Um piscar de olho e um tiro no pé
Quando fala da reduzida dimensão do mercado português, Vieira pisca o olho à Liga Europeia mas também dá um tiro no pé nas políticas que têm impedido a nossa Liga de crescer.
Começa por ser bizarro que no mesmo dia em que apresenta um Relatório e Contas com mais de 40 milhões de euros de lucro, Luís Filipe Vieira tenha lamentado “a dimensão do mercado português”, encontrando nela fatores impeditivos para que o Benfica possa “desenvolver o seu modelo de negócio”. Mas Vieira tem razão: para a dimensão do nosso mercado, aquilo que os clubes portugueses têm conseguido é quase heróico. E a questão é que esta frase pode levar-nos a dois caminhos, que são opostos. Por um lado, Vieira está a piscar o olho a uma SuperLiga Europeia. Por outro está a dar um tiro no pé, porque se o mercado português não cresce mais um bocadinho é porque os grandes – com o Benfica claramente à cabeça – não deixam.
Há uma coisa que é muito verdade: não tendo Portugal um dos maiores e mais chamativos campeonatos europeus, um daqueles que é exportável para a Índia, a China e as Américas, há claramente limites para o crescimento. Somos uns dez milhões aqui, mais se calhar outros tantos na diáspora, o que por si só chega para explicar que o nosso futebol seja um mercado com limites. Como podem os maiores clubes nacionais competir com gigantes da Premier League, da Liga Espanhola ou da Série A, se esses fazem receita com direitos televisivos e com merchandising em qualquer aldeia remota do Extremo Oriente? A esta pergunta só há uma resposta correta: é partilhando o mercado com eles, que é como quem diz, jogando o mesmo campeonato do que eles e beneficiando desse mesmo nível de exposição internacional. E como ao Benfica ou ao FC Porto não é possível tomar o lugar do Brighton ou do Crystal Palace na Premier League, ou substituir o Alavés ou o Eibar na Liga espanhola, isso só será possível quando o futebol europeu assumir o paradigma continental.
Ainda assim, enquanto isso não acontece – e a ideia, desde que bem implementada, pode beneficiar o futebol nacional – há coisas a fazer. E são essas que o Benfica não faz. Basta dar uma vista de olhos à lista de transferências anuais feitas entre clubes portugueses para verificar que, excluindo os grandes, não há mercado em Portugal. E por que é que não há mercado? Porque a generalidade dos clubes não tem dinheiro, não está sequer em condições de fazer uma gestão de médio ou longo prazo dos ativos desportivos, conduzindo a uma construção de plantéis quase sempre feita ano a ano, sem qualquer ideia de continuidade. E porque é que a generalidade dos clubes não tem dinheiro? Bom, aqui já entram múltiplas razões. Uma delas é porque o gastam mal gasto – e sim, há muitos casos de má gestão. A outra, que é a que me interessa aqui, é porque o nível de receita é baixo. Entre outras razões menos impactantes, é porque Portugal continua a ser um dos poucos países na Europa do futebol de alto rendimento em que, por exemplo, os direitos televisivos da Liga não são vendidos de forma centralizada, aproveitando-se depois o bolo para promover um maior equilíbrio na distribuição da receita, o aumento da competitividade interna e externa e, adivinharam, o crescimento do mercado.
O tema, aqui, tal como na política de terra queimada que é promovida pelos clubes nos tais programas televisivos que tanta gente (consumidores, receita…) afastam do futebol, é o dilema entre a defesa do geral ou do particular. Na TV, entre acusações constantes de corrupção e de favorecimento, os comentadores engajados defendem que sempre que o rival ganha é porque andou a roubar e, com isso, ao mesmo tempo que tentam condicionar a perceção pública, alienam potenciais interessados no mercado do futebol – por que é que eu hei-de interessar-me por uma realidade em que o mérito vale zero e está sempre tudo comprado? Nas negociações de direitos televisivos, os grandes sabem que enquanto forem negociar diretamente com o operador têm a garantia de ganhar mais e de manter todos os outros devidamente amestrados, com baixas receitas e portanto sem grande possibilidade de lhes virem a roubar o trono. Mas, digo eu, também é uma evidência que enquanto não lhes permitirem crescer não vão ter em Portugal um mercado que, como agora se queixa o Benfica, lhes permita “desenvolver o seu modelo de negócio”.
De facto, deve ser complicado para o Benfica andar a abastecer-se com jogadores acima dos 20 milhões de euros e trazê-los para jogarem um futebol que internacionalmente é pouco mais do que confidencial. Como tornar o negócio viável? Ganhando competições europeias ou, falhando – como tem falhado sempre – essa hipótese, abdicando das possibilidades de vir a ganhar verdadeira dimensão internacional separando-se desde cedo das suas maiores promessas a valores igualmente elevados e nalguns casos até inflacionados com esteroides de validade duvidosa. Aquilo que o Benfica – e com ele os outros grandes em Portugal – tem de entender é que para receber vai ter de dar primeiro.