Um jogo que faz sentido no São João
As autarquias chegaram a falar em adiamento, mas jogar o FC Porto-Boavista na noite de São João foi das poucas coisas boas no calendário de retoma da Liga. E explico porquê.
Estou convencido de que as propostas de adiamento do FC Porto-Boavista não passaram de uma prova de vida desnecessária por parte dos autarcas e que nada tiveram a ver com aquilo a que Sérgio Conceição identificou no Norte como sendo o “comportamento social de grande respeito pelas normas de segurança que o Governo propõe”. O adiamento era um problema para toda a gente, desde os clubes à Liga, e neste contexto de jogos à porta fechada nem sequer fazia grande sentido do ponto de vista preventivo, mas não deixa de ser curioso que o calendário definido para a conclusão da Liga tenha colocado um FC Porto-Boavista na noite de São João. Foi das poucas coisas bem feitas numa calendarização que é um gigantesco tiro no pé para toda a gente – operadoras incluídas.
Tendo em conta que se trata de dois clubes com fortíssima implantação na cidade do Porto, até foi bem pensado que o jogo se faça numa noite que é véspera de feriado municipal. E porquê? Porque se faz coincidir no tempo o produto com a apetência do consumidor por ele. O que é extraordinário é que que quem fez a calendarização da Liga tenha seguido princípios totalmente opostos na generalidade das jornadas e concordado com algo que faz pouco ou nenhum sentido: que se jogue menos precisamente quando os potenciais clientes têm mais tempo, que é ao fim-de-semana. O último fim-de-semana foi disso exemplo: zero jogos no sábado e apenas um no domingo, o Gil Vicente-CD Aves, marcado para as 21h. Mas tinha sucedido o mesmo no fim-de-semana anterior, que registara zero jogos no domingo e só um no sábado, o SC Braga-Boavista. E o que aí vem não muda. No próximo sábado volta a não haver futebol, ficando o fim-de-semana reduzido ao Boavista-Santa Clara de domingo às 21h, quando a malta já está a preparar a pasta para levar para o trabalho na manhã seguinte e sem grande paciência para futebóis.
Eu já o tinha denunciado e repito a denúncia: nas nove jornadas desta conclusão da Liga pós-Covid, os dois candidatos ao título fazem apenas um jogo num fim-de-semana. E o Sporting, por exemplo, não faz nenhum. Se aplicar vistas curtas a quem teve o poder de decidir, ainda sou capaz de entender. Tenha sido a NOS, a Altice ou a Sport TV, que é o canal que tem os direitos de transmissão da esmagadora maioria dos jogos da Liga, alguém pensou que ao fim-de-semana iríamos ter muito futebol estrangeiro para exibir e que o importante para justificar que os clientes continuassem a pagar as mensalidades era dar-lhe serões de futebol atrás de serões de futebol. Nunca me pareceu boa ideia e até cheguei a defender um simulacro de tarde desportiva com a generalidade dos jogos em canal aberto, num simultâneo que pudesse picar aqui e ali e, com uma participação mais arrojada dos protagonistas, se convertesse num show diferente daquilo que se é a “Chapa 5” do futebol nacional e num lançamento para os jogos dos grandes, esses sim em canal fechado, a realizar horas depois. Mas, lá está: se lhe aplicarmos vistas curtas e preguiça mental, a solução implementada até pode ser julgada como interessante para os operadores, que até podem ter sido iludidos com a quimera de poderem vir a vender mais direitos para o resto do Mundo, levando o futebol português a ocupar um nicho internacional – o dos jogos a acabar à meia-noite (no fuso horário da Europa) em véspera de dia de trabalho.
Mas, por muito que faça ensaios sobre o desespero e o que é andar com as calças na mão e a depender do dinheiro da TV, o que não entendo é como os clubes concordaram com esta aberração. Ao permitirem que lhes afastem os jogos dos dias em que os potenciais clientes têm mais tempo e disponibilidade para os ver, os clubes estão a colaborar com um desastre de relações públicas que, a médio e longo prazo, vai torná-los cada vez mais secundários em relação aos grandes emblemas da Europa do futebol, aqueles que jogam ao sábado e ao domingo e que os miúdos não só veem como depois escolhem para jogar nos simuladores de computador e transformam nos seus destinos de sonho.
Nenhum negócio sobrevive se o afastarmos dos potenciais consumidores. Experimentem abrir uma loja de roupa apenas durante a madrugada. Uma discoteca só antes de almoço. Ou um restaurante de praia apenas no Inverno. Não tarda terão de fechar portas. É por isso que o FC Porto-Boavista faz todo o sentido hoje. Mais a mais não podendo andar pela rua a dar marteladas uns nos outros e celebrar a noite mais longa do ano, os portuenses terão ainda mais disponibilidade para ver o jogo e eventualmente acentuar a paixão por uma das duas maiores equipas da cidade. Aproveitem.