Ronaldo e o papel do capitão
Ser capitão é ser o que Ronaldo foi, ainda que sem o preâmbulo incomodado acerca da pergunta sobre a sua própria finitude, e juntar-lhe aquilo que terá de ser mais logo, em campo e fora dele.
Quando se chega ao topo, seja em que atividade for, há uma coisa que é segura: é-se motivo de conversa, razão de dúvidas, garantia de certezas e suporte de esperanças. É-se, até, como se viu nos Óscares de Hollywood, tema de piadas. Tem-se uma responsabilidade e segue-se em frente, de preferência de cara alegre. Cristiano Ronaldo está no topo há quase 20 anos e, antes de um jogo – mais um – decisivo da seleção nacional, fez o que tinha a fazer: deu a cara, foi à conferência de imprensa. Disse o que tinha a dizer, cumpriu na íntegra a tetralogia com que abri esta reflexão e, mesmo contra-vontade, ainda deixou escapar que, afinal, é humano. Ronaldo poderia até citar Mark Twain, afirmar que as notícias do seu fim são “francamente exageradas”, poderia pôr a capa do Super Homem e repetir vezes sem conta – e sempre com razão – que é ele quem manda na sua própria vida, mas tem de disfarçar o incómodo que sente quando lhe perguntam se este pode ser o seu último Mundial. Porque é isso que custa estar no topo.
Claro que quando se está no topo é-se motivo de avaliações radicalizadas – e dos dois lados. A presença de Cristiano Ronaldo na conferência de imprensa imediatamente anterior a um jogo tão importante como o Portugal-Macedónia do Norte de hoje (19h45, RTP1) pode ser vista por quem antipatiza com o capitão da seleção nacional como busca de protagonismo, mas a verdade é que mais não é do que assunção de responsabilidades. As 185 partidas que já fez com aquela camisola garantem-lhe um estatuto que não se contorna: eu próprio o senti, quando comentava em direto o Portuga-Turquia de quinta-feira e, inconscientemente, andei à procura de formas menos diretas de dizer que, a partir de meio da segunda parte, Ronaldo estava “morto” em campo. E, no entanto, mesmo sabendo que o esforço de intensidade defensiva a que ele não se furtou durante o arranque da partida lhe roubaria clarividência e disponibilidade na ponta final, Fernando Santos nunca o substituiu. Porque os 115 golos que ele fez nessas 185 internacionalizações também valem alguma coisa – e, mesmo “morto”, o CR7 ainda meteu uma bola na barra no último lance do jogo.
É claro que, descontextualizado, o “quem manda sou eu”, proferido por Ronaldo ontem, pode alimentar uma série de diatribes. Claro que apareceram logo piadas a dizer que o CR7 estava a responder a uma pergunta acerca da eventualidade de ser substituído durante um jogo, diminuindo o papel do selecionador. Porém, o capitão da seleção estava a reagir, é certo que com um desconforto que me incomodou, a uma pergunta acerca da sua própria finitude. “Se eu quiser jogar, jogo; se eu quiser parar, paro”, disse Ronaldo, antes do “quem manda sou eu” e depois de considerar estranho que lhe fizessem a pergunta. Cristiano, toma atenção a uma coisa: tens 37 anos, é normal que te perguntem se este será o teu último Mundial, mais normal até do que digam a uma atriz com alopecia que pode ser escolhida para protagonizar o filme “GI Jane”. A resposta de um capitão é a que deste, sim senhor, mas sem o preâmbulo presunçoso, sem aquele bocadinho de texto que puseste entre vírgulas para diminuir os que duvidam da tua imortalidade, e com um epílogo que só poderá ter lugar mais logo, durante e depois jogo.
Ronaldo foi capitão quando deu a cara. Foi ainda mais capitão quando sugeriu que, antes do desafio, o hino nacional fosse “a capella”, cantado sem música e a uma só voz por jogadores e espectadores em comunhão, dessa forma lançando a semente para um clima de apoio sem igual, como o que se consegue quando os adeptos se sentem parte de um esforço comum. E será igualmente capitão se mais logo, depois do jogo, depois de comandar os colegas em campo, voltar a dar a cara nas flash-interviews televisivas e na conferência de imprensa, quer ele faça um hat-trick e Portugal garanta uma vaga no Mundial do Qatar, quer ele jogue mal, Portugal perca e o Mundial tenhamos de o ver pela televisão. E então, sim, pode refletir acerca de uma coisa que é ele que decide mas que nos diz respeito a todos: se quer continuar a jogar.
Ele decide. E nós continuaremos a perguntar.
É perfeitamente normal que se pergunte a um jogador de 37 anos se este será o seu último mundial. Tratando-se de Ronaldo, da importância que tem enquanto jogador da seleção e não só, esquisito seria se a questão não fosse colocada. Os jogadores têm de perder a mania de encarar qualquer pergunta que lhes pareça minimamente incómoda - e esta nem foi, a dúvida é razoável - como um ataque pessoal. Este tipo de sentimento é exacerbado em contexto de seleção, exigindo-se dos jornalistas um patrioteirismo que não rima com jornalismo. Não é por se perguntar a Ronaldo se este é o último mundial que se está a desejar o fim da carreira. Não é por questionar a forma de jogar da seleção que se quer que a equipa perca. Posto isto, Ronaldo é sem dúvida o melhor jogador português, um capitão à altura e o percurso na seleção até merece que lhe sejam desculpados alguns excessos linguísticos ou de enfado.
Gosto de ver o Ronaldo nas conferências antes de jogos decisivos como este. É o papel dele e a ideia do Hino é espectacular para pôr o ambiente no Dragão ao rubro. Sinto que vai ser uma boa noite de futebol e com Ronaldo em grande. 💪😉