Quem precisa mais desta Taça?
O FC Porto já é campeão, mas tem-se mostrado incapaz nas últimas finais. O Benfica precisa de salvar a época, mas será a Taça suficiente para apagar os sete pontos de vantagem desbaratados?
A época mais longa de sempre do futebol português vai acabar amanhã com o jogo entre as duas melhores equipas da Liga. FC Porto e Benfica defrontam-se na final da Taça de Portugal, com natural favoritismo portista, porque se trata do campeão, mas travão a fundo na euforia antecipada pela dobradinha tão desejada, pois ainda na época passada o Benfica ganhou os dois clássicos do campeonato e foi batido no único jogado em campo neutro, a meia-final da Taça da Liga, em Braga. Isso não veio salvar a época do FC Porto – até porque depois perdeu a final com o Sporting – como uma eventual vitória no jogo de amanhã não salvará a temporada do Benfica. O que estará em jogo em Coimbra é mesmo só um troféu, apesar de tudo mais importante para o FC Porto.
Perguntarão os artistas da polémica: porquê mais importante para o FC Porto, se os dragões até se sagraram campeões nacionais? A explicação é simples. Vista num ponto de vista mais histórico, esta época do Benfica será sempre negativa, com ou sem Taça de Portugal. Será uma época em que os encarnados desbarataram uma vantagem de sete pontos à viragem da Liga, demitiram o treinador e as coisas lhes correram mal. Vai entrar nos anais, como entrou, por exemplo, a temporada de 1976/77 (a de Hagan) para os sportinguistas. Enquanto isso, para o FC Porto, é uma oportunidade de dar uma prova de vida, de mostrar que esta equipa – não falo do clube, falo desta equipa em particular – também sabe ganhar finais, depois de ter perdido as duas que jogou na época passada, ambas contra o Sporting de Keizer. O que está em causa não é a superioridade global, pois o FC Porto foi superior, acabando a Liga com cinco pontos de avanço e ganhando os dois clássicos, ambos em momentos nos quais o adversário parecia mais forte: os 2-0 na Luz seguiram-se a um início de época retumbante das águias, que até tinha incluído um 5-0 ao Sporting na Supertaça, e os 3-2 no Dragão aconteceram quando a desvantagem na tabela se cifrava nos tais sete pontos, levando os mais afoitos a arriscar que estaríamos perante o final antecipado do campeonato. O tal “xeque-mate” de que Jorge Nuno Pinto da Costa não se cansa de falar.
O que está em causa é a capacidade de o FC Porto impor essa superioridade num só jogo perante um adversário que tem pouco a perder e a ganhar e que desde o momento em que resolveu o dossier-treinador parece ter encontrado a tranquilidade, bem expressa nas quatro vitórias e um empate alcançados nos cinco jogos com Nélson Veríssimo. Era Bruno Lage que estava a travar a equipa? Claro que não. Era a situação de indefinição acerca do treinador, o facto de os jogadores saberem – sabem sempre – que a estrutura queria o treinador dali para fora, que estava a inibi-la, a impedi-los, nem que fosse de forma subconsciente, de acreditar na liderança e dar tudo por ela. Agora, não só os jogadores do Benfica sabem que nada lhes salvará a época, como sabem que Veríssimo os comanda mas que o futuro condutor, Jorge Jesus, vai estar a vê-los com a atenção aos detalhes que lhe é caraterística. Há pressão positiva, que até pode desinibir a equipa e ajudá-la a reduzir a desvantagem face a um adversário que em todos os confrontos desta época mostrou ser mais forte.
Do outro lado, as questões que se colocam são até que ponto a conquista da Liga terá sido um aliviar da pressão competitiva e até que ponto é que a incapacidade que a equipa tem revelado nas últimas finais poderá funcionar como foco de dúvida interna. Ambas as situações podem conduzir a desfechos diferenciados. Aliás, elas próprias são contraditórias, mostrando que o Mundo não se desenha a preto e branco. O facto de entrarem em campo como campeões, de esta época vir a ser vista inevitavelmente como um sucesso, pode deixar os jogadores mais saciados, com menos fome de vitórias, mas ao mesmo tempo mais seguros e confiantes e mais propensos a mostrarem o melhor de cada um. Já o facto de o FC Porto ter perdido as quatro últimas finais que jogou – Taça de Portugal em 2018/19 com o Sporting e em 2015/16 com o SC Braga e Taça da Liga esta época, com o SC Braga, e na anterior, com o Sporting – pode estimular-lhes o sentimento de revolta, a vontade de ganhar, mas ao mesmo tempo deixá-los com dúvidas acerca da sua própria capacidade para se imporem neste tipo de contexto. Depende sempre do perfil psicológico de um grupo e da capacidade do líder o impulsionar. É este o grande desafio de Sérgio Conceição.
Futebolisticamente, não se esperam grandes novidades. Taticamente, esta época, Conceição encontrou sempre a forma de combater o Benfica de Lage, que é muito aquele que aparecerá amanhã, pois Veríssimo não alterou processos. De um lado, um Benfica que mete muito do seu jogo na capacidade de acelerar nos últimos 30 metros e na boa transição ofensiva, sobretudo quando tem Pizzi e Rafa, mas ao qual vem faltando a qualidade ofensiva de Grimaldo e sobra indefinição a meio-campo, prejudicando-lhe o jogo interior. Do outro, um FC Porto cujo DNA não muda muito de jogo para jogo: é pressão, grande resposta à perda da bola e capacidade de explosão e de ataque à profundidade, não só devido às diagonais de Marega, mas também graças à qualidade e ao timing de passe de Otávio e Corona. Num bom dia, qualquer destas duas equipas pode ganhar à outra. A questão será a de saber quem vai estar em bom dia amanhã.
PS – O ambiente na final é que será diferente do habitual. Em vez da festa de público do Jamor, teremos as bancadas vazias de Coimbra. Pinto da Costa já disse – e com razão – que devia haver público e que se o Jamor não serve para a B SAD – que lá jogava as partidas da Liga – também não seria adequado para a final da Taça de Portugal. Foi uma mensagem clara para a DGS, que em princípio deverá responder em breve com o aliviar das restrições, e para o Instituto do Desporto. Creio que público acabaremos por ter no início da época que aí vem, falta saber se o Jamor será alvo da intervenção que lhe devolva a possibilidade de ser o salão de festas do futebol nacional já em Maio de 2021. Porque uma final no Estádio Nacional tem, de facto, outro encanto, não só para quem vê como para quem a joga.