Rui Costa e eleições no Benfica
Rui Costa tem legitimidade estatutária para ficar, caso Vieira seja afastado. Cabe-lhe decidir se quer ser solução de "continuidade" ou se prefere desligar-se do presidente em explicações aos sócios.
A frase, que aqui cito de memória e até pode nem ter sido proferida literalmente assim, foi dita pelo advogado de Luís Filipe Vieira: “tem o direito à presunção de inocência, mas para haver esse direito é porque há suspeita”. A presunção da inocência é um mecanismo legal que se destina a garantir que os julgamentos de processos criminais são feitos onde têm de o ser: nos tribunais. Vieira nunca será culpado do que está prestes a ser acusado até que uma sentença transite em julgado, mas até lá não deixa de ser suspeito. E aquilo que muita gente não entendeu ainda, mesmo em processos passados, noutros clubes, é que a suspeição, que não é suficiente para condenar ninguém em tribunal, chega e sobra para lhe tirar legitimidade como dirigente eleito. Ou, ao menos, para forçar a revalidação dessa legitimidade. É por isso que o futuro próximo do Benfica, depois de se serenarem as águas com a liderança provisória de Rui Costa, deve passar por eleições.
Não me passa na cabeça que, depois de todo este aparato, o juiz mande Luís Filipe Vieira para casa com um pedido de desculpas – da inquirição de hoje deverão sair medidas de coação que impedirão o ainda presidente do Benfica de exercer a sua atividade enquanto líder do clube e da SAD, de lá se deslocar e até de contactar com os seus parceiros de direção e de administração. Tornar-se-á, assim, impossível tê-lo como presidente, não só por uma questão de suspeita, mas até por questões práticas. Isso, de acordo com os estatutos do Benfica, é facilmente ultrapassável: o presidente, em si, não é um órgão de soberania e a direção do clube só cai se mais de metade dos seus membros se demitirem. Portanto, há legitimidade estatutária para que a presente direção continue em funções até ao final do mandato. Agora: deve fazê-lo? Creio que não. Porque, face ao esquema que começa a ser desvendado pelo Ministério Público, envolvendo alegados desvios de dinheiro para proveito próprio por parte do presidente, mas também operações suspeitas, como a OPA à SAD, aparentemente para beneficiar parceiros de negócios, das duas uma: ou os restantes membros da direção eram cúmplices ou eram, pelo menos, coniventes. Porque burros não serão certamente e se, até a quem está fora do clube isto motivava dúvidas, impunha-se que dentro da direção e da administração alguém tivesse feito perguntas.
Rui Costa tem aqui a possibilidade de ficar do lado certo da história. Por mais que se suspeite que Vieira o utilizava como delfim sobretudo para capitalizar em termos de benfiquismo visceral e histórico e que na verdade não tencionava promover a sua própria substituição enquanto pudesse ficar no lugar, há muito que o “Maestro” se perfilava como senhor que se segue numa lógica de continuidade. Face ao que está agora a ser exposto, é normal que se lhe peça que demonstre até onde iria essa “continuidade”. Porque legalmente pode ser presidente pelos três anos que faltam neste mandato. Tem até legitimidade estatutária para assumir, enquanto e se Vieira estiver impedido de o fazer – embora isso implique, por certo, que se e quando forem levantadas medidas de coação ao ainda presidente, este regressaria. Logo aí se entende que tornar permanente uma solução de continuidade implica isso mesmo – continuidade. E beneficiará essa solução da necessária tranquilidade associativa para poder encarar o futuro com pleno otimismo? Creio que não.
O que está aqui em causa não é só Rui Costa demonstrar seriedade à prova de bala, como já teve de começar a fazer, respondendo às acusações que surgiram ontem, de envolvimento em negócios com o Benfica através da Footlab. O que está aqui em causa é a resposta a uma espécie de “impeachment avant la lettre”. Uma liderança provisória, para acabar de preparar a nova época desportiva, seguida da convocação de eleições, tem dois méritos. Resolve a questão prática que possibilitaria o regresso do líder eleito – porque Luís Filipe Vieira, sim, tem legitimidade democrática para se dizer presidente, desde que a justiça lho permita – e permite a Rui Costa responder pelos negócios de Vieira. Não em tribunal ou perante um juiz, que aí a coisa não chegou a ele, mas face aos sócios do Benfica. São eles que, em consciência, devem decidir se ficam convencidos com as explicações do vice-presidente para o facto de ter permitido tudo aquilo de que o líder vai ser acusado. Não sabia? Mas andava a dormir? Tinha esperança de reformar a coisa por dentro? Votou vencido mas registou objeções em ata? Tolerava algumas coisas em nome de valores mais altos? Essas são as explicações que Rui Costa tem de dar. E não é numa entrevista à BTV.