Um sistema para Bruno Fernandes
Já se viu que Portugal vai para o Europeu em 4x2x3x1 privilegiando a velocidade na frente. O objetivo é claro: há que tirar mais de Bruno Fernandes.
Fernando Santos prepara-se para entrar no Europeu 2020 com a equipa disposta em 4x2x3x1, abdicando de vez daquele híbrido entre o 4x4x2 e o 4x3x3 que marcou a quase totalidade dos seus seis anos e meio à frente da seleção nacional. Nunca gostei do 4x2x3x1, porque a não ser que os dois médios-centro se entendam particularmente bem, desperdiça sempre um jogador em posse, mas reconheço aqui duas coisas. A primeira é que não é nesta fórmula a que corresponde a arrumação estática dos jogadores que tudo se decide: muito mais decisiva é a adequação dos futebolistas à ideia de jogo (e a esse tema voltarei na próxima segunda-feira). A segunda é que este sistema pode resolver finalmente a questão Bruno Fernandes, assumindo que o médio do Manchester United tem hoje no coletivo um peso que os posicionamentos a que estava obrigado antes de aqui chegarmos lhe tiravam. E Bruno respondeu com dois golos a Israel, tantos como havia feito nos primeiros 28 jogos pela equipa.
São raros os casos em que reconheço que o “duplo-pivot” de meio-campo favorece uma equipa, porque na verdade aquilo a que ele obriga é a que sejam dois jogadores a fazer o trabalho de um – o médio centro distribuidor. O próprio Fernando Santos explicou mais ou menos isso, por volta de 1999, quando era treinador do FC Porto e deu uma conferência em Rio Maior a próprio da inversão do triângulo de meio-campo da equipa campeã nacional. Uma equipa em 4x2x3x1 à partida pode na mesma escolher se defende em 4x4x2 ou em 4x3x3, mas em posse, a não ser que os dois médios desfaçam o par, complica a saída a três e não é tão lesta a projetar os laterais. Agora isto é a teoria. No campo, casos haverá em que o sistema funciona, seja porque a equipa prefere inclinar-se para um dos lados a sair – com um lateral mais recatado e o outro mais ofensivo – ou porque os dois médios se conhecem tão bem que determinam o que vai e o que fica quase que por sinais de fumo. Ou ainda – e esse parece ser o caso desta seleção de Portugal – porque assim dá mais liberdade ao médio ofensivo, de certa forma trocando a ideia de dois “oitos” pela de um “dez”.
Portugal foi campeão da Europa no tal híbrido entre o 4x4x2 e o 4x3x3. Jogava com Nani na frente, Ronaldo a aparecer por lá, quase sempre a partir da esquerda, e João Mário aberto numa das alas, a fazer de terceiro avançado/quarto médio, o que depois implicava todo um re-equilíbrio do meio-campo. Aqui, William era o seis, Adrien surgia como oito, fechando ao meio sem bola mas soltando-se mais com ela, o que forçava o terceiro médio, geralmente o que tinha mais pendor ofensivo, a ocupar-se de um dos corredores laterais ou pelo menos a partir dele em diagonais para o espaço interior. Foi por isso que, depois de um início terrível, Portugal melhorou na final após a lesão de Ronaldo e a sua troca por Quaresma – a partir daí, com o substituto mais constrito à lateral, a equipa assumiu o 4x3x3, desobrigando Renato Sanches de jogar na ala, onde era mais fator de desequilíbrio defensivo que ofensivo. Isto transporta-nos para as duas conclusões que assumi no primeiro parágrafo deste texto – a de que uma equipa é melhor ou pior consoante a adequação da sua ideia aos jogadores de que dispõe e a de que este 4x2x3x1 foi assumido a pensar naquilo que pode dar ao coletivo Bruno Fernandes.
Quando Bruno Fernandes chegou à equipa, o seu peso institucional não era ainda suficiente para fazer Fernando Santos mudar. O que lhe aconteceu foi que apareceu a fazer o papel de terceiro médio, aquele que partia de uma das laterais. Como, ainda por cima, Santos passou William para “oito”, introduzindo Danilo na equipa como “seis”, a tentação era a de utilizar William mais do lado de onde partia Ronaldo, de forma a melhor compensar as ausências do capitão em momentos de transição defensiva. E, como Ronaldo gosta mais de sair do lado esquerdo, favorecendo a finalização de pé direito, era mais aí que caía William, o que levava muitas vezes Bruno Fernandes ao papel de interior-direito – onde, sendo destro, a sua meia-distância não era favorecida. O resultado foi um Bruno Fernandes sempre abaixo do nível que vinha mostrando nos clubes – que outra explicação há para o facto de um médio que fez, em média, 30 golos por época nos clubes nas últimas três temporadas, não marcar pela seleção nacional? A adoção do 4x2x3x1 e o bis de Bruno Fernandes a Israel – e sim, era Israel, não era uma potência, mas até aqui ele já tinha sido irrelevante contra equipas ainda mais fracas – já dão pistas para responder a este dilema.
No Europeu, Portugal vai aparecer em 4x2x3x1, com Ronaldo mais na frente, favorecendo a utilização de jogadores rápidos e com propensão para surgir no espaço, em ataque rápido e em contra-ataque – daí Jota e não André Silva – e com Bruno Fernandes à solta no corredor central, bem perto do capitão. A ideia há-de ter sido explicada aos jogadores e, é preciso que se entenda isto, o seu sucesso dependerá muito da capacidade de Santos para convencer Ronaldo a ser mais posicional na frente – no jogo com Israel, por exemplo, várias vezes pareceu que Portugal não tinha gente suficiente em zonas de finalização. Mas uma coisa é certa: com este sistema há finalmente condições para termos na seleção o Bruno Fernandes do Sporting e do Manchester United. E isso será certamente uma ajuda.