Santos e a seleção na fase do desmame
A oferta de renovação da FPF a Fernando Santos até 2024 parte de duas bases: Gomes acredita no resultadismo do selecionador e na sua capacidade para conduzir as mudanças do pós-Ronaldo.
A renovação de contrato de Fernando Santos com a FPF, até 2024, teve o mérito de recordar aos portugueses que a seleção nacional ainda existe – mesmo que o tenha feito pelas piores razões, pois trouxe para a ribalta discussões acerca da pertinácia de se renovar um contrato por tanto tempo, não o fazendo depender dos resultados mais próximos. A questão é que Santos é o treinador de Fernando Gomes e o presidente da FPF já sabe que vai ficar por mais quatro anos à frente do organismo, pois é o único candidato ao ato eleitoral que se avizinha. Ou não há resultados que o façam mudar de ideias ou não crê que os resultados possam ser tão maus que levem ao crescimento da dúvida. Seja como for, a melhor forma que Gomes encontrou para explicar isso foi garantir a Santos que será ele a mandar no mais importante período que a seleção vai atravessar em muitos anos: o período em que deixará de ter Ronaldo.
Como qualquer treinador de futebol, Santos é discutido. Há quem o acuse de ser muito defensivo, sisudo, de rir pouco – e até já o apanhei de mau-humor em várias conferências de imprensa… –, de ter sobretudo muita sorte e, como sucedeu com todos os seus antecessores, de privilegiar um grupo de jogadores preferidos, de fazer “a equipa de Jorge Mendes”, não chamando os que estão “em melhor forma”, seja isso o que for. A tudo isto, há quem contraponha a essas acusações o peso dos resultados: com Santos, Portugal foi campeão da Europa em 2016, terceiro na Taça das Confederações de 2017, vencedor da Liga das Nações de 2019, só fracassando – ainda que forma relativa – no Mundial de 2018, onde se ficou pelos oitavos-de-final. Com ele, a seleção nacional esteve sempre no Top10 do ranking da FIFA – não ficamos abaixo disso desde o 11º posto de Setembro de 2014, semanas antes de Santos substituir Paulo Bento – porque, conforme o próprio explica regularmente, “é muito difícil alguém ganhar a Portugal”.
Empatamos muito? É verdade. Mas fomos campeões europeus em 2016 com seis empates em sete jogos na fase final, ganhando depois mais um nos penaltis e dois no prolongamento, entre os quais a final, contra a França. E o golo de Éder não deu menos gozo aos adeptos por ter sido marcado no prolongamento, no seguimento de um jogo de sofrimento. O empate, como Santos mostrou, faz parte do jogo, pelo que aquilo que há a fazer é tirar proveito do que ele oferece. Em contrapartida, em 71 jogos com Santos, a seleção nacional só perdeu onze vezes. E dessas onze vezes, só três aconteceram em jogos competitivos: na Suíça, em 2016, na fase de qualificação para o Mundial de 2018; com o Uruguai, já na fase final desse Mundial, em 2018; e na Ucrânia, em 2019, no apuramento para o Europeu de 2020. Em fases finais – e já jogou quatro, estando a caminho da quinta, a do Europeu adiado para 2021 –, são seis vitórias, onze empates e apenas uma derrota, a tal frente aos uruguaios no Mundial da Rússia.
É esta constância de resultados, aliada a uma relação forte que os dois já terão tido oportunidade de estabelecer, que leva Fernando Gomes a apostar sem medos num contrato para mais quatro anos, mesmo sabendo que, à exceção de Scolari – que foi embora para o Chelsea, em 2008, desprezando a oferta de renovação –, todos os últimos selecionadores nacionais acabaram demitidos, tendo contrato, após uma fase final mal conseguida. Paulo Bento saiu após a derrota com a Albânia no primeiro jogo a seguir à eliminação na primeira fase do Mundial de 2014; Carlos Queiroz imediatamente após o Mundial de 2010, ficando Agostinho Oliveira como interino; António Oliveira logo depois da eliminação na primeira fase do Mundial de 2002, deixando igualmente Agostinho como responsável até chegar o Felipão Scolari.
Mas há mais. O que esta renovação mostra é que, além de acreditar no “resultadismo” de Santos, Gomes acha que ele é o melhor para conduzir a equipa num período que vai ser muito desafiante. Ronaldo fará em Fevereiro 36 anos. Ainda se espera que esteja no Europeu, adiado de 2020 para 2021, e eventualmente na fase final da Liga das Nações, adiada para Setembro desse ano, se Portugal lá chegar. Tendo em conta que se poupa e trabalha como poucos, talvez até possa estar no Mundial de 2022 – já com 37 anos, quase a fazer 38, pois esse Mundial vai ser atrasado para o temperado Inverno do Catar. Mas é duvidoso que possa chegar à Liga das Nações de 2023. E isso faz com que este período tenha de ser aquele em que a seleção faz o desmame de Ronaldo, em que se habitua a jogar sem o capitão, sem a sua influência, tanto no campo como no balneário. Agora se vai ver se são justas as críticas que menosprezam a capacidade de Santos para construir o jogo da equipa – “só jogamos para o Ronaldo”, acusam-no – e se o selecionador conseguirá construir um modelo de jogo capaz de favorecer os craques da nova geração. É esse o maior desafio dos tempos que se aproximam.