Uma precipitação difícil de entender
Com seis sub40 em 18, Portugal é o campeão da Europa da aposta em jovens treinadores. Isto não é bom nem mau. Mas convém que não seja uma moda ou uma mera manobra de marketing.
Tão surpreendente como a escolha de Tiago Mendes para treinar a equipa do Vitória SC foi a saída do jovem treinador, ao fim de apenas três jornadas e com resultados que, não sendo bons, também não são escandalosos: uma vitória, um empate e uma derrota, um golo marcado e outro sofrido. Aqui chegados, sempre acompanhado de um “mas não diga que fui eu que disse”, do lado do clube circula a ideia de que Tiago não estava preparado para a pressão de ser treinador principal na Liga, enquanto que na fação próxima do treinador se espalha outra verdade, a de que foi o clube que não cumpriu as expectativas que ele tinha, de ver a equipa reforçada até ao fecho do mercado. Uma coisa é certa e evidente: não estavam preparados uns para os outros. E, nisto, todos se precipitaram de forma difícil de entender.
É nestas alturas que me lembro de um lamento que uma noite me fez o Toni, enquanto nos desmaquilhávamos, na sala de caraterização da RTP, após mais uma das muitas emissões de sábado à noite que partilhou connosco. “Em Portugal, já não tenho idade para ser treinador”, dizia o antigo técnico campeão, que para a semana faz 74 anos, mas que nessa altura ainda devia estar por volta dos 71 e que não trabalha em Portugal desde que foi demitido pelo Benfica, após uma derrota no Bessa, no Natal de 2001. Tinha 55 anos. Basta olhar para a lista dos 18 treinadores que começaram a época na Liga portuguesa para perceber que seis (um terço) têm menos de 40 anos: Pepa tem 39, Tiago Mendes também, Vasco Seabra e Sérgio Vieira têm 37, Rúben Amorim tem 35 e Luís Freire tem 34. Em contrapartida, só cinco têm mais de 50 anos e só um (Jorge Jesus) está além dos 60.
A tendência para reformar os treinadores quando chegam aos 60 anos não é exclusivo nosso. A Liga espanhola, por exemplo, só tem um sexagenário em 20 clubes – Pellegrini, de 67 anos, no Betis. Na Premier League inglesa há apenas três: Ancelotti (61 anos) no Everton, Bielsa (65) no Leeds United e Hodgson (73) no Crystal Palace. Somam-se mais dois na Alemanha – Favre, de 62 anos, no Borussia Dortmund, e Neuhaus, de 60, no Arminia Bielefeld – e outros tantos em Itália – Gasperini, de 62 anos, na Atalanta, e Ranieri, de 68, na Sampdoria – para se chegar a oito treinadores sexagenários num universo de 78 clubes dos quatro maiores campeonatos da Europa. Cerca de 10 por cento, portanto. E nem vale a pena chamar a atenção para o facto de dois destes campeonatos – o inglês e o italiano – serem neste momento liderados por equipas comandadas por sexagenários, porque não acredito que as coisas fiquem assim por muito mais tempo e nunca achei que idade fosse um posto. De qualquer modo, não é neste parâmetro que a Liga portuguesa é única.
Aquilo em que Portugal é único não é na reforma antecipada dos sexagenários. Será, quanto muito, na promoção precipitada dos treinadores jovens. Se 33 por cento dos treinadores da nossa Liga têm menos de 40 anos, esse valor desce para 7,6 por cento no universo das quatro maiores Ligas europeias. Em 78 clubes, há apenas seis treinadores abaixo dos 40 anos, três dos quais na Alemanha, fruto daquilo a que podemos chamar o efeito Nagelsmann: Martínez no Granada CF (39 anos), Arteta no Arsenal (38), Parker no Fulham (39), Kohfeldt no Werder Bremen (38), Höness no TSG Hoffenheim (38) e o próprio Nagelsmann no RB Leipzig (33). Isto equivale a dizer que trabalham na Liga portuguesa tantos treinadores jovens como na soma das quatro maiores Ligas europeias. E isto não é bom nem é mau: quando os jovens estão bem preparados, como aconteceu por exemplo com José Mourinho, quando, com 37 anos, se estreou como treinador principal do Benfica, é bom. Porque os jovens trazem métodos novos, linguagem nova, abordagens diferenciadas e uma energia importante para a função. Mas quando a escolha não passa de uma moda, de uma manobra de marketing, criada em cima da noção de que é muito mais fácil empatizar com um rosto sem rugas nem cabelos brancos, chega a ser preocupante.
A realidade da Liga portuguesa, em si, só é preocupante para os treinadores que já passaram a barreira dos 50 anos. Fica muito mais difícil para eles conseguir emprego. E isto não belisca em nada a competência dos jovens que chegaram lá acima a pulso, como Amorim, Freire, Seabra, Pepa ou Vieira, todos eles com experiência em escalões secundários. Não belisca sequer a competência de Tiago Mendes, que não pode ser prejudicado por lhe terem dado a oportunidade de começar por cima. Tivesse ele tido o sucesso retumbante de Mourinho – que não ganhou um único dos seus primeiros três jogos e que ao fim de um mês no cargo somava apenas uma vitória, mas aguentou firme – e a sua escolha pelo Vitória SC teria sido um golpe de génio. Assim foi apenas uma precipitação sem explicação. Do clube ao fazer a escolha. E dele ao desistir tão depressa daquilo em que há um mês acreditava com firmeza.