São as faltas, sim senhores
Um estudo feito pelo Observatório do Futebol a 37 Ligas europeias prova que as faltas estão na génese da falta de fluidez de jogo em Portugal. Agora é resolver.
O Observatório do Futebol do Centro Internacional de Estudos do Desporto (CIES) divulgou esta semana um estudo acerca da “fluidez” do jogo na generalidade das Ligas europeias, o que nos permite tirar duas conclusões. A primeira é que, na comparação, a Liga Portuguesa é das piores, ocupando o 33º lugar em 37 campeonatos estudados, apenas à frente da Grécia, da República Checa e das divisões secundárias de Inglaterra e de Espanha. A segunda é que a maior responsabilidade para esta diminuição do tempo de jogo não está relacionada com o tempo de interrupção média por cada falta ou com bolas colocadas fora pela incerteza dos passes. A razão é muito mais simples e é aquela que tenho vindo a denunciar aqui com alguma insistência: os jogadores caem demasiado e os árbitros apitam demasiado. É impossível aqui definir o que é causa e o que é efeito, mas começa a ser cada vez mais consensual de que esta é a razão do problema. E que ele só pode ser atacado por um ângulo: o da arbitragem.
Vamos aos dados, que pode consultar de forma exaustiva aqui. Conforme já disse antes, a Liga portuguesa é apenas a 33ª das 37 estudadas no que respeita a percentagem do tempo total de jogo em que a bola está de facto a ser jogada. Temos 58,3 por cento, em média, bem longe dos 66,9 por cento da “campeã”, que é a Liga israelita, mas também dos 64,7 por cento da Liga dos Campeões ou da média europeia, de 61,3 por cento. E se há culpa que não pode ser assacada aos árbitros portugueses é a de não darem compensação, pois só três Ligas têm, em média, jogos mais compridos do que os nossos. Embora o nosso desvio em relação à média aqui não seja muito grande, pois todas as competições estão entre os 99 minutos exatos da Turquia e os 94 minutos e 25segundos da Eslováquia, a Liga portuguesa está num relevante quarto lugar, com 97 minutos e 51 segundos de duração ponderada. O estudo do CIES revela que não há uma correlação entre a percentagem de jogo útil e o aumento do tempo total de jogo: a Liga israelita, que é a que tem maior percentagem de jogo útil é a quinta em duração dos jogos.
Rejeitada como explicação, no caso português, é a tendência para ter a bola fora do campo de jogo – que está relacionada, isso sim, com a propensão para o passe mais longo. A Liga portuguesa tem a bola fora em 20,4 por cento do tempo de jogo, o que lhe vale um 14º lugar. Bem pior estão o Championship (segundo escalão inglês) ou o campeonato escocês, com 24,7 e 24,6 por cento. Assim sendo, aquilo em que os portugueses abusam é mesmo das faltas: 17,4 por cento do tempo de paragem deve-se à marcação de faltas, o que nos deixa apenas atrás da Liga grega (19 por cento), da II Liga espanhola (18,3 por cento) e da média europeia, de 14,8 por cento. E, antes que perguntem, a razão aqui não é a fita que os jogadores fazem, a exigir a entrada em campo das equipas médicas. É mesmo a frequência das faltas. Apenas três das 37 ligas estudadas têm mais faltas, em média, do que a portuguesa: Portugal segue com 31,7 faltas por jogo, abaixo apenas das 32,1 da Bulgária, das 33,8 da Grécia e das 35,6 da Sérvia. Na Premier League inglesa a média é de 21,5. Em contrapartida, não são invulgares os tempos de paragem por falta vistos em Portugal. Em média, após cada falta, o jogo leva, em Portugal, 32,2 segundos a retomar e, neste aspeto, estamos até melhor do que algumas das Big Five Leagues. Na Liga espanhola essa média é de 34,9 segundos, na Premier League inglesa de 33,9 segundos, na Ligue 1 francesa de 33,3 segundos e na Serie A italiana de 32,4 segundos. Os nossos até se levantam rápido…
A conclusão é, por isso, óbvia. Além de nos prejudicar no momento em que os nossos clubes competem internacionalmente – porque os jogadores estão habituados a procurar o contacto para cair e “ganhar” a falta” e ali veem as intenções frustradas – este excessivo faltismo está muito mais na génese da falta de fluidez do jogo em Portugal do que uma eventual inépcia no passe, que levasse os jogadores a colocar demasiadas bolas fora. O estudo prova que a questão não se resolve aumentando o tempo de desconto – isso já foi feito – ou sequer pela introdução de inovações como a contagem do tempo útil, com paragem do cronómetro a cada vez que o jogo for interrompido. O problema é cultural – há menos fluidez devida ao excesso de faltas nas Ligas do sul da Europa – e só se resolve com um alerta às consciências dos árbitros. É impossível convencer centenas de jogadores a deixarem de tentar “ganhar as faltas”, porque a maroteira está-lhes no sangue e o futebol é, também, uma arte de enganar o próximo. Mas é possível trabalhar dezenas de árbitros para não se deixarem enganar com tanta frequência, para não cederem à tentação protecionista que os leva a assinalar faltas ao mínimo contacto só para não terem de levar com o escrutínio televisivo dos fanáticos dos frames. Essa é a única maneira de atacar o problema.