mais lado nenhum, Del Bosque ainda conseguiu alongá-lo à seleção espanhola, onde aplicou o método-Barça, radicalizando-o até, mas com o recurso à super-equipa que havia na altura em Camp Nou. E é aqui que se chega ao ponto fulcral: a equipa. O Real Madrid que Molowny levou a duas vitórias na Taça UEFA, na década de 80, ainda tinha Santillana, Juanito ou Camacho, além do próprio Del Bosque em final de carreira, mas juntava-lhes o sangue novo de craques a aparecer, como Butragueño, Martín Vasquez, Chendo ou Sanchis. A equipa que fez de Del Bosque protagonista como técnico tinha Raul, Casillas, Morientes, Figo, Makelélé, Zidane, Roberto Carlos ou Hierro, além do próprio Zidane. E este Real Madrid pós-Ronaldo, com Sérgio Ramos no estaleiro, o que tem? Modric com 35 anos? Benzema com 32? Marcelo com 32? Hazard, autor de três golos em 28 jogos em ano e meio, quando tinha feito 21 em 52 partidas na última época no Chelsea?
Provavelmente voltamos ao raciocínio inicial: naquele momento em que estão entre a espada e a parede, as grandes equipas, feitas de grandes jogadores, respondem à altura. O problema deste Real Madrid, a razão pela qual já leva cinco derrotas em 15 jogos esta época, tendo ganho apenas um dos últimos cinco, pode estar além de Zidane. Mesmo que este chumbe nos dois testes que aí vêm – Sevilha FC no sábado e Borussia M’Gladbach na quarta-feira – e seja demitido, poderemos chegar à conclusão que quem falhou foi quem lhe deu uma equipa sem condições para ter sucesso.