Pobreza a prometer um bom 2020/21
Pinto da Costa anunciou a renovação de Conceição, que cresce perante os desafios, como vai ser o regresso de Jesus ao Benfica. A final da Taça de Portugal foi pobre, mas há razões para otimismo.
A final da Taça de Portugal foi uma espécie de resumo perfeito da segunda metade da época futebolística em Portugal. A um Benfica incapaz de aproveitar a vantagem competitiva que as circunstâncias lhe deram – liquidez financeira no campeonato, um jogador a mais na final de Coimbra – opôs-se um FC Porto competente mas nunca brilhante e sobretudo bastante mais compenetrado, justificando amplamente a dobradinha, ainda por cima conquistada graças a dois golos em lances que lhe são tão usuais: as bolas paradas. O jogo mostrou, ainda assim, duas equipas que ficam a dever alguma coisa ao rótulo de melhores de Portugal, tão pobre foi o futebol que se viu. Na Luz, a chegada de Jesus, que será apresentado hoje, deve significar uma inflexão de política e o aumento da qualidade no plantel. No FC Porto, a renovação de Conceição, que Pinto da Costa anunciou ontem, vem dizer que o clube encontrou na certeza de presença na Champions a garantia de que pode dar ao treinador campeão reforços à altura do que aí vem para o rival.
No plano futebolístico, o vencedor foi justo. O jogo começou com um FC Porto melhor e um Benfica sem referências sequer posicionais que lhe permitissem equilibrar. É verdade que os encarnados até conseguiam sair bem de trás, respondendo à pressão portista, mas depois já lhe faltava qualidade para chegar à frente em ataque organizado. Por isso mesmo, foram as transições ofensivas da equipa de Sérgio Conceição a conduzir aos poucos lances de perigo da primeira parte. Depois da expulsão de Díaz, o FC Porto perdeu capacidade de pressionar na frente e o Benfica foi ainda mais obrigado a tomar conta do jogo – o que não conseguiu, nem sequer trocando o mais defensivo Cervi por Rafa. E não deixa de ser sintomático que os dragões tenham chegado aos golos em duas bolas paradas, uma de Alex Telles e outra de Otávio, os melhores passadores da equipa, ambas concretizadas por Mbemba, espécie de herói improvável numa equipa que impôs a sua capacidade de trabalho às probabilidades. Toda uma metáfora do que foi a temporada. Da mesma forma que não deixa de ser curioso que, a perder, os primeiros jogadores sacrificados por Nélson Veríssimo tenham sido Weigl, o reforço milionário cuja chegada coincidiu com a quebra da equipa, e Chiquinho, símbolo de uma posição (a de segundo avançado) onde há meses se percebeu que o Benfica precisa de jogadores diferentes dele ou de Taarabt.
Até final, o jogo foi sonolento, com os dez portistas que restavam em campo a controlarem o tal Benfica incapaz de se impor por ser obrigado a assumir as despesas da partida. Só o penalti cometido a seis minutos do fim por Diogo Leite e convertido por Vinicius e um recuo tático que me foi parecendo excessivo do FC Porto – saíram Otávio e Corona, dando lugar a Leite e Sérgio Oliveira – acordou uma equipa que em tempos foi especialista a jogar com velocidade e intensidade, mas à qual hoje já só resta mesmo isso, a velocidade e a intensidade. E mesmo essas dependem da motivação correta, como passou a ser o caso a partir de determinada altura: o prolongamento, de repente, já estava apenas a um golo de distância. Houve a bola no poste de Jota, mas a Taça seguiu para o Dragão, como já tinha ido a de vencedor da Liga. Mais uma vez com justiça mas sem o brilho das últimas equipas portistas a ganharem a dobradinha. Este FC Porto é uma equipa à imagem do seu treinador: um competidor extraordinário, capaz de fazer das fraquezas (como o facto de ter ficado com dez jogadores em campo) forças. Por isso mesmo ganhou os cinco clássicos da época. Foi ali, para aqueles jogos contra Benfica e Sporting, que Sérgio Conceição melhor soube unir a sua equipa, conseguindo finalmente pôr termo à malapata das finais que vinha afetando esta equipa, derrotada nas derradeiras quatro decisões, três delas nos penaltis.
E agora? Já tinha dito que Conceição é um treinador com DNA-FC Porto. Toda a construção de personalidade do treinador, o feitio de vencedor-contra-as-probabilidades, a revolta que casa com a bonomia dos momentos alegres, fazem dele o treinador ideal para este clube e levam a que provavelmente não possa ser tão feliz como ali em mais nenhum local. E não falo sequer de resultados. Falo de felicidade, mesmo. De sentimento de pertença a uma família. Não é por acaso – nem apenas pela euforia da vitória – que Pinto da Costa adotou Conceição como “neto, filho, irmão mais novo”, no discurso de ontem, no museu do clube; à chegada da taça.
Além disso, Sérgio Conceição, que ganhou o primeiro campeonato no ano em que o FC Porto nem sequer pôde ir ao mercado e o segundo na época em que perdeu mais de meia equipa titular e em que tinha pela frente um adversário que parecia imponente – os 5-0 na Supertaça ao Sporting, os sete pontos de avanço a meio da Liga… – vai ter mais um enorme desafio. O que está em causa não é só o regresso de Jesus ao Benfica. É tudo o que isso implica, não tanto em valores que os encarnados gastarão no mercado, mas sobretudo na relação entre esses valores e a qualidade do futebol que eles poderão garantir. Enquanto via o jogo, pensei algumas vezes: “que resultado gostaria Jesus de ver?” E não tenho muitas dúvidas de que para o técnico que Vieira vai hoje apresentar, as coisas não podiam ter corrido melhor. A derrota e a pobreza do futebol do Benfica quase lhe permitem repetir a frase de há 11 anos, quando prometeu que com ele a equipa ia “jogar o dobro”. Por seu turno, Sérgio Conceição terá pela frente um adversário pleno de soberba, (ainda mais) convencido de que não há quem se lhe equipare no panorama nacional.
Estão os dois como querem. 2020/21 tem tudo para ser uma época de melhor futebol.
PS – O Último Passe, tal como eu, vai de férias por duas semanas. Regressa no dia 17 de Agosto. Até lá!