Uma dupla contra o medo
A vitória clara do Benfica contra o Spartak assentou no modo como Weigl e João Mário manejaram o jogo, fruto do medo que os médios dos russos revelaram e que os levou a encostar atrás.
A clareza da vitória (2-0) do Benfica em Moscovo, perante o Spartak, e a confiança com que a equipa portuguesa pode agora encarar a segunda mão desta eliminatória, na semana que vem, assentaram em duas variáveis: numa equipa que é mais forte no plano individual, que tem melhores jogadores, e numa superioridade tática que resultou na forma como Weigl e João Mário jogaram à vontade, sem terem ninguém por perto. Claro que, tendo em conta a rivalidade entre os dois, a tentação é sempre a de dizer que Jorge Jesus ganhou a Rui Vitória na batalha tática, mas a questão é que a realidade vai muito para lá disso: a coisa foi de tal modo evidente que nenhum treinador do Mundo deixaria de a ter a entrar pelos olhos dentro. E é aqui que entra o terceiro fator: o medo. A verdade é que, apesar do imaginativo vídeo lançado nas redes sociais do clube, com alguns jogadores a simularem que enjaulavam a águia Vitória, o Spartak teve medo. E foi aí que o Benfica ganhou.
Para o caso, o bluff de Jesus nem terá tido influência. É verdade que o treinador do Benfica tinha dado a entender, na conferência de imprensa pré-jogo, que ia jogar em 4x4x2, como jogou em todos os anteriores confrontos com Rui Vitória. Uns ganhos e outros perdidos, como o próprio Jesus recordou depois da partida. Mas qualquer treinador deixará a sua equipa pendente de pelo menos dois cenários: “se eles vierem em 4x4x2, fazemos assim; se virem em 3x4x3, fazemos assado”. No papel, o 4x2x3x1 do Spartak servia para ambos os cenários. Asseguraria sempre superioridade a meio-campo com a mobilização de Larsson. Só que aí entraram a confiança de um lado e o medo do outro. Hendrix e Umyanov, os dois médios-centro do Spartak, assustaram-se com o facto de o Benfica ter três avançados sempre disponíveis para aparecer no espaço interior – Pizzi, Seferovic e Rafa – e encostaram atrás, aos centrais. Não que fizessem lá falta ou efeito, porque já lá estava a linha de quatro defesas e porque, em condições normais, com as bolas de que dispôs ontem, Pizzi teria feito pelo menos um par de golos. Mas foi isso, somado ao facto de Zobnin, Larsson e Bakhaev também não se envolverem defensivamente e não acompanharem este recuo do seu par de médios, que permitiu que Weigl e João Mário manejassem o jogo a seu bel-prazer, sempre com uns cinco ou dez metros de espaço para receber, levantar a cabeça e decidir com tempo por onde mandavam a equipa em direção à baliza de Maksimenko.
A posse de bola, que nem sempre é importante mas que, ontem, no Futebol de Verdade, eu tinha dito que ia ser fundamental, pendeu para o lado benfiquista na ordem dos 60/40. E o resultado podia ter sido bem mais amplo, tantas foram as ocasiões de perigo de que os portugueses dispuseram. O meio-campo do Benfica passou, assim, com distinção no teste. Mas quer isto dizer que o problema está resolvido? Ainda é cedo para se tirar uma conclusão tão definitiva. Há que ver como se comporta a dupla perante equipas que lhe disputem a bola, que lhe metam pressão, que a obriguem a correr mais atrás da bola do que com ela nos pés, mas a solução encontrada parece estar no bom caminho. E a parte boa da coisa é que mesmo que Jesus queira mudar o caminho, embeiçado como parece estar atualmente pela ideia de mudança permanente da estrutura de uma equipa, algo em que voltou ontem a insistir como sendo o futuro do futebol, ali não tem de mexer. Para transformar aquele 3x4x3 em 4x4x2, tudo o que tem de fazer é abdicar de um dos homens de trás e trocá-lo por mais um avançado, mudando Pizzi mesmo para a direita e Rafa para a esquerda ou inserindo Everton à esquerda e colocando Rafa ao meio, como apoio do ponta-de-lança. Ou até, contra adversários mais frágeis, jogando mesmo com dois extremos abertos. No meio-campo, na verdade, não precisa de mexer, a não ser que em certas alturas pretenda ter mais poder físico, casos em que Meité ou até Gedson poderão ser tidos em conta.
Claro que para os médios não é a mesma coisa jogar com dois ou três centrais. Nem no momento defensivo nem no início do momento ofensivo, pois essa alteração influi tanto com a ocupação de espaço como com a saída de bola. Mas essas são nuances que o treinador até pode trabalhar, sobretudo se dispõe de jogadores taticamente cultos, como são Weigl e João Mário. O primeiro jogo da época trouxe, assim, uma convicção e uma certeza. A convicção de que o Benfica é amplamente favorito para seguir para o play-off e a certeza de que João Mário é melhor jogador do que Taarabt e de que com ele o Benfica melhorou naquela zona.