Nos últimos quatro jogos, o Sporting fez um golo e, depois de ter empatado ontem a zero com o Vitória FC, em Alvalade, entrará na Luz, na última jornada, sem a certeza do terceiro lugar e da isenção das pré-eliminatórias da Liga Europa. Esta tem de ser a razão fundamental para que os adeptos e os dirigentes leoninos não entrem em euforias com a superação de sucessivos recordes relativos aos onzes mais jovens da Liga e a uma formação redescoberta, com jogadores interessantes mas incapazes de resolver no imediato. Há várias razões para a timidez ofensiva do onze de Rúben Amorim e, sim, nenhuma é estratégica e nem todas são táticas. A qualidade dos jogadores à disposição do treinador é um fator de importância primordial.
Aquilo que mais ressalta à vista do observador neutro quando vê este jovem Sporting atuar é a lentidão. A equipa joga muito devagar, facilitando a tarefa a qualquer adversário que se plante frente à sua área, como ontem fez o Vitória FC. É verdade que um dos aspetos mais importantes para a velocidade é o espaço – ninguém acelera contra uma parede… – mas se meter um autocarro à frente da baliza fosse o suficiente para acabar um jogo a zeros nunca ninguém perderia uma partida de futebol. Ora a lentidão e a falta de intensidade do Sporting têm várias explicações e a menos importante de todas é o comportamento defensivo ou até o antijogo das equipas que defronta. Amorim falou disso ontem, após o jogo, mas também falou daquilo que pode controlar: “Temos de melhorar nas coisas básicas do futebol: o passe, a receção, o timing”. A qualidade do passe ou da receção neste Sporting andam pelas ruas da amargura. E não falo de passes transviados ou de receções falhadas – aí estaríamos no nível abaixo do básico. Falo, como falou Amorim, de passes que não acrescentam e de receções que não deixam o portador em vantagem dinâmica face ao adversário, as chamadas receções orientadas.
Já disse em tempos que a maior lição de futebol que alguma vez tive, deu-ma Johan Cruijff quando o encostei à parede no parque de estacionamento de Camp Nou para o forçar a dar-me a entrevista que o FC Barcelona me prometera. “O futebol joga-se com o cérebro” ou “a bola anda mais depressa que o homem e não se cansa” foram frases do holandês que, nesse ano de 1992, me fizeram entrar numa nova dimensão da compreensão do jogo, a dimensão em que o coletivo supera o individual e em que os princípios mais importantes não são a finta ou o remate espetacular que aparecem nos resumos mas sim a decisão, o passe e a receção. Um jogador rápido não é um jogador que corre veloz, mas sim um jogador que pensa depressa e que faz a bola circular com velocidade e de acordo com os interesses da equipa. Ora para explicar a lentidão deste Sporting – em oposição, por exemplo, ao futebol vertiginoso nos últimos 30 metros que Jesus gosta de imprimir às suas equipas – volta a ser necessário ir à lição de Cruijff. O Sporting não é lento porque os jogadores estejam em pré-férias ou porque lhe falte vontade (a “atitude” é uma das formas mais boçais de explicar um jogo de futebol). O Sporting é lento porque não tem aceleradores, gente que pense um futebol mais rápido no cérebro e que depois seja capaz de o executar nos planos do passe e da receção. E isso nota-se desde a primeira fase de construção e reflete-se não só na (falta de) vantagem com que a equipa entra no último terço e em zonas de criação como na (falta de) gente que consegue lá colocar.
Esta falta de qualidade coletiva, que tem levado, por exemplo, ao destaque de Jovane – é dos que consegue resolver no plano individual – pode ainda resultar de dificuldades de adaptação a posicionamentos que a maioria destes jogadores ainda está a aprender. Sim, o sistema está na base de tudo. O futebol é dinâmico, mas as coisas mudam consoante o posicionamento de origem e o 3x4x3 de Rúben Amorim coloca desafios a estes miúdos que eles nunca tinham enfrentado. A questão de fundo, porém, não é essa. A questão de fundo tem a ver com a capacidade que a maioria destes jogadores pode ou não vir a revelar no imediato – e aqui estou a falar de 2020/21, que está já aí à porta. Durante muito tempo ouvimos dizer em Alvalade que a formação estava praticamente destruída, fruto da ação concertada de Bruno de Carvalho e Jorge Jesus – e isso parecia coerente com a perda de espaço dos jovens leões nas seleções jovens. Depois, de repente, aparecem vários miúdos a jogar na equipa principal, sem nunca terem sequer sido sub19 – muitos passaram diretamente dos sub17 para os sub23 e são ainda juniores. Estão prontos? E do que precisam para crescer?
Até se percebe que Rúben Amorim não seja absolutamente claro no diagnóstico ao plantel – há objetivos a alcançar – mas o seu silêncio a esse respeito depois do próximo fim-de-semana, consiga ou não o Sporting acabar a Liga em terceiro lugar, pode torná-lo cúmplice num logro acerca das reais possibilidades deste grupo de jogadores sem a injeção de qualidade sénior de que eles precisam. Porque se não faz sentido ter um grupo promissor e depois não lhe dar um técnico que lhe potencie o crescimento, é igualmente estranho que se gaste aquilo que o Sporting investiu no treinador e depois fazer depender as condições de que ele precisa para ter sucesso das sobras que o mercado tiver para oferecer.