Um dez contra os "Armandinhos"
Há dois jogadores no Benfica capazes de jogar como 10: Waldschmidt e Ramos. Com boa vontade, talvez Rafa. A referência já não é Rui Costa, que até acabou à esquerda. A referência é Jonas.
Luka Waldschmidt diz que ficou maravilhado quando soube que ia poder vestir a camisola 10 que foi de Rui Costa e a frase nem deve ter sido fruto de qualquer vontade de bajular, que o “maestro”, no seu tempo, foi mesmo grande. Mas o alemão sabe bem que o que precisa de fazer é bem diferente daquilo que, nessa altura, fazia Rui Costa: a um 10, hoje, não se pede que conduza a equipa desde trás, mas sim que encontre espaço em coordenação com o 9 e que tenha presença na área, depois refletida em golos. Ora o plantel do Benfica tem dois – com boa vontade talvez três… – jogadores capazes de cumprir essa posição. São eles o próprio Waldschmidt e Gonçalo Ramos – eventualmente Rafa. E basta olhar para o passado recente para o perceber.
Quais são os jogadores de referência para a posição na última década de Benfica? Saviola, em primeiro lugar. Jonas, depois. E por fim João Félix. Aimar tinha o dez, mas raramente ocupava a posição: com exceção dos jogos muito complicados, jogava mais atrás, com dois avançados à frente. A grande diferença entre o Benfica de Quique Flores e o primeiro de Jesus, aliás, era o número de referências frontais para Aimar, mas admito que o futebol, hoje, esteja mais complicado, e que dificilmente se possa jogar com um oito de tanta inspiração atacante e tão pouco empenho defensivo como era o argentino. De Tomás, por exemplo, pareceu sempre pouco à vontade: toda a vida tinha sido o nove de equipa arrumada em 4x3x3 (ou em 4x2x3x1) e, por mais que Bruno Lage insistisse que ele e Seferovic jogavam a par (o que era verdade), e que essa questão de primeiro ou segundo avançado só vivia na cabeça de quem pensava à moda antiga (e também não era mentira), os dois deviam procurar movimentos contrários. E os preferidos do espanhol eram mais aqueles que o técnico pedia ao suíço – que por sua vez revelaria todas as suas limitações técnicas se de repente se metesse a fazer os que eram pedidos ao espanhol.
A corda acabou por quebrar do lado mais forte, que a revenda rápida ainda permitiu reaver o investimento feito em De Tomás, mas desde então o Benfica tem insistido em soluções que não encarnam aquilo de que a posição necessita. A Taarabt, Pizzi, Pedrinho ou até Everton faltam a necessária presença na área: todos eles veem o jogo mais como centrocampistas. É como médios que se movem em campo, retirando ao adversário a dúvida acerca de que tipo de desmarcação vão procurar e tornando-lhe sempre mais fácil a tarefa de os defender. Ora a dúvida também desaparece se Jesus optar por acumular noves puros, por mais diferentes que sejam as suas formas de ver a função, como Vinicius, Seferovic, Darwin ou até Dyego Souza, caso o brasileiro acabe por regressar às opções. O 10, hoje, é mais jogador de área – ou pelo menos de cabeça-de-área – do que centrocampista e isso ganha ainda mais pungência em equipas arrumadas em 4x4x2, como é o caso do Benfica. O 4x3x3 permite-lhe sair mais de trás, mas ao mesmo tempo desaproveita um jogador – o oito – e exige muito mais a outro – o nove, que passa a vida muito sozinho.
Ora, tal como me cansei de dizer em edições recentes do Futebol de Verdade, o jogador do plantel do Benfica que melhor faz isso é Waldschmidt – e ele respondeu agora com um bis frente ao FC Famalicão, na estreia. Tal como tenho também vindo a dizer, o outro capaz de o fazer é Gonçalo Ramos – e, com cinco golos nas primeiras duas jornadas da II Liga, pela equipa B, o miúdo está mesmo a dizer a toda a gente que precisa que lhe subam o nível de exigência. Aliás, a esse respeito, também convém avisar Waldschmidt que não vai encontrar sempre adversários tão compreensivos como foi o frágil FC Famalicão… A Rafa, que durante a época passada cheguei a pensar que era a melhor solução do plantel para a vaga deixada por Jonas, faltará a capacidade de baixar o ritmo – porque às vezes o jogo pede isso. Tem golo, mas a sensação que deixa é a de que faz tudo demasiado depressa – e ainda que eu defenda que o futebol é para se jogar rápido, esse excesso de vertigem também contribui para baixar o grau de dúvida que os defensores enfrentam sempre que o têm pela frente. Um dez tem de saber ser vertiginoso, mas quando é caso disso também precisa de parar deixar o resto do mundo acelerar à sua volta. Como Jonas.
Sei que Jesus desconfia dos miúdos. Essa desconfiança, associada ao facto de Waldschmidt ter estado “duas semanas de férias” na seleção e à necessidade de encontrar um lugar para Pizzi ao nível da influência que ele tem no grupo e dos belos números que ele apresentou na época passada, é a única razão para explicar as ausências do alemão e de Gonçalo Ramos na equipa de Salónica. Se o jogo com o PAOK não fosse tão importante em termos estratégicos para o futuro da época até me passaria pela cabeça que o treinador quisesse sobretudo mostrar as diferenças que há entre uma equipa com um 10 moderno e uma equipa de “armandinhos”, aqueles jogadores mais técnicos mas menos verticais. A partir de agora, no entanto, parece-me que há poucas hipóteses de recuo. Porque se o nove ainda não convenceu, o dez está lá para durar.