Tudo à espera do mercado
A pandemia veio restringir os movimentos dos grandes gastadores do mercado internacional, o que pode deixar os clubes portugueses em sarilhos.
O campeonato está prestes a começar em Portugal, os lugares nas principais competições europeias estão para ser definidos em breve, com as pré-eliminatórias, e o mercado parece que ainda não abriu. Ao contrário do que é habitual por esta altura, os clubes portugueses ainda não foram capazes de realizar as mais-valias necessárias à sua gestão corrente e de colocar algumas das suas vedetas nas maiores Ligas do continente. O que, das duas uma. Ou os deixará em posição complicada se tiverem de olhar para o rigor orçamental ou os deixará em posição complicada se acabarem por vender em saldo, porque à certeza de que terão de vender soma-se uma outra, a de que o mercado se estenderá muito para lá do início das competições e de que quem tiver mais euros é que fará os melhores ajustes nesse período final.
Uma coisa é certa: este ano, o mercado está lento. É consequência da pandemia, que já há um ano tinha dado uma machadada gigante nas transferências. Sem receitas de bilheteira, sem dinheiro vindo do merchandising em dias de jogo, com os bolos das televisões também ameaçados, os grandes clubes começam a pensar duas vezes antes de abrirem as carteiras para seduzir craques promissores. Sobram aqueles cujos bolsos não têm fundo, os tais clubes-estado que tantas vezes são vilipendiados por estarem a inflacionar o mundo do futebol até proporções onde só eles podem chegar, mas até esses têm primado pela carestia. Até ao dia de hoje, realizaram-se doze transferências por pelo menos 25 milhões de euros no futebol Mundial. No ano passado, a nona transferência do Verão, a saída de Diogo Jota do Wolves para o Liverpool FC, ficou-se pelos 44,7 milhões. Já havia pandemia, mas ainda ninguém lhe tinha adivinhado a extensão. Há dois anos, o nono jogador mais caro do mercado de verão foi pago a 62,7 milhões de euros. Há três anos ficara pelos 42 milhões.
Podem argumentar que o mercado ainda está longe de fechar – e é verdade. Mas não é usual as grandes operações ficarem para o fim. Deixemos de lado o Verão passado, porque por esta altura do ano ainda se jogava a ponta final da época de 2019/20, atrasada pela interrupção pandémica. Em 2019/20, a 12ª transferência mais cara registada até ao final de Julho tinha sido a passagem de Haller do Eintracht Frankfurt para o West Ham por 50 milhões de euros. 50 milhões! Um valor superado apenas três vezes no atual defeso: pela contratação de White ao Brighton pelo Arsenal, pela passagem de Hakimi do Inter pelo Paris Saint-Germain e por Sancho, que custou 85 milhões ao Manchester United, vindo do Borussia Dortmund. Em 2018/19, a 12ª transferência mais cara realizada até ao fim de Julho tinha sido a passagem de Malcom do Girondins Bordéus para o FC Barcelona, por 41 milhões. Este ano é o deserto. Nas dez transferências mais caras do atual mercado foram movimentados 448 milhões de euros. Mais uma vez deixando de parte o Verão passado, cujo calendário foi sabotado pela Covid19, as dez transferências mais caras verificadas até final de Julho de 2019 tinham movimentado 854 milhões de euros. E em 2018, até final de Julho, as dez maiores transferências tinham levado 730 milhões de euros a mudar de mãos. Foi sempre quase o dobro. Parece evidente que há restrição.
O aspeto que mais preocupará os nossos clubes, no entanto, é o circuito feito por todo esse dinheiro. Este ano, dos 448 milhões de euros movimentados nas dez maiores transferências, só 60 milhões seguiram o rumo de clubes não pertencentes às Big Five, as cinco Ligas mais poderosas da Europa: 30 milhões do Leicester City para o RB Salzburgo por Daka, outro tanto do Borussia Dortmund para o PSV Eindhoven por Mallen. Nada para Portugal… Por cá, a única venda significativa foi a de Pedrinho, que o Benfica despachou para o Spartak por 18 milhões de euros, assim corrigindo o tiro falhado um ano antes, sem ganhos, já que os 18 milhões também tinham sido o que os encarnados se haviam comprometido a pagar ao Corinthians. Até final de Julho de 2019, só contando as dez maiores transferências, as Big Five já tinham enviado 298 milhões de euros para os mercados periféricos, com destaque para a venda de João Félix do Benfica ao Atlético Madrid. No ano passado, ainda que com a tal correção provocada pelo calendário alterado, o Benfica acabou por capitalizar 68 milhões de euros com Rúben Dias (Manchester City), o FC Porto obteve 40 milhões por Fábio Silva (Wolverhampton WFC), o SC Braga recebeu 31 milhões por Trincão (FC Barcelona) e o Sporting foi buscar 20 milhões por Wendel (Zenit). Até ver, estão todos em lista de espera. À espera que os grandes gastadores do mercado se decidam – se é que vão decidir-se. E isso, já se viu, é duplamente preocupante. É preocupante porque o dinheiro pode não chegar e é preocupante porque pode chegar fora de horas, já sem tempo para que se façam as necessárias correções.