Todos a pensar no mesmo
Jorge Jesus e Rúben Amorim encararam o derby de sábado com a mesma coisa na ideia: a época de 2021/22 e as batalhas a travar para a ganhar. Num caso a da legitimidade, no outro a da profundidade.
O derby da Luz foi espetacular, teve sete golos, mas apesar de tudo no final mostrou-nos dois treinadores muito mais concentrados na próxima época no que naquilo que tinham acabado de ver. Do lado do Benfica, que impôs a primeira derrota na Liga ao já celebrado campeão nacional, Jorge Jesus continuou a travar a que é, para ele, a batalha primordial deste final de época: a da credibilidade, de forma a melhorar as hipóteses de tentar compensar em 2021/22 uma temporada que, suceda o que suceder até final desta, será sempre vista como um fracasso. Já da parte do Sporting, que apesar de ter saído derrotado do jogo ainda reagiu bem quando Rúben Amorim chamou ao relvado o meio-campo titular, a guerra a travar é outra: é a de dar profundidade de um plantel jovem, que a partir de Agosto terá de responder de outra forma a múltiplos desafios.
Antes de o FC Porto vencer em Vila do Conde e, dessa forma, assegurar a segunda posição no campeonato e a qualificação direta para a Liga dos Campeões, as opções de Rúben Amorim ainda motivaram alguma indignação, porque ao abdicar de Palhinha e João Mário, quando já não tinha Feddal e Porro, o treinador do Sporting estaria a inclinar a luta que restava para um dos lados – tese à qual o facto de o Benfica ter chegado com facilidade a 3-0 perante os leões dava alguma consistência. Na cabeça do treinador leonino, no entanto, estaria tudo menos a luta pelo segundo lugar. No que ele estava a pensar era – tal como depois explicou no final – na necessidade de fazer crescer rapidamente os seus jovens médios, Bragança e Matheus Nunes, para por um lado já poderem entrar na nova época com um jogo de alto nível nas memórias e por outro ele próprio perceber até que ponto poderia contar com esta dupla em caso de necessidade.
No fundo, não se perdeu tudo. O Sporting perdeu o jogo, os sonhos de invencibilidade e o ambicionado recorde de pontos na Liga – já só pode chegar a 85, menos três que o primeiro Benfica de Rui Vitória e o primeiro FC Porto de Sérgio Conceição e até menos um do que o primeiro Sporting de Jorge Jesus, que nem foi campeão. A resposta à pergunta de Amorim foi negativa, porque durante 45 minutos o meio-campo leonino não conseguiu travar o Benfica. Mas Bragança e Matheus Nunes acumularam experiência: se aprenderem com os erros, têm ali alguns nos quais refletir. E o treinador, que até já tinha experimentado todas as outras duplas, ficou a saber, por exemplo, que Bragança até pode ser um 6, mas só contra equipas que não queiram atacar assim tanto – não em jogos contra iguais, portanto – ou num modelo como o da seleção de sub21, que guarda a bola para ela e por isso mesmo não enfrenta tanta exigência defensiva.
Da mesma forma, Rúben Amorim ficou a saber (e terá mostrado a quem vai decidir o próximo mercado) que na sua equipa é mais fácil substituir João Mário – Bragança e Matheus Nunes já o fizeram sem problemas… – do que Palhinha. Ou que, sobretudo, se tiver de abdicar de Palhinha tem de manter o outro pilar de estabilidade do meio-campo, que é João Mário e que está no clube emprestado pelo Inter. Se o jogo da Luz permitiu às segundas figuras acumular experiência para encararem mais facilmente uma época exigente, com campeonato e Liga dos Campeões, também terá servido para os dirigentes acalmarem expectativas e subirem a fasquia para o próximo plantel. E, ainda que com um destinatário mais vasto, essa terá sido também a mensagem que Jorge Jesus quis passar no final do jogo, quando reforçou que este Benfica está em linha para ser a melhor equipa da segunda volta – tem mais um ponto que o FC Porto e mais dois que o Sporting –, o que lhe legitima a teoria segundo a qual o surto de Covid19 no final de Janeiro foi o fator decisivo na perda da Liga por parte do Benfica que mais investiu em toda a história.
É claro que a Covid19 prejudicou a época do Benfica, que antes do surto, à 14ª jornada, era segundo, a quatro pontos do Sporting. Não estava à frente, como ele chega a alegar, mas não estava tão afastado como ficou três jornadas depois, no final da primeira volta, que fechou em quarto lugar, a 11 pontos dos leões. A resposta à questão inferida por Jorge Jesus – “teria este Benfica sido campeão sem Covid19?” –, no entanto, é tão irrelevante como foram sendo as respostas de Rúben Amorim quando lhe perguntavam, todas as semanas, se o Sporting era candidato ao título. E, no fundo, nem é a essa questão a que Jesus quer responder. Infere-a, como pergunta retórica, porque precisa que adeptos, dirigentes e até jogadores acreditem que sim, que sem Covid19 o Benfica estaria a celebrar no Marquês, de forma a legitimar mais um ataque à competição. O treinador do Benfica continua a ter um ego gigante mas nunca foi – nem é – idiota. Mas que para poder alegar que “para o ano é que é”, tem de aglutinar em vez de dividir. Precisa que os adeptos acreditem que ele não perdeu o toque, que Luís Filipe Vieira continue a achar que fez a escolha certa e que os jogadores mantenham a crença nas suas próprias capacidades. Caso contrário mais valia ter ficado no Brasil, onde tinha isso tudo e o mais que quisesse.