Sarri, Ronaldo, o ego e a consciência
O treinador da Juventus já ouviu os comentadores e a consciência. Estará agora dividido entre ouvir Ronaldo ou o ego no que toca à posição do CR7. Disso depende o nome do futuro campeão de Itália.
A Juventus regressa hoje à Serie A, em Bolonha, contra a pressionante equipa de Mihajlovic, com a Lazio a um ponto e marcada por mais de 200 minutos sem um golo, bem como pela polémica nascida entre Sarri e Ronaldo a propósito do posicionamento do português. Sarri, que já estava encostado à parede por alguns analistas, que queriam mais fogo de artifício, sente-se agora também apertado na classificação. Como, a ajudar à festa, perdeu Higuaín, por lesão, resolveu fazer a vontade a toda a gente: aos que queriam Ronaldo e Dybala ao mesmo tempo, à voz que lhe azucrinava a consciência para encontrar equilíbrio defensivo e ao ego que lhe dizia que ele é que tinha de ser o “presidente da junta”. O resultado está longe de ser positivo: Ronaldo a 9, como muito bem descobriu quem inventou a “criatura” – Carlos Queiroz – só serve quando já se está em vantagem.
A questão não é de egos, por muito que, sempre que fecha os olhos, Sarri oiça o dele a dizer: “tens de ser o mais forte e impor a tua ideia”. Se Ronaldo lhe diz que não gosta de jogar ali, como referência atacante, pode até ser porque sente que não é pessoalmente favorecido por esse posicionamento, mas é sobretudo por muitos anos de experiência a dizerem-lhe que é com uma referência frontal que mais rende e mais ajuda a equipa, porque ganha aqueles metros de embalo antes do choque com a linha defensiva e porque não tem de passar a maior parte do jogo de costas para a baliza. Extremo de origem – mas progressivamente menos fiável no que à ocupação de espaços diz respeito à medida que se foi tornando um astro de dimensão mundial – Ronaldo experimentou pela primeira vez a posição de avançado isolado quando Carlos Queiroz convenceu Alex Ferguson a tornar o Manchester United numa equipa de expectativa e contra-ataque, em jogos da Champions disputados longe de Old Trafford, creio que em 2007/08, a caminho da final ganha ao Chelsea no desempate por grandes penalidades. Sucesso, portanto.
O próprio Queiroz veio a tentar o mesmo expediente na seleção nacional, durante o Mundial de 2010, e foi isso que esteve na base dos problemas que se registaram entre os dois. “Fale com o Carlos Queiroz”, foi a única coisa que Ronaldo disse na zona mista depois da derrota com a Espanha, que ditou a eliminação da seleção nacional no Mundial da África do Sul. Em causa estava a troca de Hugo Almeida por Danny, que deixou Ronaldo isolado a 9. Depois do jogo, a estação televisiva espanhola Cuatro mostrou a reação do jogador português a essa substituição: “Assim não ganhamos, Carlos!”, gritou para o banco (pode ver aqui). E a verdade é que não só perdemos como as acusações entre jogador e treinador subiram de tom a seguir à partida e Ronaldo não voltou a jogar na seleção enquanto Queiroz não foi afastado, num processo ao qual nem o tempo trouxe clareza. O CR7 voltou à equipa com Paulo Bento, a extremo, para uns 4-0 à mesma Espanha, mas desde então a história da seleção nacional tem sido marcada pela busca incessante do equilíbrio que permita a utilização livre de Ronaldo no ataque. Foi Fernando Santos quem mais se aproximou da perfeição, ainda que para tal tenha precisado de abdicar do 4x3x3 e que, nalguns casos, também já tenha recorrido à utilização de Ronaldo como ponta-de-lança solitário.
Ora a Juventus não está propriamente na posição da seleção nacional do início da década. Por um lado, vem folgada, com oito campeonatos seguidos no bucho. Por outro, isso só vem aumentar a pressão sobre Sarri, que confrontado com a hipótese de não ser campeão dirá aquilo que dizem os sargentos dos filmes de guerra americanos ante a iminente invasão do inimigo: “Não no meu turno!” Sarri precisa de ganhar e essa vontade de não ficar ligado a uma interrupção do reinado juventino torna-o vulnerável. Ficou vulnerável aos comentadores que queriam mais arte e protestavam com a utilização episódica de Dybala. E ele, que geralmente não abdicava de ter Douglas Costa, Cuadrado ou até Ramsey a fazer companhia a Ronaldo e Higuaín, cedeu uma vez à tentação de chamar o tridente-maravilha. Foi no jogo em Nápoles, para a Série A, e perdeu por 2-1. Mais pressão… Sem Higuaín, que está lesionado, ouviu então a voz da consciência, que o mandava redescobrir o equilíbrio defensivo que se perdia sem um verdadeiro jogador de corredor na frente. E é daí que nasce a ideia de fazer de Ronaldo o seu 9. As coisas não melhoraram – é verdade que a equipa passou a responder melhor do ponto de vista defensivo, mas não consegue marcar golos. Ronaldo não marca desde a visita à Spal, a 22 de Fevereiro, somando desde então 411 minutos (mais descontos) em campo sem fazer golos.
Nesse período, em quatro jogos, a Juventus registou três zeros ofensivos (0-1 em Lyon, 0-0 com Milan e SSC Nápoles, nos dois jogos da Taça de Itália após a retoma do futebol), só tendo marcado num desafio, nos 2-0 ao Inter, curiosamente o único em que no onze inicial esteve Higuaín, dando a Ronaldo o tal espaço para respirar. É assim que surge a melhor Juventus. Resta saber até que ponto Sarri consegue calar a voz que resta, depois de ter ouvido a dos comntadores e a da consciência: a do ego. Com tanta gente a dizer e a escrever que é Ronaldo quem não quer jogar ali, terá o treinador a clarividência para perceber que a ideia, de facto, é má? Ou preferirá centrar-se numa batalha imaginária de vontades e levará a ideia avante só para não dar a ideia de que cedeu? Da resposta a esta pergunta depende o nome do futuro campeão de Itália.