Um contra três
A primeira meia-final do Mundial vai hoje opor o super meio-campo da Croácia ao super jogador que é Messi. Está toda a gente a fazer a mesma pergunta: o que vale mais na pesagem global dos argumentos?
Ninguém que tenha assistido com atenção a este Mundial pode ter passado ao lado do que tem feito Messi, na última oportunidade de igualar Maradona, que um dia se sagrou campeão à frente da Argentina. Mas também ninguém pode ignorar a influência de Modric, Brozovic e Kovacic, os três médios altamente complementares que a Croácia tem usado para pautar e controlar os seus jogos. O Argentina-Croácia de hoje, primeira meia-final do Mundial, será em grande parte esta luta de um contra três. Ou, melhor dito, da influência de um contra a influência de três.
Mais abaixo, nas habituais sugestões de leitura, fica um link para uma análise tática feita por Liam Twomey no The Athletic ao meio-campo da Croácia, que também foi alvo de um artigo de quase duas páginas no L’Équipe, assinado por Anthony Clément, no qual o autor classifica Modric como “o mágico”, Brozovic como “o metrónomo” e Kovacic como o “’tacleur’ [palavra sem melhor tradução em português além do ‘autor de carrinhos’] ofensivo”. Rory Smith, no The New York Times, apresenta a Croacia como “a equipa que se recusa a perder”, aludindo ao facto de os jogos dos croatas acabarem geralmente empatados e serem decididos após prolongamento ou no recurso aos penaltis. Se lá chegarmos, o foco voltará a estar no guarda-redes Livakovic, apresentado em perfil no El País de hoje por David Álvarez como “o iluminado que não defendia penaltis”. O artigo conta um extraordinário diálogo entre o guarda-redes do Dínamo Zagreb e Modric, há um ano, no qual o capitão da seleção terá dito a Livakovic que este não estava a progredir e que não dava confiança à equipa. “Tens medo de cometer erros?”, perguntou Modric. “Não cheguei onde cheguei a ter medo”, respondeu o guardião que foi o herói dos desempates neste Mundial.
Livakovic é também foco de atenção no The Guardian, onde Ed Aarons menciona também o tal diálogo com Modric e assinala que o atual dono da baliza croata igualou contra o Japão, com três penaltis defendidos, o recorde do português Ricardo e do seu conterrâneo Subasic, também natural de Zadar. Portanto, se a Croácia não é só Modric e os seus escudeiros de meio-campo, a Argentina também não é só Messi. No L’Équipe, José Barroso destaca também o guarda-redes, Emiliano ‘Dibu’ Martínez, que chegou ao Arsenal aos 17 anos mas só joga, e com brilho, o seu primeiro Mundial aos 30. A Argentina é, aliás, vista como um grupo muito forte, ainda que reunido em torno da sua maior vedeta. No The Athletic, Sam Lee andou por todo o país em busca de sinais de “amor” a Messi – e o resultado foi uma reportagem quase devocional, que arranca com Fernanda, moradora do bairro de Rosario onde a “Pulga” cresceu.
E não deixa de ser curioso que numa altura em que a imprensa internacional em geral começa a duvidar do caráter benévolo de Messi, isso suceda muito em função do comportamento de todo o grupo, nomeadamente dos festejos feitos na cara dos derrotados holandeses após os penaltis dos quartos-de-final. Oliver Brown, no Telegraph inglês, brinda-nos com um artigo de página inteira no qual coloca a questão “Caiu a máscara mágica a Messi?” e responde que o 10 argentino teve de se “reinventar como fornecedor de artes obscuras”, mas o que sucede é que o grupo pedia isso ao seu capitão e referência. E Lorenzo Calonge, no El País espanhol, não hesita em falar no “espírito do churrasco [‘asado’ no original]” como fórmula secreta de união entre todo o grupo de Scaloni. Ora se nada disso resultar, o melhor mesmo é que os argentinos se centrem nos argumentos vistos em campo e, para isso, convém entenderem como contrariar o adversário. Como sempre em dia de jogo, o Clarín traz a pizarra de Falcioni, hoje particularmente atenta às movimentações de Modric e à forma como o meio-campo alvi-celeste pode travá-las.
A Ler:
Croatia, the team with the most talented midfield in international football, por Liam Twomey, no The Athletic, explica com inúmeras imagens de jogos anteriores o impacto que o meio-campo croata pode ter num jogo.
Messi 2022, Maradona 1990, por Santiago Segurola, no El País, faz uma interessante comparação entre o percurso de Diego Maradona no Mundial de 1990 e o de Leo Messi na edição atual, recorrendo até ao desgaste emocional das duas seleções argentinas.
Avec ses meilleurs vieux, por Vincent Duluc, no L’Équipe, mostra como a equipa de França se baseia ainda na espinha dorsal que jogou o Mundial de 2014 e que é no recurso aos “velhos” que Deschamps baseia o sucesso.
Deux nations, um seul horizon, por Mathieu Gregoire, no L’Équipe, é mais uma descrição da estratégia de deteção de talentos com raízes marroquinas feita pela federação de Marrocos por toda a Europa desde 2014.
Welcome to FIFA’s media briefing. Nothing is bad, everything is good, por Barney Ronay, faz uma resenha opinativa da conferência de imprensa do Grupo de Estudos Técnicos da FIFA e compara Arsène Wenger a Gandalf, uma espécie de feiticeiro legitimador.
From the claws of defeat: league of psychic animals, por Hannah Jane Parkinson, no The Guardian, faz uma divertida viagem pelos animais que preveem resultados e que se tornaram uma tradição dos Mundiais desde o Polvo Paul.
Brasil precisa formar seu próprio Guardiola, por Paulo Vinicius Coelho, na Folha de São Paulo, aponta à sucessão de Tite, menciona Jesus como solução “mais populista do que popular”, refere “dificuldades de relacionamento com Abel Ferreira” e defende que os brasileiros formem o seu próprio Guardiola. “Como um dia formamos Zagallo e Telê”.
FA open to foreign manager, por Matt Law, Sam Wallace e Tom Morgan, no Daily Telegraph, dá o pontapé de saída para a sucessão da Gareth Southgate, revelando que a Federação Inglesa está “aberta” a nomes como Thomas Tuchel ou Maurício Pochettino. A leitura deve ser complementada com vários outros artigos acerca da mesma temática no suplemento desportivo de hoje.
‘I was thinking: what’s the point?’, por Stuart James, no The Athletic, analisa o que passou pela cabeça dos cerca de 150 jogadores que estiveram no Mundial mas não chegaram a jogar um minute.
Are Qatar’s World Cup stadiums the future of sports in a warming world?, por John Branch, no The New York Times, explica o trabalho do engenheiro mecânico que engendrou o sistema de ar condicionado nos estádios deste Mundial.
The World Cup is ending, but the migrant labour economy grinds on, por Nicole Salazar, Pramod Acharya e Sarah Kerr, no The New York Times, procura responder à questão: o que vai ser dos migrantes no Qatar depois do Mundial?
A ver:
Argentina-Croácia, 19h, RTP1 e Sport TV1