Um futuro para os miúdos
A Liga portuguesa é 59ª na tabela que define que campeonatos dão mais utilização aos miúdos. Devíamos estar acima? É irrelevante. O problema está na incoerência da estratégia e da política desportiva.
A Liga portuguesa aparece num absolutamente banal 59º lugar entre as que mais fazem aproveitamento de jovens sub21. A conclusão é de um estudo do Observatório do Futebol do CEIS, que se alargou a 80 campeonatos nacionais e que consagrou a Estónia como o país que mais jogo dá aos jovens e a China como aquele que menos os coloca em campo. A diferença entre os 3,9 por cento de minutos dados a jogadores sub21 nos últimos cinco anos da Liga chinesa e os 31,1% conferidos aos mesmos jovens na Estónia é significativa, mas por muito que isto venha servir aos profetas da desgraça para reclamar mais apostas na formação, aquilo que me parece é que os nossos 9,6% são perfeitamente normais, porque casam na perfeição uma visão de futuro com a necessidade de se ser competitivo. A qualidade não se impõe por decreto nem através de quotas e a proteção excessiva acaba por gerar facilitismo e por ser inimiga do crescimento.
É curioso verificar que o fundo desta tabela é ocupado por campeonatos muito na berra em termos de escoamento de excedentários por estes dias. Estão lá a China, para onde o FC Porto se prepara para enviar Soares, mas também a Turquia (79º, com 4,1%), para onde deverão seguir Aboubakar e Zé Luís. Dos campeonatos de topo, a Inglaterra surge em 74º lugar, com 7,1% de minutos dados a sub21, a Espanha em 64º, com 9,0%, a Itália em 61º, com 9,3%, a Alemanha em 45º, com 13,1%, sendo a França a que mais aproveita jovens, no 30º lugar, com 15,4%. É verdade que a Espanha foi quatro vezes finalista nos dez Europeus de sub21 que se jogaram neste século (ganhando três) e que esteve em oito finais (ganhando sete) dos 19 Europeus de sub19 que se realizaram no mesmo período. A Inglaterra jogou três finais dos sub19 (ganhou uma) e uma dos sub21 (que perdeu), aparecendo até a um nível inferior ao de Portugal, que também jogou uma final de sub21 (perdida, em 2015, com sete homens que já são internacionais A no onze), mas em contrapartida esteve em cinco finais de sub19 (das quais ganhou uma, em 2018.
A França, que é quem mais minutos dá aos jovens neste nicho dos Big Five, esteve em quatro finais de sub19 (e ganhou três) e em apenas uma de sub21 (que perdeu). Portanto, o que está aqui em causa nem é a qualidade dos miúdos – ainda que não deva desprezar-se o facto de os centros de formação do futebol francês acolherem muitos jovens detetados precocemente na África francófona, que depois acabam por jogar pelas seleções dos seus países de origem. O que está aqui em causa é o facto de a formação não ser um fim – pelo contrário, é apenas o início. Aquilo que os clubes querem é ser competitivos. E nestes cinco anos tivemos quatro presenças de clubes espanhóis na final da Champions League, três presenças inglesas, uma alemã, uma italiana e uma francesa. No mesmo período tivemos três presenças espanholas em finais da Liga Europa, quatro inglesas, uma italiana, uma francesa e uma holandesa, o Ajax de 2017, que depois tão bem se portou na Champions de 2019. Ao todo, são sete finais para Espanha e outras sete para Inglaterra, precisamente os dois campeonatos que menos espaço dão aos jovens, mas que garantem 70 por cento das finais. Há depois duas italianas, duas francesas, uma alemã e uma holandesa, sendo que a Holanda é o único país minimamente competitivo a marcar presença no Top10 dos campeonatos que mais minutos dão aos jovens: é oitava, com 23,8%. Mas atenção, que a utilização de jovens no campeonato holandês não é feita por decreto: é cultural.
Há, portanto, caminho para o aproveitamento dos jovens. Não é mais fácil ganhar com eles – aliás, o que os números provam é exatamente o contrário – mas acaba por ser possível. Para a história do futebol ficou uma frase famosa de Alan Hansen, ex-capitão do Liverpool FC, que em 1995, na qualidade de comentador do Match of the Day da BBC disparou na direção de Alex Ferguson: “Não consegues ganhar nada com miúdos!” E, de facto, o United perdeu esse campeonato, mas acabaria por ganhar o de 1996, com os irmãos Neville, Giggs, Scholes, Butt e Beckham, todos sub21, entre os jogadores mais utilizados. Em Portugal, a referência deste pensamento de Hansen parece ser Jorge Jesus, que o Benfica fez regressar de forma a voltar a capitalizar a equipa de futebol e a deixar menos dependente do talento que possa ou não sair do Seixal – e os encarnados estiveram em duas finais da Youth League da UEFA nos últimos cinco anos. Mas a questão também pode colocar-se a propósito da política desportiva do FC Porto, campeão europeu de sub19 em 2019 e aparentemente disposto a deixar sair boa parte desses miúdos no mercado, ou do Sporting, que anuncia o regresso à formação numa altura em que a qualidade não tem brotado assim tanto em Alcochete.
Sim, é possível ganhar com miúdos (ainda que seja bem mais fácil ganhar com jogadores experientes, pela simples razão de que eles são geralmente melhores). Porque o fator mais importante na diferença entre sucesso e insucesso não é a idade dos jogadores: é a qualidade no momento presente. Da mesma forma que não acredito em protecionismo (como na vida, os miúdos só crescem se tiverem de enfrentar a dureza da concorrência), também acho que a gestão desportiva deve ser feita com os olhos no futuro. E que, a ser feita (por exemplo por razões da economia do futebol), a aposta nos miúdos deve olhar para hoje mas também para um amanhã que só chegará se depois houver a coerência de os manter, de os segurar face às primeiras ofertas de mercado e de não ceder à tentação de promover a nova promessa para vender antes de ela estar pronta para ganhar. Esse, sim, tem sido o maior problema do futebol português quando se junta formação e competição na mesma frase. Porque o resto (quadro competitivo, qualidade dos jogadores e dos formadores) está lá.