Um passo atrás, dois à frente
Os ingleses têm a Liga mais bem sucedida de todo o mundo, mas estão preocupados com o que está a acontecer abaixo, onde tudo está a secar a uma velocidade vertiginosa. E vão tomar medidas.
Foi ontem apresentado, simbolicamente em Grimsby, nas instalações de um clube da League Two, o quarto escalão, o “Livro Branco” para o futebol no Reino Unido. O documento, baseado num inquérito liderado pela deputada Tracey Crouch, com entrevistas feitas a muitos adeptos, vai aproveitar-se do sentimento geral de indignação contra a Superliga tentada pelos grandes do futebol europeu para fazer passar no Parlamento iniciativas como a criação de um regulador financeiro com meios para se impor aos interesses desses mesmos grandes, mas de Inglaterra. E, em segunda instância, para se impor até aos interesses da Premier League, que eles criaram há 30 anos para voltarem a ser internacionalmente competitivos. O futebol inglês não é só o oásis bilionário da Premier League, mas desde a criação deste campeonato, que cresceu em todo o Mundo, tornando-se um dos casos de maior sucesso da globalização que marca este século, está a seguir numa direção que arruína as bases da pirâmide. Desde o ano 2000, mais de um terço dos clubes das quatro primeiras divisões de Inglaterra tiveram administradores nomeados pelo tribunal para gerir situações de falência. O pagamento a um clube que desça da Premier League, para compensar a perda de receita – que ainda assim é avassaladora – supera os valores dados pela mesma Premier League, no seu sistema de vasos comunicantes e de alimentação da base, a todos os clubes das cinco divisões abaixo e das duas primeiras divisões de futebol feminino... somados. O Grimsby Town, que acolheu esta apresentação do documento, joga na semana que vem com o Southampton FC nos oitavos-de-final da Taça de Inglaterra e, se ganhar, receberá 250 mil libras (cerca de 280 mil euros), que equivalem a um montante entre 10 e 25 por cento do orçamento anual de um clube da sua divisão, mas ao mesmo tempo ao salário mensal de um só jogador mediano da Premier League. Há 30 anos, os grandes clubes ingleses acharam que precisavam de ganhar mais com a sua atividade e romperam com a Football League para se juntarem em torno da Premier League, criada no âmbito da Football Association. Foram bem-sucedidos. Tão bem-sucedidos que começaram a secar tudo à sua volta. Lá, como cá – ainda que aqui a propósito de coisas muito mais primitivas e já superadas em quase toda a Europa, como os direitos televisivos centralizados – haverá gente a estrebuchar, a alegar que não se pode impedir os grandes de serem ainda maiores, que a regulação é um atropelo ao mercado livre. Mas não só se pode como até o governo conservador de Rishi Sunak percebeu que se deve. E que é a única forma de se ter um desporto justo.
Um 4-0 nervoso. O Sporting ganhou com naturalidade na Dinamarca ao Midtjylland, por um 4-0 que vem reforçar a estranheza que foi o empate de Alvalade, há uma semana, contra uma equipa fraquita como é a liderada pelo espanhol Capellas. Os leões seguiram em frente e não foi por serem melhor equipa – foi por serem muito melhor equipa. Haverá, ainda assim, quem lembre que esta vitória, a consumar a primeira série de três sucessos seguidos da equipa de Rúben Amorim fora de casa esta época, foi facilitada pela expulsão ainda na primeira parte de Paulinho, lateral brasileiro da equipa dinamarquesa, e depois ainda por um terceiro tento um pouco fortuito, com desvio num defesa, e por um quarto que foi um autogolo digno dos apanhados. É tudo verdade e o próprio treinador do Sporting alertou para o facto de haver “dias em que não corre tudo bem” como aconteceu ontem. Isso, no entanto, é normal. Há dias em que se ganha com fortuna, como há dias em que se perde com azar. O preocupante no jogo do Sporting nem foi isso. Foi o início nervoso, com dificuldades para ter a bola ante um adversário que metia muita energia em cada duelo, mesmo pressionando de uma forma assaz atabalhoada. Ou a forma como, mesmo com 1-0 e a jogar contra dez, permitiu que os dinamarqueses colocassem um homem frente a Adán, em lance no qual um golo poderia acordar o extinto vulcão viking. Essa nervoseira não tem que ver com qualidade, atitude ou competitividade. Tem que ver com a dúvida que a equipa deixou que se instalasse acerca de si mesma e do seu futebol. E só se combate de uma forma: com vitórias.
Os papões da Liga Europa. O Sporting vai saber hoje quem lhe tocará nos oitavos-de-final da Liga Europa e respirará de alívio por não poderem calhar-lhe para já alguns dos papões que também não são cabeças-de-série, como o Manchester United, a Juventus e, de certa forma, até a AS Roma, o Sevilha FC ou os alemães do Union Berlim e do Leverkusen. Ainda sobram, no lado oposto do sorteio, tubarões como o Arsenal e peixes bem graúdos como o Betis ou a Real Sociedad, a provar que esta Liga Europa está com um nível que desaconselha sonhos de grandeza por parte de equipas portuguesas. Quem viu ontem o intenso Manchester United-FC Barcelona já o percebeu na forma como a equipa inglesa engoliu o líder da Liga Espanhola, dando a volta ao jogo e à eliminatória através das finalizações de Fred e Antony, mas também do salvamento de Varane mesmo em cima do apito final. Quem viu só os resumos e recordou que a Juventus tem nesta prova a melhor chance de ganhar uma posição na próxima Liga dos Campeões, entende que há uma Velha Senhora sem e outra com Di Maria, ontem autor de um raro hat-trick. O discurso do miserabilismo não é para aqui chamado, porque tal como na Liga dos Campeões um bom sorteio pode fazer milagres, mas não está fácil para as equipas portuguesas imporem a sua lei na Europa. Talvez nos faça falta o nosso próprio Livro Branco.