Vítor Oliveira, o espalhador da boa nova
Como subiu onze equipas à I Liga, era querido nos quatro cantos do país. Mas nunca chegou a um grande, porque demorou a fazer nome e o paradigma só mudou em meados dos anos 80.
Vítor Oliveira era um divulgador da boa nova. A onda de tristeza e consternação gerais que se espalhou pelo país quando se soube da morte do treinador de Matosinhos explica-se com a boa disposição e simpatia que ele revelava dentro da sua mordacidade, mas sobretudo com a alegria que ele tinha levado aos quatro cantos do país em alguma fase da sua carreira, com as 11 subidas de divisão que protagonizou. Desde Trás-os-Montes, onde subiu o GD Chaves em 2016, ao Algarve, onde subiu o Portimonense em 2017, ou às ilhas, onde subiu o União da Madeira em 2015. Era uma forma de estar na vida: ele próprio dizia que preferia continuar na II Liga, onde lhe era dada a possibilidade de jogar para subir de divisão, a treinar em clubes de meio da tabela para baixo no primeiro escalão, a lutar para não descer. E até isso nos conduz à pergunta que muitos faziam já antes do seu falecimento: porque é que Vítor Oliveira nunca chegou a um grande? A explicação que consigo encontrar para esse “pormaior” de carreira é que ele chegou sempre tarde – e sem culpa formada.
Não deixa de ser curioso que, depois de dois jogos como interino no FC Famalicão, em vez do argentino Imbelloni, em 1979 (e não evitou a descida), Vítor Oliveira se tenha estreado como treinador encartado em 1985, precisamente quando um dos últimos treinadores da tarimba – o seu grande amigo Manuel José – fez a ponte de um clube médio, o Portimonense, para um grande, o Sporting. Com Vítor Oliveira ainda a jogar, a meio-campo, Manuel José tinha levado os algarvios ao quinto lugar do campeonato anterior e a uma inédita e surpreendente qualificação para a Taça UEFA. O Sporting procurava substituto para John Toshack e apostou nele, numa altura em que o Benfica substituía Pal Csernai por Toni, um homem da casa, e o FC Porto mantinha a aposta no campeão Artur Jorge, talvez o primeiro treinador da escola científica a chegar a um grande sem ter mostrado nada de especial antes disso – conduzira o Portimonense a um sexto e a um nono lugares nas épocas anteriores, ainda que a escolha de Pinto da Costa já estivesse feita bem antes disso, quando Artur Jorge trabalhou com Pedroto em Guimarães, em 1980. Creio que foi o sucesso de Artur Jorge – bicampeão nos primeiros dois anos e Taça dos Campeões Europeus ao terceiro – que inverteu o paradigma e “tramou” Vítor Oliveira.
O matosinhense fez sétimo lugar no primeiro ano ao comando do Portimonense e acabou despedido e substituído pelo brasileiro Paulo Roberto à 19ª jornada da segunda época, após uma derrota por 5-0 com o Belenenses no Restelo, que deixou os algarvios abaixo da linha de água. Teve de reconstruir reputação e o caminho eram as divisões inferiores. Subiu o FC Maia da terceira para a segunda divisão em 1989. Subiu o FC Paços de Ferreira ao primeiro escalão em 1991, assegurando depois a manutenção. Fez depois três anos tranquilos e competentes a meio da tabela, no Gil Vicente, o que lhe permitiu subir de patamar e assinar pelo Vitória SC. Pôde voltar a jogar a Taça UEFA – eliminou o Standard Liège mas caiu depois perante o FC Barcelona de Cruijff – mas em Dezembro foi afastado por Pimenta Machado, que lhe preferiu Jaime Pacheco para voltar a assegurar a qualificação europeia. À segunda equipa com uma dimensão europeia, voltava a ser alvo de chicotada. Como foi na terceira, o SC Braga, onde chegou em 1998, depois de subir a Académica e a UD Leiria: à nona jornada, após perder em Campo Maior, foi substituído por Carlos Manuel. Vítor Oliveira não seria ainda nessa altura o treinador em que se tornou, mas começava a carregar em cima o estigma do fracasso quando a fasquia se elevava. A qualidade do trabalho estava lá – caso contrário não teria já subido de divisão três vezes –, mas ele não era sequer capaz de convencer os próprios presidentes disso mesmo. E a verdade é que por essa altura ninguém se lembrava do nome dele quando se falava em mudar o treinador de um dos grandes.
Porque, lá está, o paradigma mudara com Artur Jorge. Desde meados dos anos 80, quem chegava aos grandes eram, das três uma: ou treinadores estrangeiros, ou treinadores que já por lá tinham passado, ou treinadores jovens, preferencialmente da chamada “via científica”, cuja imagem vendesse ilusões aos adeptos. Vítor Oliveira continuou a subir equipas de divisão – Belenenses em 1999, Leixões em 2007 – mas na verdade o fenómeno de Rei das Subidas só começou a ser comentado depois das cinco promoções consecutivas com FC Arouca (2013), Moreirense (2014), União da Madeira (2015), GD Chaves (2016) e Portimonense (2017). Na tarde de 7 de Agosto de 2017, quando voltou a apresentar-se num relvado de I Liga, para uma sofrida vitória do Portimonense sobre o Boavista (2-1, de virada), Vítor Oliveira já tinha 63 anos. Ele próprio sabia que já era tarde para chegar ao topo, a uma equipa que lutasse por títulos nacionais e por uma presença internacional relevante.
Vítor Oliveira ainda subiu o FC Paços de Ferreira em 2019 e fez um trabalho extraordinário a juntar a manta de retalhos que era o plantel do Gil Vicente da época passada, levando-o ao décimo lugar, mas a porta dos grandes nunca se lhe abriu. Não creio que tivesse isso como mágoa. Tê-lo-á assumido a tempo e, talvez por isso mesmo, passou a dada altura a ser o tipo mais genuíno que havia no futebol português. Dizia sempre aquilo que pensava – o que, como geralmente pensava bem, nem lhe ficava mal.