Renasceu a Argentina
A Argentina venceu a Polónia e mostrou a sua melhor cara. O México e a Dinamarca caíram na fase de grupos. E hoje há mais quatro vagas nos oitavos-de-final para distribuir.
Ontem foi dia de afirmação de uma Argentina renascida e é muito da forma clara como a equipa de Scaloni se impôs à Polónia que se fala na imprensa internacional. Mas foi também dia de uma proeza histórica da Austrália e de rendição de México e Dinamarca. Ou de dúvidas lançadas sobre o campo francês e das que tem Southgate em relação à melhor cara da seleção inglesa. O Mundial conheceu mais três apurados, o que significa que para os oitavos-de-final ficarem completos só faltam mais seis seleções. E a quatro delas vamos conhecê-las hoje, dia de um escaldante Croácia-Bélgica, mas também de um final ao sprint entre Japão, Espanha e Alemanha.
Toda a gente parece concordar que a exibição da Argentina frente à Polónia foi a melhor que já se viu neste Mundial à equipa alviceleste. No Clarín, exulta-se, por exemplo, com o golo de Julián Álvarez, o segundo, a que o diário de Buenos Aires chama “o melhor golo coletivo da história da seleção”. No artigo pode ver os gráficos a comprovar que foram 28 toques até à finalização e que na jogada participaram os dez jogadores de campo. A prova de que a equipa está, finalmente, ligada, ainda que as atenções caiam naturalmente sobre a sua maior estrela, Messi. “Ainda que tenha sido Alexis MacAllister, do Brighton, a marcar o vital golo de abertura para a equipa de Lionel Scaloni, foi a dedicação simultânea de Messi a enfeitiçar o público que o adora e a desconcertar a Polónia que realmente fez a diferença”, escreve Louise Taylor no The Guardian. E atenção que Messi até falhou um penalti. Ou melhor, Szczesny defendeu-lhe um penalti, que também tem história. A começar pela forma como foi assinalado, com a cedência do árbitro holandês Danny Makkelie às indicações do VAR. O guarda-redes polaco tentou chegar à bola num cruzamento e acabou por tocar na cara de Messi. Makkelie não marcou nada, mas o VAR mandou-o ir ver as imagens. E, de regresso do monitor, apontou para a marca dos 11 metros. Em Portugal já se marcaram dezenas de penaltis destes, mas a perceção internacional é a de que a decisão foi errada. “E pode custar-lhe a final”, escreve o antigo árbitro internacional inglês Keith Hackett no The Daily Telegraph. “O movimento de Szczesny é parte da tarefa do guarda-redes”, explica.
O penalti, no entanto, acabou detido pelo guarda-redes polaco. Tudo depois de uma aposta que Szczesny fez com o próprio Messi enquanto Makkelie estava a ver a jogada no monitor. O guarda-redes apostou com o atacante que o árbitro não ia assinalar penalti. Este sustentou que sim, que era falta. Cem euros, valia a aposta, como pode ler neste artigo do Clarín, que cita declarações de Szczesny à TV norueguesa. No fim, Messi ganhou a aposta, mas perdeu o penalti. E ao que parece também não vai ver a cor do dinheiro. “Não vou pagar-lhe, que ele já tem dinheiro suficiente”, disse ainda Szczesny, a rir. É verdade que, como anota Ramon Besa no El País, “o melhor Messi joga, não goleia”. “A perceção sobre o rosarino e a sua função na seleção da Argentina mudou. Antes, aparecia como salvador e, consequentemente, após cada derrota era apontado como um pé-frio que sucumbia ante as memórias de Maradona. Agora, porém, formou-se uma equipa que joga para o 10”, assinala Besa. E, ainda que seja verdade o que escreve José Barroso no L’Équipe, que a Polónia “facilitou as coisas, jogando à boticário até ao limite”, a verdade é que para os argentinos já vão longe as memórias daquela derrota surpreendente com a Arábia Saudita, a abrir.
Quem seguiu também em frente foi a Polónia, o que significa que o México ficou de fora dos melhores 16. A realidade foi encarada com dureza pelos mexicanos. O selecionador, Gerardo ‘Tata’ Martino, demitiu-se, como pode ler na reportagem de Carlos Ponce de León, no diário desportivo Record, mas a reflexão feita pelos comentadores exige mudanças que vão para lá da troca de selecionador. Hugo Sánchez, a maior estrela da história do futebol mexicano, falou na ESPN para criticar a decisão dos dirigentes que optaram por não ter a equipa a competir na Conmebol. “Deixemo-nos de ‘pendejadas’”, exigiu Ricardo Peláez, avançado na seleção que jogou o Mundial de 1998 e dirigente federativo nas edições de 2002 e 2014, no programa “Los Maestros”, da TUDN. No debate em que também participou o ex-selecionador Javier Aguirre foi questionado todo o modelo competitivo do futebol mexicano, desde temas como a co-propriedade dos clubes, o investimento que neles é feito, os direitos televisivos, a contratação excessiva de jogadores estrangeiros ou o formato da Liga Mex. O habitual nestas alturas de derrota, portanto.
À tarde, já tínhamos tido a resolução do Grupo que já qualificara a França. Os franceses foram a jogo contra a Tunísia com uma equipa plena de reservistas – Deschamps fez nove mudanças – e perderam, o que levou a que se lançassem dúvidas sobre a profundidade do plantel. No L’Équipe, François Verdenet avalia as consequências da decisão do selecionador, sobretudo o rompimento de “uma dinâmica nascida de um início de Mundial bem conseguido”. A vitória, sendo histórica para os tunisinos, não foi acompanhada em direto pelos muitos que vivem em França e viram o jogo na TF1, o canal que transmitiu a partida em aberto. Griezmann empatou no último lance da partida e a estação francesa foi para publicidade antes mesmo de o árbitro ser chamado ao monitor pelo VAR, que detetara um fora-de-jogo do autor do golo no momento em que é feito o cruzamento de Tchouameni – e antes de a bola ser cortada por Talbi. A história é explicada e justificada neste artigo de Sacha Nokovitch, no L’Équipe. Os tunisinos, no entanto, acabaram na mesma eliminadois. Só seguiam em frente se ganhassem e se, no outro jogo, Dinamarca e Austrália empatassem. E os australianos foram capazes de vencer, levando a uma onda de euforia no país. O jogo está bem contado aqui, por Andrés Aragón, no El Mundo. E se Graham Arnold, o selecionador australiano, já acha que a geração atual de Socceroos superou a de 2006, no Daily Telegraph australiano, Buzz Rothfield vai até mais longe: se baterem a Argentina nos oitavos-de-final, “juntar-se-ão a Donald Bradman, Ian Thorpe e Cathy Freeman na história do desporto australiano”.
Hoje vamos então conhecer mais quatro equipas apuradas. E os olhares do Mundo estão no confronto entre Croácia e Bélgica, que a geração dourada belga precisa de ganhar – o que eliminaria os croatas, a não ser que Marrocos perdesse com o Canadá – ou em alternativa de empatar e de esperar que os marroquinos sejam derrotados por três golos. Já se vê que quem tem a faca e o queijo na mão são os marroquinos, que à mesma hora defrontam um Canadá já eliminado, a saber que o empate os coloca nos oitavos-de-final. Mathieu Grégoire escreve, no L’Équipe, acerca do sonho marroquino. O dia está ainda a ser marcado por receios entre as autoridades belgas, tendo em conta a imensa comunidade de emigrantes marroquinos: como explica Gauvain dos Santos, no La Dernière Heure de hoje, a soma da eventual derrota belga à festa dos marroquinos pelas ruas pode ser o rastilho ideal para confrontos provocados pela extrema-direita anti-imigração. Mais à noite, Alemanha, Espanha e Japão lutarão pelas duas vagas num grupo em que, na verdade, até a Costa Rica pode apurar-se.
E é só amanhã que fecha a fase de grupos, ainda que muitas equipas já estejam a pensar nos oitavos-de-final. É o caso de Inglaterra, onde continua o debate acerca da decisão que Gareth Southgate vai ter de tomar, entre Rashford e o seu preferido, que é Sterling. O jornalista Matt Law, do Daily Telegraph, recorreu aos dados estatísticos da FIFA acerca dos jogos de Inglaterra para explicar que Sterling não tem estado bem e que, mais, Kane não tem sido ponta-de-lança. E é a partir daí que descreve a situação como um “dilema”. Jacob Steinberg, no The Guardian, vai mais longe e liga as duas coisas quando defende que “Rashford pode melhorar Kane”. Mas é também o caso do Brasil, onde um trabalho de Samuel Fernandes na Folha de São Paulo mostra as previsões dos diversos modelos matemáticos, sendo que todos dão o escrete como potencial vencedor. Um desses modelos, o único construído por brasileiros, coloca a Bélgica como segunda favorita. E isso já me parece que seria uma surpresa.
Conversas de Bancada
A Ler:
Why Cameroon sent Andre Onana home from the World Cup, por Dermot Corrigan, no The Athletic, explica as razões da expulsão do guarda-redes do Inter da seleção dos Camarões, desde as divergências tácticas com Song à intervenção de Eto’o e do governo camaronês.
Japón busca al mejor Kamada, por Lorenzo Calonge, no El País, deriva da devoção dos adeptos japoneses ao Deus do Pé e ao seu santuário, em Toyonaka, até à insatisfação do melhor dos jogadores japoneses com o que já fez neste Mundial.
Musiala, talent sans frontières, por Anthony Clément, no L’Équipe, desenha o perfil da jovem estrela emergente na seleção alemã através das palavras dos seus colegas de equipa neste Mundial.
El culebrón de la ‘generación Louis Vuitton’ de Bélgica, por Orfeo Suárez, no El Mundo, é uma síntese de todos os problemas enfrentados por uma equipa que tem jogadores que preferem nem se ver uns aos outros, por razões pessoais.
When VIP isn’t exclusive enough: welcome to VVIP, por Sarah Lyall e Christina Goldbaum, no The New York Times, é uma viagem aos locais mais exclusivos dos estádios deste Mundial, onde o álcool corre livremente.
Who made your World Cup jersey, por Elizabeth Paton, no The New York Times, regressa ao tema das condições miseráveis de trabalho e de vida dos trabalhadores asiáticos que fazem os equipamentos vendidos a preço de ouro pelas marcas que equipam as seleções.
Alexis, el menos parecido a los MacAllister, por Gastón Leturia, no Clarín, conta a história do médio que ontem fez o primeiro golo da Argentina à Polónia e da herança genética do avô, Pocho Riela, o avô materno, que foi craque a nível regional.
Football ‘experts’ all owe Arnie a massive apology, por Robbie Slater, no The Daily Telegraph australiano, recorda que o treinador dos soceroos esteve à beira de ser despedido antes deste Mundial, mas que mesmo assim a equipa fez história.
Why Southgate stays in his dugout, por Jason Burt, no The Daily Telegraph, explica as razões pelas quais o selecionador inglês opta por ficar sentado no banco em vez de ver os jogos em pé da área técnica.
‘Doing you best is nothing’: what it’s like to play for Louis van Gaal, por Nick Miller e Daniel Taylor, no The Athletic, parte da conturbada relação do selecionador holandês com Rivaldo para explicar como van Gaal coloca sempre o coletivo primeiro.
Cissé’s Senegal are bristling with self-belief and they will give England toughest test so far, por Ed Aarons, no The Guardian, analisa as forças e as fraquezas da seleção do Senegal, que a Inglaterra vai encontrar nos oitavos-de-final.
A Ouvir
É dia de ir “down under” e recordar o sotaque de Paul Hogan no Crocodile Dundee a ouvir o GegenPod, um podcast produzido pela Optus Sport, na Austrália, que durante o Mundial alterou a sua periodicidade de semanal para diário. Na edição de hoje, gravada já depois da proeza que foi a vitória da seleção australiana sobre a Dinamarca, Teo Pellizzeri recebeu dois antigos internacionais australianos – Scott McDonald e Tommy Oar. São dadas explicações para o sucesso desta geração de Soceroos, incluindo a teimosia de Graham Arnold, e parte-se das cenas de euforia que se viram por toda a Austrália nas celebrações da vitória sobre a Dinamarca – que aconteceu durante a madrugada – e do facto de alguns destes jogadores estarem a jogar na Liga interna para o pedido de maior atenção à A-League. No final, fazem-se contas ao que vem aí, uma Argentina que de acessível não tem nada.
A ver
Croácia-Bélgica, 15h, RTP1 e Sport TV1
Canadá-Marrocos, 15h, Sport TV2
Japão-Espanha, 19h, RTP1 e Sport TV2
Costa Rica-Alemanha, 19h, Sport TV1
Renasceu a Argentina
Os argentinos fizeram o qud quiseram da Polónia.
Não marcaram mais, porque não quiseram.
Excelentes jogadores