Sporting entre controlo e dissuasão
O Sporting só pode perder esta Liga por descontrolo emocional ou pela tentação excessiva do controlo dos jogos. Parece contraditório, mas não é. O sucesso depende do poder de dissuasão aos rivais.
Só há duas coisas que podem levar o Sporting a perder esta Liga, onde tem agora oito pontos de avanço, com nove jogos por disputar, e elas são aparentemente contraditórias. Uma é a eventualidade de entrar em descontrolo emocional por ter visto o avanço diminuir, ontem, com o empate em Moreira de Cónegos (1-1). A outra, bastante mais ameaçadora, do meu ponto de vista, é a persistência num futebol excessivamente calculista, que tem levado a equipa a abusar da tentação do controlo de jogos presos por um golo de vantagem ou a impor ritmo baixo mesmo antes de marcar. Em Espanha, ambas as situações estão à beira de custar ao Atlético Madrid uma desilusão histórica, na qual ninguém acreditaria há um par de meses. O Sporting, ainda invicto na Liga e sem ter vacilado nos confrontos diretos com os maiores rivais, tem a vantagem de poder olhar para trás e para o exemplo ao lado para se reencontrar antes da reta final, porque vai agora entrar no período que verdadeiramente separa uma equipa jeitosa de uma equipa vencedora.
Há muito se diz que o verdadeiro e último teste ao leão seria a reação à primeira derrota. Pois bem, na Liga, ela ainda não apareceu – e já vamos em Abril. À falta de um desaire, pega-se num empate com sabor a derrota, como foi o de ontem. Porque FC Porto, SC Braga e Benfica já tinham todos ganho nesta jornada – dragões e guerreiros, ainda por cima, fizeram-no em cima do apito final – e porque o golo do Moreirense surgiu também no fim de um jogo que os leões tinham controlado. A sólida defesa leonina – 12 golos encaixados em 25 jogos – vai perfeitamente em linha para igualar o registo do primeiro FC Porto de Sérgio Conceição ou do último Benfica de Rui Vitória, ambos campeões com 18 golos sofridos em 34 jornadas, mas dificilmente chegará ao pináculo que foi o primeiro FC Porto de Lopetegui, que acabou a Liga com 13 golos sofridos e… não foi campeão. E se o espanhol não conseguiu ganhar essa Liga de 2015 foi sobretudo porque, na equipa, mais do que a “vontade” de a ganhar terá pesado o medo de a perder. Por razões diferentes das deste Sporting, como excesso de investimento ou total desconhecimento da realidade portuguesa, por exemplo, aquele FC Porto pensou demasiado e esbarrou numa série de empates (sete, com duas derrotas) que impedem uma época de sucesso absoluto em Portugal.
A última barreira deste Sporting foi sendo sucessivamente empurrada para a frente mas não absolutamente franqueada. Primeiro eram os jogos com SC Braga e Benfica, no início de 2021. Ganhou ambos. Depois era a Taça da Liga, porque se a ganhasse – como ganhou –, numa final four com os três principais rivais, podia demonstrar a tal solidez psicológica e a falta do medo de ganhar que fazem falta aos campeões. Ganhou-a. A seguir, a visita ao Dragão, onde fez um jogo sem brilho mas resistiu até ao fim com o 0-0 perante o campeão. Tudo o que está para trás mostra um Sporting mentalmente forte e não uma equipa suscetível de vacilar, mas não serão poucos os adeptos – e quem sabe se até jogadores – a incorrer no erro que é olhar para o que falta do calendário, esquecendo que estas coisas se gerem jogo a jogo e que o que aí vem agora é um FC Famalicão que na época passada ganhou em Alvalade e que está de volta às boas sensações com Ivo Vieira. É que na memória já não estão frescas as mais vistosas exibições do Sporting, feitas nos meses de Novembro e Dezembro. Hoje, tudo aquilo que os adeptos recordam é o controlo. E o controlo dificilmente dá confiança.
Dos 14 jogos feitos após a eliminação da Taça de Portugal, pelo Marítimo, o Sporting empatou três e ganhou onze, mas marcou apenas 20 golos (nunca fez mais de dois num só jogo) e teve sete vitórias pela margem mínima. “E depois? Não valeram na mesma três pontos?”, dir-me-ão. Claro que sim. Mas este conjunto de resultados é o reflexo de um Sporting poupado e por isso mesmo mais vulnerável em caso de erro. Para perder dois pontos, como aconteceu em Moreira de Cónegos, foi preciso somar uma acumulação de erros muito invulgar – faltou a pressão de Tiago Tomás na bola longa de Steven Vitória, Porro estava mal posicionado face a Conté, Feddal desfez mal o cruzamento do lateral – a um remate extraordinário de Walterson, mas esta não foi a primeira vez que o Sporting abordou jogos no fio da navalha, confiante na solidez atrás e num golo único e salvador. Pode ser curto, nomeadamente por não criar nos rivais o efeito dissuasor de que os leões precisam para acabar a época de uma forma mais tranquila.
É certo que esta equipa leonina foi sempre mais forte em transição do que em criação e que, como disse ontem Rúben Amorim, esta é a sua forma de jogar. Mas muito do sucesso que pode ou não vir a conhecer no final da temporada dependerá desse efeito dissuasor que for capaz de meter em cima dos rivais. A não ser que o Sporting consiga fazer uma demonstração de força no imediato, não creio que o final de época que aí vem possa assemelhar-se ao da temporada passada: na altura, em nove jornadas que abordaram ombro a ombro, o FC Porto perdeu cinco pontos e o Benfica dez. O Sporting sabe que pode perder sete e mesmo assim será campeão, mas tem de ter a consciência de que, sobretudo, lhe cabe pressionar os rivais a errar. E isso não se consegue com controlo.