Quem é que Mendes quer que ganhe a Liga?
O super-agente está de boas relações com os seis primeiros da Liga, mas o mercado nacional tem regras próprias e a liquidez nunca chegará para satisfazer todos. Terá ele virado agulha para o FC Porto?
A transferência do jovem avançado Fábio Silva (534 minutos e três golos na equipa principal) do FC Porto para o Wolverhampton WFC, por 40 milhões de euros, teve o especial condão de inverter os papéis entre os adeptos que denunciavam o “carrossel” de Jorge Mendes como uma “trafulhice” e os que valorizavam a extraordinária formação do seu clube acima de quaisquer negociatas – e não vou agora dizer que isso não é relevante. Porque é. Porque o negócio deve levar-nos a refletir sobre uma série de questões, como a grande qualidade desta fornada de jovens jogadores portistas ou a opção de vender talentos tão jovens em vez de os deixar medrar um pouco, ganhar com eles e negociá-los mais tarde, mas uma das perguntas fulcrais a fazer é precisamente esta: quem é que Mendes quer que seja campeão nacional em 2020/21?
Dir-me-ão alguns que o maior agente de jogadores português não tem de ter preferências – só tem de fazer os negócios. E se conseguir fazer negócios com os clubes mais apetrechados de bons jogadores, tanto melhor para ele, que assim aumenta a sua quota de mercado. Ainda assim, o mercado, pelo menos um mercado periférico mas já importante como é o português, joga-se antes de tudo nas influências. A generalidade dos maiores clubes nacionais precisa da exportação para viabilizar orçamentos e para ter condições de colocar o mercado interno a funcionar. E, mesmo não podendo ombrear com os maiores da Europa nesse particular, os maiores clubes nacionais já são de uma dimensão tal que nem um gigante como Mendes é capaz de assegurar a necessária liquidez a todos. O dono da Gestifute até pode conseguir o milagre de estar de muito boas relações com os seis primeiros classificados da última Liga, como aparentemente sucede, mas a realidade do mercado nacional dificilmente lhe permitirá mudar a que foi a sua estratégia nos últimos anos, em que privilegiou claramente a parceria com um deles e em que só esse beneficia claramente desta associação. No caso foi o Benfica de Luís Filipe Vieira.
Foi de e para a Luz que Mendes conseguiu as transferências mais sonantes e milagrosas do passado mais recente, com os clubes que vieram a ser identificados como pertencendo ao “carrossel” – Valência CF, AS Mónaco, Wolverhampton WFC, Atlético Madrid… – sentados do outro lado da mesa, a permitirem-lhe completar vários negócios acima dos valores tidos como de referência pela maior parte dos especialistas. Como a meio da década anterior acontecera, por exemplo, nas muitas saídas que patrocinou para o Dynamo Moscovo, clube cujos milhões também alimentaram Sporting ou SC Braga, mas que se abasteceu sobretudo no FC Porto recém-campeão europeu. A sensação que fica é a de que é a influência simultânea do agente nos clubes vendedores e compradores que permite estes negócios, feitos do lado de lá em nome da confiança na capacidade do agente para identificar jogadores promissores e para depois os revender com lucro e do lado de cá em nome de uma promessa de privilégio própria de uma parceria. Afinal de contas, mesmo tendo investido muito no mercado nestes últimos anos, realizando várias operações em torno dos 20 milhões de euros, o Benfica aproveitou a parceria com Mendes para vender ainda melhor e para usufruir de uma situação financeira que o próprio presidente Luís Filipe Vieira classificou recentemente como sendo “robusta e consistente”.
O que terá então levado Mendes a virar-se para o Dragão? Provavelmente não é questão de preferência nem de quebra de confiança. Sim, há o tema Jesus – que em 2015, quando saiu do Benfica, terá recusado a oferta do agente para ir trabalhar para o Médio Oriente, optando antes por assinar pelo Sporting, e a cujo regresso à Luz se diz que Jorge Mendes não terá achado muita piada. Seja por ter dado o grito de independência nessa altura ou por ter ideias muito próprias acerca dos jogadores que quer. Mas creio que haverá sobretudo questões de oportunidade. É o FC Porto que está neste momento mais necessitado, devido à intervenção da UEFA, por ter caído debaixo da alçada do Fair-Play Financeiro – e boa parte da posição negocial favorável está na capacidade para fazer negócios com quem mais deles precisa – e, sobretudo, é no FC Porto que está a aparecer uma geração de talentos que foi capaz de ganhar a UEFA Youth League em 2019 e que é bem capaz de assegurar ao clube a sucessão ao Benfica como vencedor do prémio para a melhor academia de formação nos Globe Soccer Awards do Dubai, no final do ano. E, além de Fábio Silva, Mendes até já assinou contrato com vários desses jovens valores que começam a despontar na equipa de Sérgio Conceição, como Diogo Leite, Tomás Esteves ou Vitinha.
Uma vez que a diferença entre um negócio de 40 milhões, como foi este de Fábio Silva, e um de 120 milhões, como o de João Félix há um ano, pode muito bem ser a influência do jogador na conquista da Liga, tudo parece indicar que, depois de terem sido parceiros e rivais, Jorge Nuno Pinto da Costa e Jorge Mendes voltarão a cair nos braços um do outro e que o mais influente dos agentes do mercado do futebol mundial quererá ver os dragões com mais força. Não que isso seja fundamental no campo – nos últimos três anos, com Mendes alinhado com o Benfica, o FC Porto ganhou dois campeonatos. Mas lá que pode ser uma ajuda nas finanças, isso ninguém negará.