Um PSG fracassado
Martínez não se limitou a colocar em campo de início a dupla de médios do Paris Saint Germain. Tentou transplantar uma série de princípios da equipa de Luis Enrique. Mas a experiência foi paupérrima.

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Portugal perdeu com a Dinamarca, em Copenhaga, por 1-0, na primeira mão dos quartos-de-final da Liga das Nações, e a melhor coisa que se tirou do jogo foi mesmo o resultado, que permite encarar a segunda partida, no domingo, em Alvalade, com expectativas de superar a ronda e entrar na final four. O próprio Roberto Martínez reconheceu uma coisa que eu já tinha dito nos comentários em direto, na RTP – que a partida do Parken foi a pior que a seleção fez debaixo do seu comando. Foi tudo demasiado pobre, deixando antever que a equipa até pode superar esta ronda, mas que continua a perder tempo com equívocos continuados na que devia ser uma caminhada num sentido claramente identificado. Ontem, além de chamar ao onze a dupla de médios do Paris Saint-Germain – Vitinha e João Neves –, a equipa procurou ainda importar uma série de dinâmicas coletivas do grupo comandado por Luís Enrique, mas sempre sem sucesso. E foi atropelada por uma Dinamarca que, já se sabia, era muito intensa, pressionante e direta.
Tal como o PSG, Portugal exigia sempre largura máxima aos extremos, colocando os laterais a atacar por dentro ou, em alternativa, se estes se projetavam pela linha, permitindo a Neto e Leão que viessem à procura dos meios-espaços – mas a verdade é que nem um nem o outro eram capazes do discernimento de um Doué ou de um Kvaratskhelia, limitando-se quase sempre a correra direito sem ver a equipa até que o campo se lhes esgotasse à frente. Tal como Dembelé no PSG, Ronaldo baixava muito em apoio, fazendo-se um falso nove, mas embora não tenha falhado um passe, não lhe saiu um só drible nos 90 minutos, voltando a casa apenas com um remate ao lado e outro bloqueado e zero expectativas de golo. Tal como o PSG, Portugal fazia saída de bola a três, alternando o jogador que ia juntar-se aos centrais entre, precisamente, a tripla do campeão francês em campo: ora era Nuno Mendes, ora baixava Vitinha, ora o fazia João Neves. A rotação do triângulo de meio-campo, com a troca em movimento dos seus vértices, é uma imagem de marca da equipa de Luís Enrique, mas na de Martínez só conduziu à perda de referências e de linhas de passe à frente da saída de bola. E isso levou a constantes perdas de passes interiores e à entrada em comprometedoras e frequentes situações de contra-transição, aproveitadas pela Dinamarca para criar confusão permanente na área de Diogo Costa.
A Dinamarca rematou 23 vezes – máximo da equipa na competição, onde nunca passara das 17 tentativas, na receção à Suíça. Mais significativo ainda, os dinamarqueses acabaram o jogo com 41 ações na área, quando o seu máximo da competição eram 24. A estes dados estão ligados outros do lado português: a equipa nacional estabeleceu um novo recorde de passes de risco perdidos (22) e de perdas de bola no último terço defensivo (17) numa partida desta edição da Liga das Nações. Os 536 passes tentados pela equipa nacional foram também o valor mínimo registado na prova. E a questão de fundo é a de perceber como é que, tendo um meio-campo formado por dois jogadores que, no PSG, controlam a posse e o ritmo dos jogos da Liga dos Campeões, Portugal foi incapaz de ligar os setores e de encontrar fosse quem fosse entre linhas no corredor central, acabando sempre à espera de um milagre no um-para-um vindo dos extremos. No final, Martínez falou de falta de ritmo, de velocidade de reação, como se tivesse sido uma questão de intensidade para criar linhas de passe à frente da saída de bola e, depois, para ganhar duelos à entrada da área defensiva. É possível. Mas é evidente que entre a qualidade da entrega de saída – que o selecionador tentou corrigir com a entrada de Inácio – e a mobilidade de quem tinha por obrigação criar as tais linhas de passe, alguma coisa falhou clamorosamente. E o resultado foi uma equipa de Portugal a abdicar das que deviam ser as suas referências e a jogar demasiadas vezes diretamente por alto de Diogo Costa para Ronaldo, à espera que depois Vitinha, João Neves e Bruno Fernandes se transformassem em gregários conquistadores de segundas bolas.
O que está aqui em causa não é, para já, a continuação na Liga das Nações. Diogo Costa saiu da partida com sete defesas, uma das quais a um penalti, e um total de Golos Evitados de 2.1 – o que desde logo nos diz que a Dinamarca criou o suficiente para marcar três golos (teve ainda 2.78 Golos Esperados) e, além disso, que finalizou também de maneira a marcar três golos, mas que o guardião nacional evitou que a equipa portuguesa entrasse em Alvalade, no domingo, com a qualificação para a Final Four já como miragem impossível de alcançar. É possível corrigir este resultado, será provavelmente possível corrigir ainda algumas das escolhas que, mais do que pedradas no charco, são convites à perda de identidade da equipa, porque a transportam para um plano que não lhe convém. O que está em causa não é, também, uma competição seminal, que está claro para todos que o objetivo é o próximo Mundial e que não será por não ganhar a Liga das Nações que Martínez verá a sua legitimidade posta em questão. O que está aqui em causa, porém, é algo muito mais preocupante. É que a equipa parece continuar a desperdiçar tempo sem avançar em direção à tal identidade e consolidação de processos de que precisa, perdendo-se na contradição permanente entre a ideia anunciada e os meios postos em campo para a perseguir.
Portugal continua a ser uma coisa no discurso e, na maior parte das vezes – a exceção terá sido o jogo na Polónia – outra, radicalmente diferente, para pior, em campo. E quanto mais tempo continua assim, mais tarde se torna para fugirmos da ideia de que o Mundial de 2026 terá tudo para correr mal.
É preciso ser-se muito incompetente para, com estes jogadores, não conseguir criar uma equipa que faça sentido e que ganhe. Isto tanto se aplica ao actual selecionador nacional como ao anterior. São treinadores efectivamente medíocas e talvez isso explique o facto de não treinarem clubes há muito tempo.
É por estas, e por outras, que há muitos anos que não vejo jogos da selecção nacional de Portugal. São impróprios para cardíacos... E de qualidade duvidosa, conforme é afirmado nesta crónica do Dinamarca, 1 - Portugal, 0, jogado a 20 de Março de 2025.