Sporar e o ataque do Sporting
A lógica posicional e a dinâmica do 3x4x3 de Rúben Amorim pedem ao 9 caraterísticas que não são as do avançado esloveno. Nem as dele nem as do tal 9 que seja bom finalizador que muitos reclamam.
Andraz Sporar chegou ao Sporting há oito meses, vindo do Slovan Bratislava por seis milhões de euros. Durante algum tempo deu a sensação de que era o ponta-de-lança que faltava à equipa, o bom finalizador que ela perdera quando sacrificara Bas Dost, alegadamente para baixar a folha salarial. Oito meses depois, parece um corpo estranho no plantel orientado por Rúben Amorim. Entender as razões por que tal sucedeu é mais de meio caminho andado para perceber que Sporting quer o treinador.
O impacto do esloveno em Alvalade não foi imediato. Estreou-se a 27 de Janeiro, entrando ainda na primeira parte de um jogo com o Marítimo, para ocupar o lugar deixado vago pela lesão de Luís Phellype. Quanto mais não fosse porque não tinha alternativas, Jorge Silas fez dele titular a partir do jogo seguinte, a derrota em Braga por 1-0. Ao quinto jogo, em casa contra o Istambul Basaksehir, o esloveno marcou pela primeira vez. Com Silas, fez dois golos em oito jogos. Depois, com Rúben Amorim, marcou cinco em dez partidas – e não deixa de ser curioso que o Sporting tenha perdido o acesso direto à fase de grupos da Liga Europa no único desafio que o esloveno não jogou com o novo treinador, o empate a zero com o Vitória FC, em Alvalade, na penúltima jornada. Na nova época, porém, as opções de Rúben Amorim mudaram: não só o Sporting tem surgido com Jovane adaptado ao corredor central e Sporar no banco, como o esloveno não é sequer a primeira opção para o lugar quando o decorrer do jogo aconselha trocas.
Em Paços de Ferreira, quando Jovane se lesionou, a opção do treinador foi fazer entrar Nuno Santos – que acabara de recuperar da Covid19 – para a esquerda, deslocando Vietto para o corredor central (veja as incidências do jogo aqui). Por volta da hora de jogo, quando resolveu abdicar do argentino, quem foi fazer o lugar de avançado-centro foi um médio, o jovem Bragança. E só a 11 minutos do fim Sporar entrou, na ocasião para substituir Tiago Tomás. Antes, contra o Aberdeen, o esloveno até tinha sido o primeiro a entrar, igualmente para a vaga de Tiago Tomás, mas isso não lhe deu mais do que 13 minutos de jogo (também há resumo aqui). O que isto demonstra é, primeiro, uma clara queda de Sporar na hierarquia de avançados do Sporting, mas sobretudo que o esloveno não é o tipo de avançado de que Amorim precisa para a sua ideia de jogo. Não está em causa se a ideia é boa ou má, se pode ou não ser posta em prática – é a ideia do treinador, ele é que tem todo o poder de decisão nas mãos e será naturalmente julgado pelos resultados que com ela vier a conseguir.
O 3x4x3 de Rúben Amorim apoia-se em dois avançados interiores, que aparentemente jogam atrás do ponta-de-lança, estando este mais central, deixando os corredores laterais para os dois alas – função em que Porro e Nuno Mendes têm cumprido. Sucede que a dinâmica do sistema pede ao avançado-centro que baixe constantemente para estabelecer ligação com os dois médios, o que leva a que sejam os tais dois segundos-avançados quem mais vezes surge em posição de finalização, em movimentos contrários aos da referência central. Foi por isso que, em tempo, já sugeri (aqui) que Vietto pode ser a solução para essa função de avançado-centro: é o melhor dos leões no processo de criação e não é um finalizador de excelência. É por isso também que Sporar não é o jogador mais indicado para a posição que sempre ocupou – a de avançado-centro. Finaliza bem, conhece os espaços na área, mas não é particularmente ágil no “diálogo” com os médios, a fazer as tão necessárias desmarcações de apoio, a ocupar o famoso espaço “entre linhas”. Daí que esteja a amargar no banco, enquanto o treinador percebe se ele é capaz de se adaptar à tal função de segundo avançado, que neste Sporting de posições invertidas é quem mais finaliza.
É por isso que continuo a sorrir para dentro sempre que ouço alguém dizer que o Sporting ainda precisa de ir ao mercado contratar um ponta-de-lança de nível, um finalizador que lhe garanta golos. O Sporting tem esse jogador, não tem é utilidade para ele na ideia de jogo que entretanto desenvolveu. Pedir a contratação desse tipo de ponta-de-lança para este Sporting é como pedir a alguém que não bebe café que gaste parte do limitado orçamento familiar a comprar uma máquina de última geração só porque no Natal vai lá a casa um tio que gosta de o beber. Nessas condições, mais vale encontrar outra utilidade para a cafeteira que lá tem arrumada num armário.