Se é fácil não é para Sérgio Conceição
O treinador do FC Porto precisa de dificuldades para sublimar o lado combativo e revoltado da sua personalidade. É assim, pelo menos, desde aquele famoso Alemanha-Portugal de 2000.
O Benfica ganhou ao Vitória SC e o FC Porto não foi campeão no hotel, mas mesmo que não some hoje, frente à jovem equipa do Sporting, o ponto que lhe falta, a verdade é que não há quem acredite que os dragões não venham a ganhar a Liga numa das duas jornadas que lhe ficarão a sobrar. A manete da pressão na luta pelo título está tão aliviada que até Nélson Veríssimo, técnico interino do Benfica, diz não ter preferência de resultado para o clássico de hoje. Esta é, por isso mesmo, uma situação de potencial perigo para Sérgio Conceição, o treinador que melhor personifica a frase proferida por Rui Vitória semanas depois de chegar à Luz para substituir Jorge Jesus: “Se fosse fácil, não era para mim”.
Há uma série de marcos na carreira de Sérgio Conceição, que já como jogador ficou célebre pelo hat-trick a valer a vitória (3-0) frente à Alemanha no dia em que Humberto Coelho fez jogar todos os suplentes, durante o Europeu’2000. Difícil, portanto. Como treinador do SC Braga, perdeu uma final da Taça de Portugal para o Sporting, em 2015, depois de estar a jogar contra dez (expulsão de Cédric) desde os 15’ e a ganhar por 2-0 aos 82’. Estava fácil. Depois, foi campeão nacional pelo FC Porto em 2017/18, a época em que a intervenção da UEFA, devido à quebra de regras de fair-play financeiro, limitou tanto a ação dos dragões no mercado que, à exceção da opção de compra de Óliver Torres – que já estava decidida e concretizada antes de ele se tornar treinador portista – só pôde recuperar emprestados e investir um milhão de euros em Vaná para ser um dos suplentes de Casillas. Difícil, certo? Até por ter sido celebrado perante um Benfica que celebrava a hegemonia e procurava o quinto título seguido.
Em 2018/19, o FC Porto não contratou assim tanto – e sobretudo falhou muito nas opções que fez – mas aproveitou a crise que se abateu na Luz, com a instabilidade em torno de Rui Vitória, para se tornar favorito na perseguição do bi-campeonato. Após a primeira jornada do ano novo, quando a derrota em Portimão ditou o afastamento de Vitória do comando técnico do Benfica, o FC Porto de Conceição seguia isolado na frente, com cinco pontos de avanço do segundo e sete dos encarnados, que até final ainda tinham de jogar fora de casa com todas as equipas colocadas do primeiro ao sexto lugar. Estava fácil, certo? Pois, como saberão os menos desatentos, o Benfica foi campeão sob o comando de Bruno Lage e com a influência do adolescente João Félix a ditar leis. Veio uma nova época e, pela frente, o FC Porto tinha um adversário financeiramente pujante, que pôde investir mais de 60 milhões de euros em transferências, com destaque para as operações que levaram De Tomás, Vinícius e Weigl para a Luz. Ainda por cima, o FC Porto precisou de vender Militão para o Real Madrid, Felipe para o Atlético, Óliver para o Sevilha FC e perdeu a custo zero Brahimi e Herrera, com os quais não conseguiu renovar. Já pôde investir – chegaram jogadores como Marchesín, Uribe, Díaz, Zé Luís ou Nakajima – mas nem isso chega para que deixe de se enfatizar que esta iria ser uma Liga difícil. E no entanto…
A personalidade de Sérgio Conceição faz com que ele se agigante perante as dificuldades e que, muitas vezes, precise delas para sublimar a revolta interior que sempre foi uma das suas maiores forças. É o suficiente para que, aos olhos de muitos, Sérgio Conceição pareça aquilo que não é: um tipo amargo, mal-formado e vingativo. O que o treinador do FC Porto é, isso sim, é um tipo genuíno e sanguíneo. Isso faz dele, de forma natural, o mais próximo da figura construída por José Maria Pedroto que passou pelas Antas e pelo Dragão desde a morte do mestre. Pinto da Costa já o tinha dito, sem o explicar: tal como Pedroto, Conceição cresce se lhe cheira que está a lutar contra as probabilidades, se houver alguma possibilidade de olhar para a batalha que está a travar como uma luta em defesa dos fracos e dos oprimidos. E é isso que o torna um treinador próximo da identidade do clube que serve, pois mesmo nos anos em que era hegemónico o FC Porto não resistia a criar narrativas de luta contra o poder da capital e o centralismo e de defesa dos desfavorecidos.
Para voltar a ser campeão, para ganhar a Liga pela segunda vez em três anos, ao FC Porto de Sérgio Conceição falta um ponto em três jogos. Parece fácil e, repito, ninguém acredita que não venha a suceder. Mas já esteve difícil, pois em meados de Janeiro, depois de perder em casa com o SC Braga de Rúben Amorim e de ver o Benfica ganhar em Alvalade ao Sporting, o FC Porto já esteve a sete pontos do líder e os rumores para o regresso de Jorge Jesus a Portugal apontavam-no mais a Norte. É a essa dificuldade que se agarra hoje a personalidade combativa de Sérgio Conceição.