Virtudes e problemas do losango
O 4x4x2 com meio-campo em losango é o sistema que melhor serve Ronaldo, ou Bruno Fernandes e Bernardo Silva numa equipa em que esteja o CR7. Tem um problema: dificilmente cabem todos.
O 4x4x2 que Fernando Santos utilizou no jogo contra o Catar resgatou aquilo que se foi vendo no início do período de vigência deste selecionador, entre 2014 e 2015, e tal como na altura continua a parecer-me a melhor solução para criar o tal contexto que mais favoreça Cristiano Ronaldo – e por arrastamento a própria seleção nacional. É bizarro que o sistema tenha esperado por um jogo em que o capitão não estava para pôr a cabeça à tona de água outra vez, mas se por um lado não deixo de ficar à espera para ver se Santos o recupera mais uma vez contra o Azerbaijão, amanhã, como volta a não haver Ronaldo isso leva-me a desconfiar das reais razões para que o sistema tenha sido metido na gaveta durante tanto tempo: é que há demasiadas opções impositivas para o ataque e não dá para usar este 4x4x2 com todas elas.
A movimentação de André Silva e Gonçalo Guedes no jogo contra o Catar serviria na perfeição para Ronaldo. Quando um deles abria numa ala, o outro ocupava posição de finalização na área – onde é suposto surgirem ainda um ou dois médios, à partida o “10” e o interior do lado contrário ao do avançado que foi buscar a largura. Ora isto serve a vontade de Ronaldo poder ter mobilidade, nunca deixa a equipa órfã de uma referência na frente para poder ligar o jogo por dentro e cumpre os requisitos necessários para criar o tal contexto que seja favorável ao surgimento de Ronaldo em posições de finalização, com a criação de “diversões” que o libertem da total atenção dos defesas-centrais adversários. Porque o jogo com a Irlanda, com os dois golos de Ronaldo nos últimos minutos, quando já estávamos com dois pontas-de-lança, por exemplo, mostrou duas coisas: que o CR7 é um finalizador extraordinário, o melhor do Mundo na matéria, mas que nem ele resolve sozinho contra três e precisa de mais gente na área para desviar as atenções e poder libertar-se.
Por que não se usa mais vezes este sistema, então? A razão é simples de descobrir. É que há excesso de jogadores para as posições da frente na equipa, muitos deles com estatuto de titular ou a lutar por ele. Só nesta convocatória houve Ronaldo, Jota, André Silva, Gonçalo Guedes, Pedro Gonçalves, Rafa e mais tarde Trincão (e Félix está lesionado). Isto já para não falar da questão de Bernardo Silva, que tem aparecido à direita do ataque num 4x3x3 mais assimétrico, que face aos irlandeses dividiu tarefas de criação a meio-campo com Bruno Fernandes, aí já num 4x3x3 simétrico, mas que neste 4x4x2 deve mesmo ter de aparecer como “10”, lugar pelo qual lutaria com Bruno Fernandes – isto presumindo que todos os outros médios podem jogar a sair de uma ala, como Fernando Santos fez agora com Otávio, por exemplo, e já tinha feito em tempos com João Mário, que foi o “10” em Debrecen contra o Catar.
Dir-me-ão que Bernardo Silva já surgiu em posições mais recuadas com Guardiola no City. E têm razão. Mas o City joga em 4x3x3, isso foi testado por Portugal contra a Irlanda, sem um sucesso extraordinário – além de que essa era a razão fundamental para a minha curiosidade quando se pensava que Ronaldo ia para lá. Dir-me-ão também que Bruno Fernandes já foi médio-ala, com responsabilidade de vir dentro, tanto na seleção como no primeiro ano de Sporting, com Jesus. E também têm razão. Mas isso nunca o favoreceu a ele nem à equipa, pois do último ano de Jorge Jesus para o seguinte, com José Peseiro, Tiago Fernandes e Marcel Keizer, o jogador duplicou a produção goleadora – além de que essa é a razão fundamental para a minha curiosidade acerca da integração de Ronaldo e Bruno Fernandes na equipa do United.
É evidente que “vende” muito mais a tese do equilíbrio de egos, a ideia de que Ronaldo seca tudo à sua volta porque quer todo o protagonismo para ele – e de facto já era tempo de ceder na marcação de livres, por exemplo, mas isso é outra conversa… – e que os jogadores que partilham balneário com ele se sentem tolhidos e sem capacidade para impor identidade de estrelas que também são. Mas, francamente, não compro essa ideia. Se Diogo Jota se impõe em Liverpool num ataque formado por Mané, Firmino e Salah, que já jogava de cor, não vai encolher-se para ir à procura de Ronaldo. Tanto ele como Bernardo Silva, Bruno Fernandes e até André Silva já superaram a prova de estrelato da qual depende a capacidade para serem iguais a si próprios. Por mais provas de bajulação que possam aparecer em declarações feitas no contexto da seleção – e depois do jogo com a Irlanda elas até serão naturais –, ser jogador de futebol a este nível já pressupõe um grau de confiança e de autoconvencimento que afasta à partida a validade dessa tese. Só chegas lá acima se achares no teu íntimo que o Ronaldo é muito bom, mas que tu podes ser ainda melhor.
A verdadeira razão para o problema é tática e passa por uma decisão. Das duas uma: ou se cria um plano que sirva tanto a maior estrela como os “tenentes” (mas se assume que estes não cabem todos), ou se procura a forma de os ter a todos no onze, mesmo que modificando-lhes um pouco a posição e alterando as funções que mais lhes convêm, confiando que eles, como craques que são, acabarão sempre por resolver. Este segundo caminho tem contribuído para validar a tal tese do favorecimento a Ronaldo, porque ele é melhor do que os outros e por isso acaba por resolver mais vezes, mesmo sem que a tática o favoreça. Mas só tem servido a seleção até certo ponto – geralmente até aos oitavos-de-final. E isso, de facto, é curto para tanta gente tão válida.