Talento próprio e soberba alheia
O resultado da meia-final da Taça da Liga explica-se com a aposta do Sporting no talento para os últimos minutos mas também com alguma soberba do FC Porto. Eis um olhar mais reflexivo acerca do jogo.
O Sporting-FC Porto de ontem foi, tal como o tinha sido o Benfica-FC Porto de há uns dias, um jogo de encaixes, revelando uma tendência para a sobrevalorização do equilíbrio no futebol nacional. Os dois jogos tiveram exatamente o mesmo número de faltas (43!!), ainda que na meia-final de ontem, por não haver uma equipa com referências individuais de marcação, os duelos não tenham sido tão faiscantes como na partida de sexta-feira. O Sporting acabou por levar a melhor, quando se mostrara profundamente incapaz durante a maior parte do jogo, graças a um misto de risco próprio com soberba alheia e talento individual, a mostrar que os jogos não se ganham só com arreganho.
Jovane foi o homem do jogo, graças aos dois golos que fez em cerca de um quarto-de-hora em campo, ambos em excelentes momentos de execução individual – o primeiro num belo e bem colocado remate em arco, o segundo percebendo que só podia marcar assim, de bico, a desviar a bola do guarda-redes. Mas na origem dos dois golos leoninos estiveram dois fatores ausentes durante uma boa parte do tempo. No primeiro, o descaramento, a capacidade para apostar no um-para-um que foi trazida à equipa leonina por Plata, o jogador derrubado em falta a justificar o livre que depois daria o empate. Até ali, o Sporting procurara sempre jogar pelo compêndio, fazer os movimentos coletivos habituais, sem parar para pensar que se não estava a conseguir era preciso mudar alguma coisa. No segundo a tal capacidade para ligar o jogo por dentro – o passe vertical de Coates para Pedro Gonçalves – que até aí nunca lhe assistira e que a partir de certa altura passou a conseguir.
E é aqui que entra a soberba alheia. E não é só por o espaço ter aparecido quando era suposto desaparecer – na ponta final de um jogo que o adversário até estava a ganhar, convidando-o ao recolhimento. É que, até marcar, o FC Porto foi sempre melhor. Marginalmente melhor, é verdade, mas melhor. Porque quando as duas equipas se anulam com os posicionamentos e optam por jogar longo, o FC Porto tinha o único recetor capaz para esse tipo de futebol na peitaça de Marega. O jogo mais móvel dos três da frente leoninos só permite sucesso num tipo de jogo longo – a busca da profundidade, que se torna quase impossível quando do outro lado está uma última linha comandada pelo inteligente e sempre veloz Pepe. Portanto, o jogo foi correndo assim: FC Porto pressiona, Sporting dá chutão na frente, mas a sua falta de referências leva a que a bola se perca e ao desaparecimento de João Mário, perdido num labirinto de segundas bolas; Sporting pressiona, FC Porto dá chutão na frente, a bola acaba na peitaça de Marega e dali passa para o talento de Corona, único desequilibrador durante boa parte do desafio.
Esse estado de coisas fez com que até ao golo do FC Porto houvesse sempre mais Corona do que Pedro Gonçalves e sempre mais Uribe do que João Mário (o leão). Até o golo de Marega desfazer a forma de pensar dos dois treinadores. Porque o jogo de ontem resolveu-se muito nos bancos. Já tinha explicado que, a perder, Rúben Amorim meteu risco, com Bragança, Plata e Jovane, sendo que já antes percebera que era inútil insistir com João Mário e o substituiu pelo fisicamente mais capaz e menos intimidável Matheus Nunes. O que fez Sérgio Conceição cinco minutos depois de estar a ganhar, ainda com mais cinco minutos para jogar? Retirou do campo Marega e Corona. E quem foi o recetor de bola desarmado por Coates no lance que deu o segundo golo leonino? Toni Martínez, o avançado que entrara para o lugar de Marega nesses minutos.
É pena que os treinadores não tenham estado na conferência de imprensa para que pudesse ser perguntado ao treinador do FC Porto o que pretendeu alcançar com estas duas trocas. E atenção que perguntar isso não significa crucificar o espanhol – é só entender que ele não tem as mesmas caraterísticas do maliano nem dá as mesmas coisas à equipa. Bem como que, só por si, a presença de Marega e Corona naquele espaço chega para assustar e limitar a equipa adversária. Sendo que – e atenção que isto é importante – nenhuma substituição do Mundo chega para explicar o desequilíbrio do FC Porto no lance do 2-1, a permitir que a verticalidade de Coates deixasse a inteligência de Pedro Gonçalves em condições de criar um três-para-três no último terço durante o último minuto de descontos de um jogo a eliminar. Há coisas que o talento explica, mas há outras para cujo entendimento as ações do treinador serão sempre curtas enquanto justificação. Porque, a não ser que me digam que, sabendo do histórico recente, os jogadores do FC Porto estariam desesperados para evitar o desempate por penaltis, e aquele momento tenha sido mais de medo do que de outra coisa qualquer, a soberba não esteve só no banco.