Três formas de ver a realidade
Os presidentes dos grandes falaram ontem em público, deixando transparecer três formas diferentes de ver e influenciar a realidade. São traços de personalidade, mas também reflexo dos clubes.
Ontem, Frederico Varandas, Jorge Nuno Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira falaram em público. Não é uma coisa assim tão habitual, ter os três presidentes dos maiores clubes nacionais nas notícias em simultâneo, ainda por cima com declarações, mas a realidade é que além desse facto raro nenhum dos três surpreendeu. Varandas continuou a justificar-se a uma oposição que ainda dele duvida, Vieira a dizer que não tem nada que se justificar a rigorosamente ninguém, que ele é que sabe, e Pinto da Costa a atacar elementos exteriores, no caso a DGS e o governo. Os três foram iguais ao que deles conhecemos há anos, mas já me parece um passo muito mais comprido do que a perna encontrar nestas formas de ser e de estar seja a identidade dos clubes que lideram ou a receita para fazer a diferença entre ganhar e perder. Até porque já todos passaram pelos dois lados da realidade.
O presidente do Sporting teve o discurso mais estruturado, não tivesse ele sido proferido no aniversário do clube e por isso amplamente preparado – isto por oposição a uma declaração política já tornada corriqueira de Pinto da Costa ou às palavras de circunstância de Vieira, ditas depois de ter sido apanhado de surpresa a sair de um restaurante. Varandas falou de peito cheio, porque ganhou não só no futebol mas também no futsal, no basquetebol e no hóquei em patins, mas não falou como falariam Vieira ou Pinto da Costa nas ocasiões em que estiveram na mesma circunstância. “Vencemos pela competência, pelo rigor e pela aposta na formação. Baixámos orçamentos mas ganhámos futuro”, disse. Varandas preferiu sublinhar a competência de quem ganhou com pouco e fê-lo como resposta aos que passaram estes três anos a criticá-lo por não ser capaz de dar muito. O alvo das suas declarações não eram os rivais – como foram, por exemplo, de forma até inusitada, na receção na Câmara Municipal de Lisboa – mas sim os que continuam a repetir que ele está ali a mais e que tudo o que se tem ganho é ainda fruto da injeção de ambição de executivos anteriores. E enquanto não se libertar disso não conseguirá seguir em frente para mais conquistas.
Quando estiveram nas mesmas circunstâncias, Vieira já se deixou levar pela euforia e falou em ondas imparáveis e prometeu largos períodos de hegemonia que ninguém iria conseguir contrariar, enquanto que Pinto da Costa aproveitou para retirar dividendos políticos, próprios de quem é sempre muito mais do que presidente de um clube, tornando-se, à vez, porta-voz de uma região ou da revolta face aos poderes instituídos. É mais forte do que ele e tem sido visível na notável série de programas que o Porto Canal tem emitido a propósito da quarta década de presidência do homem a quem chamaram o “Papa” do futebol português e que nos tem permitido recordar todos os combates políticos em que se envolveu. Ontem, após uma reunião com uma comitiva da CDU, a propósito das próximas autárquicas, Pinto da Costa visou o Governo, a DGS, Ferro Rodrigues, a FPF e a Liga. Sem oposição interna, o presidente portista não tem de justificar vitórias ou derrotas e pode programar as suas intervenções para disparar noutras direções. Chamou, à vez, “ridícula”, “lamentável” e “absurda” à coordenação de esforços entre Governo e DGS a propósito da gestão da pandemia no desporto, criticou a falta de apoios aos clubes e ainda atingiu a Liga, a FPF e o secretário de Estado do desporto por estarem preocupados com a centralização dos direitos televisivos do campeonato, quando há problemas “terríveis”. A ideia que fica é a de que esta é uma liderança que precisa dos problemas, que se alimenta deles, porque o sucesso por si só não lhe chega para crescer mais.
Concorde-se ou não com a tese, goste-se ou não da forma como ela é explanada, há ali uma ligação entre pensamento estratégico e as declarações que não esteve à vista na intervenção de Vieira. É verdade que, ao contrário dos rivais, o presidente do Benfica não teve ocasião para preparar a intervenção – foi apanhado de surpresa a sair de um almoço com José António dos Santos, o famoso “Rei dos Frangos”, que além de seu amigo de longa data é o maior acionista individual da SAD encarnada. Seria um almoço não noticiável, não estivessem as relações entre os dois debaixo do escrutínio público, devido às suspeitas levantadas por uma OPA mal explicada que o clube lançou na sequência de uma série de avales do empresário a negócios das empresas de Vieira. Ao contrário de Varandas e Pinto da Costa, Vieira não sabia que ia falar, mas isso não devia desobrigá-lo de ter sempre preparadas meia-dúzia de ideias que vão além daquilo que foi capaz de debitar ontem. O “não se preocupem com o futuro do Benfica”, que deixou escapar em direção aos jornalistas, que o confrontaram com a sugestão de redução de custos admitida pelo CEO Domingos Soares de Oliveira, na véspera, se a equipa voltar a falhar a presença na Liga dos Campeões, vem pelo menos em linha com declarações mais preparadas, proferidas em ocasiões anteriores.
Na última vez que foi campeão no futebol, Vieira também optou por planar acima da realidade terrena em que estão os competidores, visando, isso sim, o sucesso internacional e dando como garantida a hegemonia interna. “Estão criadas as bases para darmos um novo salto qualitativo e ganharmos outra ambição em termos europeus”, disse o presidente em 2019, na comemoração do 37º título. Ali haverá também pensamento estratégico: o de que deixando transparecer uma imagem de grandeza se vai influenciar essa grandeza e contribuir para o avolumar da tal onda benfiquista por via do otimismo. Mas, desde aí, em dois anos, o Benfica só ganhou uma Supertaça, ficando uma vez na fase de grupos da Champions e na outra nem sequer lá chegando. E é altura de Vieira perceber que não são os jornalistas que estão preocupados.