Umas horas a pensar por Fernando Santos
O selecionador nacional já terá decidido quem joga frente à França. Passei umas horas a tentar pensar pela cabeça dele e o resultado foi esta viagem às razões de Santos para escolher quem sai.
O futebol português está um pouco em suspenso da escolha que Fernando Santos já anunciou que fará no sábado para a decisiva partida com a França, da qual depende a possibilidade de Portugal defender o título de campeão da Liga das Nações. Entre Bernardo Silva, João Félix, Cristiano Ronaldo e Diogo Jota, um deles ficará no banco. Ou melhor: entre Bernardo Silva, João Félix e Diogo Jota, um deles começará no banco, que Ronaldo terá o lugar garantido no onze. As opiniões dos adeptos são muitas vezes fundadas em razões tão simples como o clubismo, o que é estranho, porque falamos de um jogador do Manchester City, um do Atlético Madrid e outro do Liverpool FC. Mas as razões que vão presidir à escolha do treinador são outras – e também não têm a ver com empresários, pois todos os jogadores são da esfera-Mendes, ainda que Félix não seja um ativo da Gestifute. Mais até do que o estatuto ou o momento de forma de cada um, serão razões estratégicas a pesar mais na decisão de Fernando Santos. Vou tentar pensar por ele.
Comecemos por Ronaldo. Onde vai jogar o CR7? Contra equipas mais frágeis, ele até pode jogar como mais gosta, a partir da esquerda, em 4x3x3. Mas contra uma seleção tão poderosa como a França isso poderia tornar-se um problema, porque Ronaldo usa a esquerda como ponto de partida para chegar ao meio e depois está muitas vezes ausente em momentos de transição ou organização defensivas, obrigando a equipa a manobras de compensação, como por exemplo a colocação de William naquele lado ou a preocupação constante do avançado-centro se mover em função das diagonais do capitão, para ocupar o espaço que ele deixa livre. É por isso que estou convencido de que Ronaldo jogará pelo meio – aliás, já contra Andorra, nos 45 minutos que passou em campo, esteve ao meio. Só que, rebaterão os mais atentos, na quarta-feira Ronaldo esteve ao meio, mas a equipa posicionou-se em 4x4x2, com Paulinho (e depois João Félix) ao lado do craque da Juventus – foi até mais um 2x4x4, com a projeção permanente dos laterais a empurrar os alas para a linha dos avançados.
O 4x4x2 seria uma hipótese para o jogo de amanhã, ainda que necessariamente com muito mais cautelas, o que desde logo invalidaria a linha formada pelos quatro craques do momento na frente. E em 4x4x2 a escolha cairia em Félix para jogar ao lado de Ronaldo, mas forçaria a que um médio, evidentemente Bruno Fernandes, ocupasse uma faixa lateral: a esquerda se no onze estivesse Bernardo Silva, a direita se à esquerda jogasse Diogo Jota. Só que não creio que Santos disponha a equipa em 4x4x2. Mesmo tendo Portugal jogado num sistema que se aproximava disso no Europeu’2016, com Ronaldo e Nani na frente e um dos médios a cair numa ala, na final contra a França a equipa só encontrou equilíbrio e paz tática depois da entrada de Quaresma, após a lesão de Ronaldo, porque foi então que passou a contar com três médios no corredor central: William, Adrien Silva e Renato Sanches, que de início andava perdido pela esquerda. E os jogos com seleções mais fortes, como é o caso da França, ganham-se com a consistência no corredor central como fator primordial. Aliás, basta lembrar que, nessa final, além dos três médios, Portugal tinha ainda a jogar como extremo um jogador capaz de pensar como médio – na altura João Mário. E essa é a razão fundamental que me leva a crer que, mesmo sendo, dos quatro, o que está num momento de forma menos impactante – nem sempre tem sido titular no City, por exemplo –, Bernardo Silva jogará sempre. De todos, Bernardo é o mais capaz de gerir ritmos de jogo, de ora acelerar ora abrandar, de pensar o jogo em termos mais coletivos e não somente individuais. E isso faz falta a qualquer equipa.
Resta, portanto, uma dúvida: Félix ou Jota? Aqui, mais uma vez, tudo dependerá daquilo que o treinador quiser para a equipa. Jota será sempre melhor jogador de corredor lateral – pode jogar ao meio, como se viu no Liverpool FC, mas tem as caraterísticas de um extremo, e isso é argumento de peso para poder ser ele a ocupar a faixa esquerda, com Ronaldo ao meio. Com Jota e Ronaldo, Portugal teria muito mais armas para atacar a profundidade, para jogar no espaço, ainda que perdesse capacidade para ligar o jogo no meio, para jogar entre linhas. Mas, além de já ter muito mais minutos em campo com Ronaldo, o que é um argumento de peso quando se fala no entendimento necessário para as trocas posicionais tão frequentes nesta equipa, João Félix é um jogador mais diferenciado e, por isso, complementar, em relação ao CR7, enquanto que Jota partilha com o capitão muitas facetas – é mesmo, já o escrevi aqui, o clone mais aproximado de Ronaldo na equipa, pela velocidade que imprime, pela verticalidade do seu jogo e pela capacidade de finalização que o leva ao golo com tanta frequência. São essas semelhanças, bem como a noção de que, dos quatro, é aquele que causará mais impacto no jogo se entrar a meio, que podem acabar por remeter Jota ao banco.
Se isso acontecer, muitos vão dizer que foi favoritismo, estatuto ou proteção a este ou àquele clube. Mas na verdade o que mais pesará – ou o que mais terá pesado, pois creio que ele já escolheu – na decisão de Fernando Santos será a estratégia. Porque as coisas estão ligadas. Que Portugal quer o treinador? Mais veloz, a jogar no espaço e sempre à procura do ataque à profundidade? Joga Jota! Mais ligado, de pé para pé, a tentar manter o jogo controlado com a bola? Jogam Félix e Bernardo!