Querem o treinador ou a ideia?
O Benfica está a avançar para Roger Schmidt. Ao fazê-lo, quer o treinador ou a ideia de futebol que ele defende? É que esta pode levar a uma revolução e convém o clube estar preparado para isso.
Roger Schmidt está na calha para ser treinador do Benfica em 2022/23 e por estes dias já toda a gente viu, ouviu ou leu referências ao futebol vertiginoso e pressionante do técnico alemão, apresentado como panaceia para todos os problemas do clube. Vejo em Schmidt uma coisa que nunca vi nos antecessores estrangeiros escolhidos por Rui Costa, ainda nos seus tempos de diretor desportivo de Luís Filipe Vieira – uma ideia. Mas é preciso que na Luz percebam que essa ideia traz a conta agrafada e que, para terem sucesso, têm de pôr tudo em causa, sem tabus. Porque essa teoria segundo a qual um bom treinador tem de ser capaz de pegar em qualquer grupo de jogadores já foi chão que deu uvas. É evidente que qualquer treinador pode pegar em qualquer plantel, mas acima de um determinado nível todos eles são mais facilmente potenciáveis se puderem constituir o seu próprio grupo, um grupo que sirva como uma luva às suas ideias. Acreditar no contrário é negar a importância de um treinador numa equipa de futebol.
Já ontem, brevemente, no Futebol de Verdade (que pode ver aqui), manifestei as minhas mais sérias dúvidas acerca do timing “escolhido” para a fuga de informação. Sei que estas coisas nem sempre são controláveis e até que a revelação de que Nélson Veríssimo não seguirá pode ter na equipa efeitos muito diversos. Depende de cada grupo – tanto pode levar os jogadores a desmobilizar em vésperas de um jogo fundamental, em Braga, na luta pelo segundo lugar, como pode levá-los a um extra de empenho e concentração para permitirem ao treinador sair em altas... –, mas o mais habitual mesmo é que os efeitos sejam nocivos. Mas admitamos que não houve escolha e que o facto de o nome de Schmidt ter saltado para o topo da atualidade se deveu a fatores incontroláveis pelo Benfica. Seria inteligente mudar de rumo só porque, do lado de lá, alguém deu com a língua nos dentes? Já vi acontecer, mas creio que não. Se o que o Benfica procura é uma ideia e acha que ela está personificada naquele treinador, então tem de o assumir, deixando de parte esses pequenos percalços. E tem de o assumir daqui para a frente, mesmo se o treinador olhar para o plantel e chegar à conclusão de que precisa de o reformular de forma radical.
Já lá vai o tempo em que, em Portugal, se contratavam treinadores estrangeiros só porque vinham de uma determinada escola, porque tinham algum currículo ou, mais recentemente – e mais frivolamente também – porque tinham prestígio ou a chamada “granda pinta”. Nos primeiros tempos do nosso futebol, contratavam-se húngaros, porque a escola húngara dava cartas. A informação não circulava como agora e quando se contratava nem se sabia muito bem quem se estava a contratar. Só que era húngaro. Como depois se fez com os ingleses ou os brasileiros. Foram campeões em Portugal treinadores ingleses com zero trabalho feito no seu país – como Jimmy Hagan ou John Mortimore –, da mesma forma que por cá fracassaram técnicos brasileiros de elevado prestígio, como Aymoré Moreira, campeão do Mundo na Copa de 1962.
A abertura da porta à contratação de treinadores estrangeiros que se impunham por terem uma ideia começou em 1982, com a chegada de Sven-Goran Eriksson ao Benfica, mas a prova de que a coisa foi feita às cegas – e por acaso calhou bem – encontrámo-la no momento em que o clube foi buscar o dinamarquês Ebbe Skovdahl para lhe calçar os sapatos, em 1987. Também era nórdico e louro e as semelhanças acabavam aí.
Os treinadores estrangeiros que passaram pelo Benfica desde Eriksson não foram exemplo de sucesso. Só Giovanni Trapattoni foi campeão (em 2004/05), ainda que tenha sido o pior campeão dos últimos 50 anos, com apenas 63 por cento dos pontos conquistados. Mas esse fracasso quase geral teve a ver com as circunstâncias em que foram contratados: de todos, só um chegou em nome de uma ideia, sendo que quando os dirigentes de tal se aperceberam viram que a ideia não lhes agradava e despacharam-no ainda mais rapidamente do que o tinham contratado. Aconteceu com Tomislav Ivic, em 1992, com o episódio da redução da largura do relvado ordenada pelo croata como exemplo paradigmático desta contradição entre um treinador que pensa e dirigentes que acreditam que pensam melhor do que ele – o que, no limite, levará qualquer um de nós a perguntar por que razão contratam treinadores, então.
O que o caso-Ivic provocou – e a contratação de Artur Jorge, que fracassou na reformatação do plantel que quis fazer, agravou – foi a abdicação de contratar em nome de ideias. Greame Souness, Jupp Heynckes e José António Camacho foram todos contratados em nome de um passado e de um currículo que se esperava pudesse ajudar o Benfica a frequentar os fóruns certos no plano internacional – que ideias ainda hoje não se lhes conhecem muitas. Ronald Koeman veio como representante de uma escola holandesa de que, contudo, nunca foi dos mais lídimos representantes. E Quique Flores chegou em nome da tal “granda pinta”, de um futebol champagne que estava em voga em Espanha por aqueles dias e que por cá se olhava como sinal de modernidade – Quique era moderno em tudo aquilo que Camacho era antigo. A inversão de paradigma, o Benfica fê-la com Jorge Jesus. E por isso voltou a ganhar, a partir de 2009 – tinha sido uma vez campeão de 1995 a 2009, ganhou seis vezes a Liga nos doze anos que se seguiram.
Sei que nestas alturas se abrem as portas a muitos abusos. A partir do momento em que entra num clube e quer impor as suas ideias, um treinador é quase visto como um inimigo, fazendo dos dirigentes os guardiões da pureza do emblema, os travões que lá estão para o impedir de abrir a porta a um séquito de empresários amigos, interessados em encher os bolsos à conta das reformas necessárias. E é isso que o Benfica tem de ter muito claro antes de avançar para a contratação de Schmidt. O futebol que o treinador alemão professa pede muita gente na frente, pressão alta e intensa, abuso do passe vertical, um par de médios de grande rigor posicional, linha defensiva a jogar alto e a controlar a profundidade, capacidade de sair a jogar por trás, com intervenção do guarda-redes. É garantia de sucesso? Não. É um passo, mas só por si não garante nada, como está a ver-se com Ralf Rangnick no Manchester United, de resto. Em qualquer clube, a aplicação destas ideias pode levar a que tenha de se fazer uma razia no plantel. No caso do Benfica, mesmo tendo em conta o elevado potencial de alguns jovens da equipa B, implicará provavelmente que seja necessário contratar muito, também. Antes de avançarem, os dirigentes do Benfica têm de respirar fundo e perguntar a si mesmos: “Estamos preparados para isto ou, na verdade, vamos contratar um treinador mas achamos que sabemos mais do que ele?”
Acho que Rui Costa e os responsáveis pelo futebol do Benfica têm e estão a ter tempo para refletir bem sobre o que querem para a próxima época e até acho bem o facto de não se ter contratado logo um treinador, isto pede reflexão e o próximo treinador pode ser uma viragem na forma de jogar do Benfica. O próximo treinador do Benfica se for escolhido pela ideia de jogo que ele pode trazer, o Rui Costa vai ter de o apoiar ao máximo naquilo que ele precisar, mesmo que isso implique sair 10 jogadores e jogadores importantes do balneário, porque se não for esse o caso então não vale de nada trazê-lo. Vai ser JJ bis. Os adeptos do Benfica pediram limpeza, então se for esse o caminho vamos lá, mas depois que não se venham queixar que não bateu certo porque saíram jogadores a mais. Eu como adepto quero é que o Benfica ganhe, seja com X ou Y e se isso passar por uma limpeza radical então bora. Cumprimentos
Em primeiro lugar os dirigentes têm que perceber as limitações que o plantel tem, que aliás não é tão bom como o pintam e é muito desequilibrado. Depois há que estar preparado para dar tempo para trabalhar e não exigir resultados imediatos e muito menos resultados irrealistas, e aqui surge outro problema que é o de gerir as expetativas da massa associativa e da maioria silenciosa.