Quando milhões rima com campeões
Há uma série de verdades postas à prova pela entrada de Conte no Tottenham. Uma diz que ele gasta muito. Outra que ganha campeonatos. 911 milhões depois, os Spurs são o desafio ideal para o italiano.
Olha-se para o percurso de Antonio Conte como treinador e há três verdades que são quase imutáveis: não entra em clubes a meio da época, a sua contratação leva a investimentos sem precedentes e no seguimento de tudo isso obtém bons resultados. Pronto, com jeito, pode até haver quatro verdades imutáveis: quando pressente que o clube vai desinvestir, salta fora e deixa-se querer por quem possa dar-lhe possibilidades de um novo início de ciclo. Foi assim na Juventus, no Chelsea e no Inter Milão, onde gastou 911 milhões de euros em sete épocas, mas conquistou cinco títulos de campeão. A ver vamos se o Tottenham, com quem assinou contrato de ano e meio, até Junho de 2023, para substituir Nuno Espírito Santo, é o lugar ideal para a continuação da caminhada de um dos mais bem sucedidos treinadores italianos da sua geração.
Sucede que, como pode inferir-se, é também um dos mais gastadores. E um dos mais exigentes, não só com os jogadores, mas com os dirigentes. Ter Conte é meio caminho andado para os títulos, mas é também a certeza de que ou há milhões para gastar ou acaba tudo em discussão, confusão e separação. À chegada a Londres, Conte tem à espera dele Fabio Paratici, o diretor desportivo que conheceu na Juventus, onde com ele e Giuseppe Marotta, o diretor-geral, formou uma tripla imbatível até ao momento em que o presidente Andrea Agnelli resolveu fechar a torneira. Paratici assinou pelo Tottenham em meados de Junho, já não a tempo de convencer Conte a aceitar o convite feito pelo clube londrino no Verão, numa tempestade perfeita que levou à contratação de Nuno Espírito Santo. Agora, o treinador italiano espera ter no diretor desportivo um aliado capaz de o ajudar a convencer Daniel Levy, o presidente, a gastar o suficiente para conquistar títulos. Porque, lá está, uma das verdades acerca de Conte é essa: ganha títulos.
Mas, espera. Outra não era que não aceitava trabalhos a meio das épocas? E agora aceitou. OK, em bom rigor, esta não será a primeira vez que Conte entra num clube a meio de uma época. O técnico de Lecce, no sul de Itália, já começou duas vezes a trabalhar a meio das temporadas: no Bari, em Dezembro de 2007, e na Atalanta, em Setembro de 2009. Foram exceções num percurso marcado pela repetição de padrões e próprias de quem, em início de carreira, não podia dizer não. Porque a regra de Conte é a de começar sempre as épocas. Foi assim em Arezzo, em 2006, onde suportado numa longa carreira, primeiro de médio em vários clubes da Série A e na seleção italiana, e depois de adjunto de Luigi Di Canio no Siena, teve a primeira experiência como técnico principal. Não correu muito bem. Os seis pontos de penalização derivados do escândalo Calciopoli levaram-no a experimentar desde logo o travo amargo da despromoção: acabou a Série B em 20º lugar e caiu, apesar da relação forte que foi capaz de estabelecer com os jogadores ou do arrojo tático que o levou a encarar a maioria dos jogos numa espécie de 4x4x2.
Demitido e readmitido
Essa foi uma época estranha, porque Conte foi demitido em Outubro, substituído por Maurizio Sarri, regressando em Março a uma equipa que ocupava a última posição e parecia condenada. Os 24 pontos que fez nas últimas dez jornadas não lhe chegaram para evitar a descida, mas foram suficientes para que, fazendo contas, se percebesse que sem os seis pontos de penalização o Arezzo teria sido 11º e ter-se-ia salvo. Foi com essa imagem que Conte encarou os meses de paragem até ser contratado pelo Bari, após o Natal de 2007. Uma derrota no dérbi da Puglia, por 4-0, com o Lecce, em casa, deixara a equipa na 16ª posição e levara à saída de Giuseppe Materazzi, antigo treinador do Sporting. Conte perdeu três das primeiras quatro partidas, mas a partir daí entrou nos eixos a deixou a equipa no 11º posto final. Um preâmbulo do que estava para vir, pois em 2008/09 conseguiria mesmo o primeiro lugar na Série B e a tão desejada promoção ao escalão principal, que o clube sulista há tanto tempo procurava.
Antevendo que não teria vida fácil na Série A, Conte renovou mas depois rescindiu contrato com o Bari. Passou pelo banco da Atalanta, entrando em funções em meados de Setembro e demitindo-se em Janeiro, mais uma vez porque não via ali condições para ter sucesso: e aí teve razão, porque a equipa de Bergamo desceu mesmo. Em contrapartida, o Bari fez um campeonato tranquilo. O jovem treinador já revelava uma enorme preocupação em pegar nas equipas certas, mas ainda não desenvolvera a capacidade para perceber tão bem quais eram.
Conte acabou por pegar no Siena, que subiu à Série A logo à primeira tentativa, em Maio de 2011. E isso valeu-lhe o ingresso na Juventus, que ainda não se reencontrara depois de ter sido punida com a despromoção à Série B, na sequência do escândalo Calciopoli. A ‘Velha Senhora’ tinha sido sétima no campeonato e caído na fase de grupos da Liga Europa, com seis empates em outros tantos jogos, quando o chamaram para regressar a casa. É que, antes de ser a aposta firme da dupla Giuseppe Marotta-Fabio Paratici para comandar o grupo, Conte já tinha sido capitão da equipa alvinegra enquanto jogador. E aqui, com meios à disposição, viram-se imediatamente mais duas facetas do Conte treinador – o investimento e a obtenção de resultados.
MIlhões, milhões… e títulos
Logo na primeira época de Conte à frente da Juventus, o clube de Turim duplicou o valor investido no mercado de transferências. Face aos 59 milhões de euros gastos em 2010/11, gastou agora 101,8 milhões. Boa parte foi dispendida no pagamento das cláusulas de compra de jogadores que estavam emprestados – Matri do Cagliari Calcio, Quagliarela do SSC Nápoles ou Pepe da Udinese –, mas houve ainda assim investimentos vultuosos nas compras de Vucinic à AS Roma (15 milhões), Vidal ao Bayer Leverkusen (12,5 milhões) ou Lichststeiner à Lazio (9,9 milhões). Tudo somado chegou para ganhar o scudetto, numa época sem participação nas competições da UEFA.
E daí para a frente houve a tentação da gestão. Na segunda época de Conte, o clube gastou 72,8 milhões de euros, com destaque para as aquisições de Asamoah (18 milhões à Udinese), Isla (13,9 milhões também à Udinese), Gabbiadini (11 milhões, vindo da Atalanta) ou Giovinco (11 milhões, ex-Parma). Ganhou a Série A e a Supertaça, ficando nos quartos-de-final da Liga dos Campeões. Por fim, na terceira época, verificou-se algo de raro numa equipa de Conte: a balança de transferências foi positiva, com 45,5 milhões de euros gastos e 69 milhões recebidos. Das entradas não houve uma que tenha feito história, sendo o jogador mais caro o italo-nigeriano Ogbonna, contratado ao Torino por 15 milhões. Entre as saídas apareciam Immobile, Gabbiadini, Matri ou Zaza.
Se é para poupar, vou ali e já venho
A Juventus voltou a ganhar a Liga, mas caiu da Champions na fase de grupos e foi afastada da Liga Europa pelo Benfica, nas meias-finais. A eliminação não foi bem vista pelos adeptos, mas o clube renovou o contrato a Conte. Foi este, no entanto, que em plena pré-época de 2014, se demitiu. Assumiu a seleção italiana até à fase final do Euro’2016, altura em que se deixou seduzir por Roman Abramovich e pegou no Chelsea. Tal como sucedera na Juventus, Conte encontrou em Londres uma equipa muito abaixo do esperado. Apesar de um investimento de 96,5 milhões de euros, os blues tinham acabado a Premier League de 2015/16 na 10ª posição, caindo da Champions nos oitavos-de-final. Com Conte, já se sabe, aumenta o investimento: em 2016/17, Abramovich teve de largar 132,8 milhões de euros para aquisições, sendo a fatia maior para a incorporação de Batsuhayi, contratado ao Olympique Marselha por 39 milhões. O belga fracassou, mas nesse Verão chegaram ainda Kanté (35,8 milhões, ex-Leicester City), David Luiz (35 milhões, ex-Paris Saint Germain) ou Marcos Alonso (23 milhões, ex-Fiorentina). O resultado foi o título da Premier League em 2016/17. E, já se sabe, a escalada no que diz respeito a investimento.
Em 2017/18, o Chelsea deixou 260,5 milhões de euros no mercado de transferências, com a maior fatia representada pelos 66 milhões pagos ao Real Madrid por Morata, que Conte já tinha pedido na Juventus. Chegaram ainda outros três jogadores com custo superior a 30 milhões de euros: Bakayoko (40 milhões, ex-AS Mónaco), Drinkwater (37,9 milhões, vindo do Leicester City) e Rudiger (35 milhões, proveniente da AS Roma). A época, contudo, acabou por ser um fracasso, com uma única conquista – a Taça de Inglaterra – e um quinto lugar na Premier League que implicava a ausência da Champions seguinte. E desta vez foi o Chelsea, onde o dinheiro nunca acaba, a pôr termo à relação, demitindo Conte para contratar o seu compatriota Maurizio Sarri. O tal com quem já protagonizara aquela troca rocambolesca de lugar no Arezzo.
O velho amigo Marotta
O treinador de Lecce já podia então dar-se ao luxo de optar por um ano sabático e esperar pela ocasião certa para voltar ao trabalho. E foi o que fez. Até que à porta lhe apareceu outra vez Giuseppe Marotta. O antigo diretor-geral da Juventus ocupava agora a mesma posição no Inter, que já não era campeão italiano desde 2010. Em 2019, apesar de um investimento de 97,6 milhões de euros em jogadores novos, acabara a Série A na quarta posição, deixando a Liga dos Campeões na fase de grupos e a Liga Europa nos oitavos-de-final. Com Marotta e Paratici, no entanto, Conte estava em casa. Todos falavam a mesma língua e sabiam como chegar a títulos – investindo.
Assim sendo, de um ano para o outro, também o Inter reagiu à chegada de Conte com a duplicação do valor investido: em 2019/20, o clube ‘nerazzuro’ gastou 191 milhões em transferências, ali se destacando os 74 milhões gastos na contratação de Lukaku ao Manchester United, os 27 milhões pagos por Eriksen ao Tottenham ou os 22,4 milhões investidos no hoje benfiquista Lázaro, que vinha do Hertha Berlim. Não chegou. O Inter foi apenas segundo na Série A, atrás da Juventus, caiu da Champions na fase de grupos e perdeu a Liga Europa na final contra o Sevilha FC. O que fazer? Insistir, pois então. Em 2020/21, eis que a Suning, o grupo chinês que é dono do clube que outrora tinha sido um ativo da família Moratti, achou mais 107,5 milhões para investir. Chegaram, por exemplo, Hakimi (43 milhões, vindo do Real Madrid), Barella (cláusula de compra ao Cagliari Calcio de 32,5 milhões) ou Sensi (20 milhões, ex-US Sassuolo). E o título chegou. O Inter foi finalmente campeão da Série A, ainda que mais uma vez tenha caído da Champions na fase de grupos.
Sabendo do desinvestimento que aí vinha – na época em curso, o Inter Milão ainda gastou 36 milhões, mas teve vendas no valor de 200 milhões de euros – Conte saltou fora. Demitiu-se e ficou à espera. No Verão, quando o Tottenham foi falar com ele para pegar na equipa e a levar aos títulos, disse que não. Agora, que já lá tem o velho amigo Fabio Paratici, o tal que fala a mesma língua dele, aceitou. Conte confiará que, com Paratici, conseguirá convencer Daniel Levy, o presidente do clube, a gastar os milhões que ele depois sabe transformar em títulos. E o Tottenham bem precisa. Não é campeão inglês há 60 anos, desde 1960/61. Desde aí ganhou cinco Taças de Inglaterra, duas Taças UEFA e uma Taça das Taças. É pouco, até para os padrões a que Conte está habituado nas equipas em que costuma pegar. Mas, já se sabe. Isso só tem uma forma de se resolver. É conjugar o poema preferido de Conte, aquele em que campeões rima com milhões.
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