Vamos pensar como treinadores
De Conte a Conceição, passando por Zidane ou pelo Jesus de 2015, todos os treinadores querem o mesmo: ganhar. Tudo o resto é paisagem.
Experimentem por uns segundos, se conseguirem, colocar-se na pele de Antonio Conte. Ou de Zinedine Zidane. Ou de Sérgio Conceição. Uns ganharam esta época, outros não, mas não é isso que importa. Finjam que têm de tomar as decisões a cargo destes treinadores, que além de serem homens inteligentes já foram campeões como jogadores, ganharam muito dinheiro e conheceram muitas camisolas e bancos diferentes. Em que é que baseiam a decisão acerca do futuro? No salário que vos oferecem? No amor ao emblema? Na relação com o presidente? Na rapidez do diretor de comunicação a impedir os jornalistas de fazer perguntas incómodas? Na propaganda posta a circular pelos meios oficiais de forma a condicionar a opinião pública? Ou na confiança que depositam nos meios colocados à vossa disposição para fazerem aquilo de que mais gostam, que é ganhar?
Quando se é Conte – ou Zidane, ou Conceição, ou até o Jesus de 2015… – tudo o que importa é ganhar. António Conte acaba de comandar o Inter Milão no trajeto que o levou ao primeiro scudetto numa década e, acabada a temporada, chega da China o senhor Zhang, proprietário do clube, e diz-lhe que agora tem de despachar alguns dos melhores jogadores porque o Inter está em crise financeira. Isso vocês aceitam se estiverem num clube português, cujo sucesso passa sempre pela geração de mais-valias no mercado. Mas não quando defendem o escudo de um dos mais poderosos clubes de um dos mais ricos campeonatos do Mundo. O que Conte viu no futuro imediato foi mais do que a dificuldade de continuar a ganhar consolidadamente. Foi que do outro lado, do lado dos proprietários, não estava a ser feito tudo o possível para que se continuasse a ganhar consolidadamente. E então fez as contas, disse que “não, senhor Zhang”, recebeu já metade do terceiro e último ano de contrato e está livre no mercado para abraçar um projeto que lhe permita isso mesmo – ganhar.
Se a sentem, de todo, a vossa dificuldade para se colocarem no papel de Conte – ou de Zidane, ou de Conceição ou até do Jesus de 2015 – é que na maior parte das vezes pensam no futebol como a luta do bem contra o mal. E o futebol não é isso, não é esse cenário maniqueísta que passa na cabeça dos adeptos apaixonados. Conte é de Lecce, no sul de Itália, mas jogou 13 anos na Juventus, antes a levar ao scudetto também como treinador e de, ao lado do amigo Marotta, que nele apostou em ambos os casos como diretor desportivo, ter agora repetido a proeza no Inter. Em 2015, quando depois de ele ganhar o bicampeonato no Benfica, Vieira e Mendes quiseram colocar Jesus algures no Golfo Pérsico para, no seguimento da primeira inversão estratégica do futebol do clube, entregarem os comandos a Rui Vitória e abraçarem a política de formação “Seixal à frente”, o treinador recusou o camião de petrodólares que lhe prometiam e acabou nos braços de Bruno de Carvalho. Não o fez porque era sportinguista, mas sim porque viu ali uma oportunidade de continuar a fazer aquilo que mais o motivava, que era ganhar – no caso ainda potenciada pela possibilidade de ganhar aos que não tinham querido seguir com ele.
Há uns dias escrevi aqui acerca do que motivaria Sérgio Conceição no momento em que trata da renovação com o FC Porto. Agora, que depois da ameaça napolitana o caso até parece encaminhar-se para um final feliz, com Pinto da Costa e Luciano d’Onofrio sentados à mesa a tratar da renovação do treinador, até podem reunir dezenas daqueles comentadores que sabem tudo ou que são portistas desde pequeninos em torno de uma mesa e vir dizer que o que esteve em causa foi essa cortina de fumo a que chamamos a “proteção da estrutura ao treinador”, para lhe “evitar o desgaste e o excesso de exposição”, que a minha convicção continua a ser a mesma. Sérgio Conceição continuará no FC Porto se lhe derem garantias de que o interesse maior da estrutura dirigente é dar-lhe condições para poder fazer aquilo que todos os treinadores querem fazer, que é ganhar.
Não é uma questão de salário ou de ter alguém que apareça a falar grosso em vez dele, que isso – o falar grosso – está-lhe no sangue e não vai mudar. Nos quatro anos antes da chegada de Conceição, nos quais não ganhou um único campeonato e viu o plantel empobrecer em qualidade, o FC Porto teve um saldo positivo de 151 milhões de euros no mercado (gastou 172 milhões e recebeu 323) e mesmo assim caiu nas restrições da UEFA por incumprimento do “fair-play financeiro”. Nos quatro anos que Conceição lá passou – com dois campeonatos ganhos e saída da lista negra da UEFA – a balança de transações mostra quase a mesma coisa: o FC Porto gastou 140 milhões e recebeu 306, para um saldo positivo de 166 milhões de euros.
Para continuar, repito, Conceição quererá o que querem todos os treinadores em todos os clubes, que aqui não há gente boa e gente má, cores que nos tranquilizam e outras que nos deixam atazanados. Quer ter condições para ganhar. Quer ter mais peso na decisão, para se assegurar que o pensamento primeiro de quem decide seja criar à equipa condições para ganhar, canalizando para o sítio certo todos os recursos disponíveis.