Volta de aquecimento
Hoje discute-se o terceiro lugar do Mundial, entre Croácia e Marrocos. Mas o jogo é só uma espécie de volta de aquecimento para o que importa, que é a final de amanhã, entre França e Argentina
De um lado, a Croácia de Modric, jogador com quem toda a gente simpatiza – e quem não simpatiza é porque não gosta de futebol. Do outro, a seleção de Marrocos, que foi a equipa-sensação deste Mundial – e toda a gente gosta de equipas-sensação. Hoje, vão defrontar-se para decidir quem fica em terceiro lugar, mas vamos ser honestos: na verdade, ninguém quer saber disso para nada. O jogo de hoje tem para o Mundial a mesma importância que as voltas de aquecimento têm nos grandes prémios de Fórmula 1: são uma coisa muito vagamente aparentada com competição, tem alguma piada ver ali os carros aos esses, para deixarem os pneus em condições, mas o que a malta quer mesmo é que apareça o semáforo da partida. Do Croácia-Marrocos de hoje, o que precisa de saber é isso. Que se joga, que é às 15h, que dá na RTP1 e na Sport TV1 (para quem não gostar de me ouvir). E não é por praticamente o ignorarem que os jornais de hoje são uma perda de tempo. Pelo contrário. Há coisas muito boas para ler acerca do Mundial.
Há edições que são um primor. É o caso do El País. Tudo o que possa dizer-vos aqui acerca da cobertura do Mundial feita pelo El País, acreditem, é pouco. Os ingleses também andaram muito bem, mais centrados na parte política, mas perderam um pouco de fulgor quando a seleção deles foi para casa. No El País, não. Hoje é dia de Valdano – e o link para o lerem está mais abaixo, nos onze links que vos deixo todos os dias, sendo que o texto de hoje é quase só acerca de Messi. Mas há muito mais. David Álvarez escreve sobre Griezmann, contando as viagens do francês, a quem chama “o futebolista total”, e desvendando os bastidores das conversações entre Diego Simeone, o treinador que durante meses só podia usá-lo de meia em meia-hora, e Didier Deschamps, o selecionador que montou em seu redor a candidatura francesa à revalidação do troféu. No campo argentino, Lorenzo Calonge centra-se na figura de De Paul, “o médio que melhor liga com Messi”, para recordar a imagem que ficou do dia após a derrota contra a Arábia Saudita, no campo de treinos, com o sol a pique: “De Paul e Messi sentados, apoiados em arame, assistindo ao treino dos companheiros que não tinham jogado na véspera”.
No lado francês, busca-se inspiração. E François Verdenet, do L’Équipe, foi ouvir o que tem a dizer o francês que já ganhou à Argentina neste Mundial: Hervé Renard, selecionador da Arábia Saudita. “Não nos focámos tanto em Messi, mas sim no conjunto da equipa argentina. É preciso analisar a sua [de Messi] zona de influência, ver como a bola lhe chega. E é preciso, sobretudo, controlar De Paul, que é, para mim, um dos melhores argentinos e um dos mais úteis para colocar Messi em boas condições”, explica Renard, cuja seleção bateu a Argentina por 2-1 na primeira jornada da fase de grupos. A entrevista é interessante e debruça-se sobre a importância que pode ter Rabiot na estratégia francesa. Ora Rabiot, que esteve de fora na meia-final contra Marrocos, por causa de um vírus gripal que afastou também Upamecano, é dado como certo na decisão por Loïc Tanzi, um dos enviados do diário francês a Doha. Mas na mesma edição Hugo Delom e Vincent Garcia fazem a fotografia atual ao problema: Konaté, Varane e Coman estão agora em dúvida. Os jornalistas falaram com um infeciologista e com Gregory Dupont, ex-preparador físico da seleção francesa, e não estão nada convencidos com a “desdramatização” feita pelo grupo.
Com muita coisa boa para ler – e algumas estão nos links mais abaixo – também o The Guardian se centra já na final de amanhã. Nick Ames centra a sua análise prévia ao jogo na busca “do maior prémio do futebol” por parte de Messi e Mbappé e, na página seguinte, é a vez de Jonathan Wilson explicar onde é que o jogo pode ser ganho ou perdido. O jornalista britânico centra-se em quatro pontos essenciais: parar Messi, parar Mbappé, o choque entre De Paul e Theo Hernández e parar Griezmann. Há, já se vê, muito Messi e muito Mbappé nas edições da imprensa internacional. E nos sites. No The Athletic, Oliver Kay foi em busca de sinais do relacionamento entre Messi e Mbappé, que categoriza como “rivalidade definida pelo respeito mútuo”, mas o tema já tinha sido tratado noutros locais, como pode ter visto em edições anteriores desta newsletter. Aliás, há uma série de temas que vão circulando de uns títulos para os outros: hoje, foi a vez de o Daily Telegraph publicar uma reportagem de Christine Gilbert acerca da atração turística em que se transformou a antiga casa de Maradona, em Buenos Aires. O texto não está disponível on-line, mas está lá uma interessante peça de antecipação do que vão agora querer os endinheirados qataris. Sam Wallace deixa a pergunta: “O novo foco do Qatar será a compra do Manchester United ou do Liverpool?” Não é dada uma resposta, mas são feitas uma rigorosa medição de espingardas e uma avaliação das relações diplomáticas, por exemplo, com a Arábia Saudita, já dona do Newcastle United.
Mas há mais Mundial além de Argentina e França. Volto ao El País, para citar aqui a coluna de opinião de Daniel Verdú, que diz que não está claro que este seja “o melhor Mundial da história, como proclamou Infantino. Nem sequer que seja melhor que o grande torneio de 1970. Mas tem tudo para converter-se num grande relato sobre o melhor e o pior do futebol”. Há muitos textos a regressarem à questão polémica dos direitos humanos – alguns estão nos links abaixo, aqui deixo mais um, de Marina Hyde, no The Guardian, com uma interessante ilustração de Gary Neill, com fitas amarelas próprias da cena de um crime em torno de um relvaldo de futebol – mas acabo mesmo com mais uma citação de Verdú, porque resume o que foi o Mundial de Cristiano Ronaldo. “Foi-se embora a chorar, pela porta de trás de um Mundial, enterrando uma descomunal carreira na qual, ainda assim, teve de conformar-se com o papel de rival da altura. A sua última atuação, um arrebatamento narcisista, que lhe custou, no clube e na seleção, a marginalização por parte dos companheiros, confirma o guião da sua carreira como solista. Hoje, treina-se consigo próprio em Valdebebas, as instalações desportiovas do clube que se livrou dele quando intuiu o que todos percebiam”. É caso para dizer que não havia necessidade...
A Ler:
Grizou, le chouchou, por Yohann Hautbois, no L’Équipe, parte em busca das razões pelas quais Griezmann é tão importante e popular na equipa de França, não só ouvindo amigos de infância e antigos companheiros como apresentando estatísticas.
How body and brain help make him the world’s best footballer, por Sarah Shephard, no The Athletic, desconstrói as caraterísticas de Messi e explica porque razão ele é o pesadelo dos defesas.
Messi y la pasión, por Jorge Valdano, no El País, é a habitual crónica de Valdano, esta semana totalmente centrada em Messi. “O corpo pede-me que argentineie”, explica o ex-campeão do Mundo, a justificar por que razão não escreveu sobre o jogo que vai (Messi) e o que vem (Mbappé).
Wenger: “À la pointe de la formation”, por Damien Degorre, no L’Équipe, é uma pequena entrevista com Arsène Wenger em que este explica as razões que entende estarem na base da supremacia mundial do futebol francês neste momento.
La Paternal, el barrio más maradoniano, por Mar Centenera, no El País, é uma reportagem no bairro de La Paternal, a zona de Buenos Aires “que fez do culto a Diego Armando Maradona parte da sua identidade”, para ver como se recebem lá os feitos de Messi.
La posesión no está de moda, por José Sámano, no El País, reflete que só 23 dos 62 jogos do Mundial sorriram à equipa que teve mais posse de bola. E nenhum desde os quartos-de-final. E alarga a análise a outros parâmetros estatísticos deste Mundial.
Ranking all 77 goals scored in the World Cup final, por Adam Hurrey, no The Athletic, faz o que promote, isto é, estabelece uma ordem em todos os golos marcados em finais de Mundiais, do autogolo de Mandzukic em 2018 ao melhor de todos, o golaço de Pelé em 1958.
The World Cup’s missing mouthpiece, por Tariq Panja, no The New York Times, dá conta da insatisfação da organização com David Beckham, que cobrou milhões para ser embaixador do Mundial mas depois colocou sempre inúmeros obstáculos às ações previstas para o publicitar.
Qatar, the World Cup and the war on truth, por Adam Crafton e Joey d’Urso, no The Athletic, parte da história da alegada compra do resultado do jogo de abertura para desmontar uma série de teorias da conspiração criadas em torno deste Mundial.
When World Cup reality isn’t what it seems, por Rory Smith, no The New York Times, é uma reportagem com os adeptos contratados para apoiarem as equipas neste Mundial, passando pela rábula das lotações dos estádios.
How London firms won big working in Qatar’s interests, por Jim Waterson, conta a história da maior vitória britânica neste Mundial. O que voltou a casa não foi o troféu, mas sim muito dinheiro, ganho por consultores de comunicação e lobistas.
A ver:
Croácia-Marrocos, 15h, RTP1 e Sport TV1
Estes jogos para apurar os terceiro e quarto lugares são completamente despropositados. O interesse para os adeptos é nulo e para os jogadores, que acabaram de perder o acesso à final, um suplício.
Para a Croácia não vai ser novidade...jogo repetido.
É sempre bom ganhar mas o amargo de boca deve estar presente.
Já para os marroquinos parece-me haver "gasolina" diferente.
Pode ser o jogo duma vida, pode não se voltar a repetir tão cedo.
Jogo curioso. Vamos ver quem quer mandar na partida.
Só mais um pequeno pormenor mas que pode ter importância. O facto de haver muito jogador marroquino que quer dar um salto na sua carreia e que tem aqui a última hipótese de se mostrar.