Portugal e o Mundial de 2030
A decisão política de avançar está tomada e serve de pouco debatê-la. Mas ainda vamos a tempo de pensar no que a candidatura à organização do Mundial de 2030 pode trazer ao desporto português.
A avaliação da bondade de uma candidatura à organização de um Mundial de futebol deve ser, antes de mais, um ato político. Porque os dois lados da questão são válidos. Um Mundial é um instrumento importante para um país cuja economia depende bastante das receitas do turismo, como é o caso de Portugal, mas também será sempre um sorvedouro de dinheiros públicos, que podiam fazer a diferença na educação ou na saúde. É uma oportunidade para subir a autoestima nacional, mas também pode ser uma forma de manter o povo entretido e anestesiado, desatento a outros problemas. É branco e negro. Bom e mau. Mas a decisão, que é política, está, aparentemente, tomada: no ato oficial de lançamento da candidatura conjunta de Portugal e Espanha à organização do Mundial de 2030 estavam o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o Primeiro-Ministro, António Costa. Resta agora tentar perceber como fazer as coisas bem.
Primeiro aspeto a ter em conta: a podridão de que se rodeia a atribuição das fases finais, que já levou a inúmeras suspeições, muitas investigações e até algumas condenações. Há que ter a noção – e em Portugal ela existe pelo menos desde a vitória na corrida à organização do Europeu de 2004 – de que os meandros destas decisões, na UEFA como na FIFA, são sinuosos e que neles se avalia muito mais do que a capacidade de um determinado país para organizar uma competição. Mas é verdade que no capítulo do peso institucional dentro das federações internacionais poucas associações terão neste momento mais força do que a portuguesa – o trabalho de Fernando Gomes e Tiago Craveiro tem sido muito importante nesse sentido. Mas será isso suficiente? À partida, pelo menos para 2030, parece difícil. Trata-se do Mundial do Centenário, que vai decorrer exatamente 100 anos depois do primeiro, em 1930, e isso traz à compita argumentos históricos que não nos favorecem. Na luta, que abre portas no ano que vem e deve decorrer até 2024, espera-se a presença de candidaturas com peso histórico como a das federações britânicas, inventoras do jogo, ou a de Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile, sendo que os uruguaios organizaram o primeiro Mundial e venceram-no, batendo na final os argentinos.
Como se isso não bastasse, fala-se também de uma candidatura africana, encabeçada por Marrocos – que anda a concorrer desde o Mundial de 2010, o único que decorreu em África – e com a participação da Argélia e da Tunísia. O princípio da rotação continental não chega para justificar tudo e, regulamentarmente, só afasta de 2030 a Ásia e a América do Norte, porque a edição de 2022 decorrerá no Catar e a de 2026 nos Estados Unidos, México e Canadá. Mas, se este princípio fosse levado totalmente a sério, em 2030 seria altura de voltar a África, depois de o Mundial de 2014 ter sido organizado pelo Brasil e o de 2018 ter acontecido na Rússia. Perante todos estes argumentos, as forças de Portugal e Espanha, além de políticas, podem ser duas – além da capacidade de montar um excelente Mundial, com boas infraestruturas, boa hotelaria e muita diversão além do futebol, a começar pelas praias, a de poder ser uma solução de compromisso, que não favoreceria o peso histórico de uns face a outros. A segunda parte da equação servirá sobretudo para negociações de bastidores, mas a primeira pode já ser antevista face àquilo que temos para oferecer. Sendo que ainda devemos pensar um pouco mais longe e imaginar, além daquilo que Portugal terá para dar a um Mundial, aquilo que um Mundial terá para dar a Portugal.
Comecemos pelos estádios. Dirão uns que os de 2004 servem perfeitamente. E servem… para consumo interno. A questão é que aqui falamos de uma corrida que muitas vezes é pretexto para anunciar grandes feitos da engenharia ou da arquitetura – e os tempos da simplicidade acabaram com o Europeu’92, a última grande competição internacional com apenas oito seleções, que decorreu na Suécia debaixo do lema “small is beautiful”, um cartão vermelho ao desperdício. Daí para cá, a moda tem sido outra e está bem à vista dos portugueses, nos elefantes brancos que são os estádios de Leiria, Aveiro ou Algarve, tão pouco utilizados desde 2004. Esta moda atingiu o pináculo no Mundial do Catar, país que vai ficar com dez estádios tecnológica e ambientalmente perfeitos, nos quais caberá um quinto da população total do país. Mal comparado, era como se de repente Portugal construísse dez estádios com 200 mil lugares. Ainda que estejam em perfeitas condições para os jogos da nossa Liga – raramente enchem… –, a verdade é que os nossos estádios não servirão em 2030 para uma corrida com as últimas tendências da tecnologia ou da estética. Com estes, tal como estão, não ganhamos. E, dirão muitos, “antes assim, que ao menos a aventura fica mais barata”, mas a questão é que gastaremos na mesma uns milhões largos na campanha.
O que fazer então? Entrar na cegueira e distribuir benesses pelos três grandes, de forma a satisfazer a maior parte possível do eleitorado é a opção política mais popular. Mas aproveitar a ocasião para pensar realmente o que faz falta não apenas ao futebol mas a todo o edifício do desporto português, construindo infraestruturas de raiz ou requalificando as existentes em todo o país é a mais acertada.