Porque "um escudo é um escudo"
Vieira sentiu a necessidade de ir ao Brasil regatear prazos de pagamento por Lucas Veríssimo, o central que Jesus quer. Afinal, há casos em que o dinheiro vale mesmo o que vale.
Luís Filipe Vieira foi ao Brasil, ao que rezam as notícias para resolver pessoalmente a questão de Lucas Veríssimo, o defesa-central do Santos FC que Jorge Jesus quer. Além de nos mandar a todos para o século XX, altura em que os presidentes se metiam no avião para ir contratar jogadores – e, sabendo disso a tempo, os jornais ainda tinham verba para mandar uma equipa de reportagem com eles – a viagem de Vieira diz-nos mais coisas. Diz-nos, por exemplo, que o Benfica não é um mãos largas em todas as contratações. Porque aceitou descontar na hora 15 milhões de euros no valor de Rúben Dias para ter um central já veterano que o treinador nem queria assim tanto – Otamendi –, mas agora já pretende espaçar por cinco longos anos o pagamento dos 6,5 milhões de euros que os brasileiros pedem pelo jogador que Jesus quer mesmo.
Confirma-se portanto que, além de ter estado errado em muitas outras coisas, João Vale e Azevedo também não tinha razão quando, na altura em que era presidente do Benfica, dizia que “um escudo é um escudo”. Mas não é? Não! Quer dizer: depende. Depende de onde esse escudo vai ser gasto. Porque a julgar pela diferença de escrutínio em diversas operações, deve haver escudos, ou neste caso euros, que aparentemente se gastam com promessa de retorno. E há outros que, por mais promissores que sejam os jogadores que se compram, por mais que o treinador os deseje e acredite no que eles podem dar à equipa, dependem mesmo de esses jogadores virem a resultar em campo. O que nem sempre acontece. Vejam, por exemplo, o caso de Morato, o defesa-central que Jesus colocou em campo nos descontos do jogo da Taça de Portugal com a USC Paredes, para dizer depois na conferência de imprensa que lhe tinha pedido para jogar a defesa-esquerdo mas que ele não entendeu e foi fazer de terceiro central. Há 14 meses, o Benfica pagou ao São Paulo FC seis milhões de euros por 85 por cento do passe do jovem jogador – e de acordo com as notícias da altura, o dinheiro seguiu mesmo de imediato, porque permitiu ao tricolor saldar dívidas salariais ao plantel. Além de que tudo se fez sem ser preciso Luís Filipe Vieira estar a viajar para o Brasil.
No caso de Morato, um escudo era um escudo? Ou estava mais próximo do bolívar soberano da Venezuela, a moeda menos cotada do Mundo por estes dias? É que o brasileiro continua no plantel, é opção regular da equipa B do Benfica, e só contribui para a perceção geral de que o Benfica tem um problema sério com os defesas-centrais. Há Otamendi, contratado a 15 milhões de euros ao Manchester City, quando os ingleses vieram buscar Rúben Dias. Há Vertonghen, capitão da seleção da Bélgica, que chegou em final de contrato do Tottenham. Há Jardel e há Ferro, ambos já campeões pelo Benfica em alturas diferentes, mas sempre com peso na equipa. Há Todibo, que surgiu depois de Otamendi, emprestado pelo FC Barcelona. E ainda há Morato, no qual o clube investiu os tais seis milhões. Já para não falar de Gonçalo Loureiro, titular da seleção nacional de sub19 que foi finalista do último Europeu, ou Kalaica, o croata que ajuda a compor o plantel da equipa B. O Benfica tem um sério problema com os defesas centrais e é um problema de excedentes, porque os tem a mais e não tarda não saberá o que há-de fazer-lhes.
Jesus, contudo, quer Lucas Veríssimo – e o jogador parece ser uma aposta segura. Tem 25 anos, é titular do Santos FC há quatro, já fez um terceiro e um segundo lugares no Brasileirão – este, na equipa de Sampaoli, apenas atrás do Flamengo de Jesus –, é líder de grupo, seguro com bola e sem ela, mas ainda não chegou à seleção brasileira. O que é estranho, mas no caso até dá jeito, porque uma convocatória de Tite imediatamente lhe inflacionaria o preço. Vai-se ao Transfermarkt e percebe-se que Lucas é, juntamente com o francês Guilbert, do Aston Villa, o jogador de maior cartel da Wonder Sports, a agência de Emmanuel Adewole, um ex-futebolista nigeriano que está a tentar fazer pela vida no estranho Mundo do mercado do futebol. Adewole ainda não é um peso pesado, não consegue influenciar o mercado a ponto de garantir retorno do investimento e é isso que transforma a atitude do comprador e leva Vieira ao Brasil regatear prazos de pagamento para dar ao treinador o jogador que ele quer. Porque se há coisa que as suas origens humildes ensinaram ao presidente do Benfica é que o dinheiro não nasce nas árvores. E, quando assim é, já dizia o outro: “um escudo é um escudo”.