Sérgio Conceição e os "tempos mais fáceis"
Pinto da Costa diz que gostaria de ter Conceição em "tempos mais fáceis". Quererá desafiar a dialética de construção do portismo moderno, algo que a morte de Pedroto impediu que sucedesse nos anos 80.
A entrega do segundo Dragão de Ouro a Sérgio Conceição como Treinador do Ano no FC Porto foi justíssima e levou Jorge Nuno Pinto da Costa a multiplicar os elogios a um técnico com quem o presidente diz querer renovar contrato, acrescentando que ele merece ficar no clube em “tempos mais fáceis”. Só que Conceição não parece feito para “tempos mais fáceis” – e é muito nesse traço de personalidade que o leva frequentemente à revolta que está o tal paralelismo que Pinto da Costa faz repetidamente entre o seu atual treinador e José Maria Pedroto, um dos pais do “pintodacostismo”. Sérgio Conceição tem sido o treinador ideal para este momento da vida do FC Porto, como continuará seguramente a sê-lo no futuro próximo, porque a noção que tenho é que os tais “tempos mais fáceis” não vão chegar tão depressa assim. E se chegarem ele não estará lá para os viver.
Os últimos três anos, de facto, não foram fáceis, tendo em conta não apenas as restrições do Fair-Play financeiro, que a UEFA impôs ao FC Porto, mas também a conjuntura de abundância pelo menos aparente que as sucessivas transferências de jogadores têm colado a um Benfica que se autoproclama em permanente busca de hegemonia. É por isso que os dois títulos de campeão nacional ganhos pelo clube neste triénio têm a marca de água do treinador. Se no primeiro, além da construção de uma equipa com raspas, o que se lhe pediu foi a blindagem do grupo – e aí funcionou a noção pedrotiana do “inimigo externo”, tão utilizada pelo FC Porto dos últimos 40 anos –, no segundo houve a acrescentar a defesa desse grupo face aos riscos de dissensão interna – outro traço comum ao mítico treinador, que em inícios de 1974, antes do 25 de Abril, chegou mesmo a deixar um Vitória FC que ele levara a lutar pelo título de campeão nacional por discordar da “lei da rolha” que a direção impusera aos seus jogadores. Nos momentos em que muitos observadores acusam Conceição de faltas de educação, Pinto da Costa vê e reconhece o aproveitamento “pedrotiano” do diferente para poder consolidar aquilo que é igual. E mesmo que em Pedroto esse fator fosse estratégico e em Conceição ele possa ser puramente sanguíneo, a verdade é que acaba por ter o mesmo efeito, que a lógica é a mesma.
A história nunca permitiu entender se esta forma de estar se coadunava com “tempos mais fáceis”. Pedroto treinou o FC Porto entre 1966 e 1969 e acabou por ser despedido porque pôs as regras do grupo à frente das conveniências da direção, mas quase interrompeu o jejum de títulos do clube face a um Benfica verdadeiramente hegemónico. Voltou em 1976, já de braço dado com Pinto da Costa – ainda que só como diretor do departamento de futebol – no combate ao “centralismo”, que continua a ser uma das expressões mais caras ao presidente, e aí fez mesmo do FC Porto campeão. A perda do campeonato de 1980 e o cansaço de alguns setores do clube face ao permanente conflito imposto por este tipo de caminho levaram à saída dos dois, sendo que o regresso, em 1982, antecipou por pouco a doença que acabaria por vitimar o treinador. Pedroto faleceu em Janeiro de 1985 mas já perdeu boa parte da época de 1983/84: foi o adjunto, António Morais, quem dirigiu a equipa na final da Taça das Taças, por exemplo. A essa altura seguiram-se, de facto, “tempos mais fáceis”, com o cosmopolita Artur Jorge aos comandos – e, para se perceber quem teve mais influência estratégica na ideia que esteve por trás da construção do FC Porto moderno, seria interessante entender quem teve mais peso na escolha, se Pedroto, que já estivera com ele em Guimarães, se Pinto da Costa.
A história recente do FC Porto tem-se feito com base nesta dialética: treinadores de combate para os tempos mais difíceis, treinadores mais tranquilos nos tempos mais fáceis. Não é uma questão de competência, mas sim de personalidade. Se nos segundos incluo Artur Jorge ou Jesualdo Ferreira, por exemplo, nos primeiros entram José Mourinho ou Sérgio Conceição. E é também na observação da história que encontro a contradição no desejo de Pinto da Costa manter Conceição em “tempos mais fáceis”. Porque, das duas uma: ou, como suspeito muito fortemente, eles não chegarão e a lógica de combate de Conceição continua a aplicar-se que nem uma luva àquilo que o FC Porto quer, ou eles aparecem e Conceição seguirá o caminho natural dos vencedores. Como seguiu Mourinho quando, após as conquistas da Taça UEFA de 2003 e da Liga dos Campeões de 2004, assinou pelo Chelsea. Em causa aqui não está apenas uma questão de amor a um emblema, a uma causa ou a uma ideia – e mesmo esse raramente impede que a vida profissional continue noutras paragens. Estão muitos outros interesses, os interesses que precisam de consagrar a mobilidade dos profissionais.