Pirlo, Amorim e a geração espontânea
São raríssimos os casos de treinadores que vingam no topo sem experiência. A Juventus falhou ao nomear Pirlo, porque o escolheu a pensar no marketing e não no futebol.
Há uma coisa que José Pereira, presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF) não disse – que eu saiba – mas podia muito bem ter dito e com a qual eu concordaria em absoluto: raramente os treinadores nascem de geração espontânea. A diferença é que ele começaria a falar de canudos, de níveis no curso, de diplomas e certificados de habilitações e eu, ao escrevê-lo, estou a centrar-me mais na necessidade de se ir ganhando experiência até se chegar ao topo, de aprender com os próprios erros, e a repudiar a ideia ultimamente tão em voga neste futebol marquetizado que passa por pegar num jogador de imenso perfume e o transformar em treinador da moda. Dizem as notícias que o Arsenal procura substituto para Arteta ou que a Juventus se terá arrependido da nomeação de Pirlo, prestes a ser sacrificado em favor do regresso de Allegri. Não me espanta.
Um grande jogador não tem de dar um grande treinador. Ronaldo não será treinador porque não estará para isso. Messi porque não tem feitio. Neymar também não porque seria mais corrécio do que os mais indisciplinados dentro do grupo. Pelé não foi treinador. Eusébio até chegou a fazer parte de equipas técnicas, sobretudo como forma de reconhecimento da sua influência como embaixador, mas nunca lhe deram uma equipa para as mãos. Pronto, até houve Cruijff, mas Cruijff era um génio e por isso pôde começar logo pelo Ajax. A regra passa por crescer antes de se chegar ao topo da carreira. Jorge Jesus treinou durante 20 anos antes de assumir o Benfica pela primeira vez. Vítor Pereira tinha uma década e meia na folha de serviços quando pegou no FC Porto. Rui Vitória levou 13 anos a chegar ao Benfica e até Sérgio Conceição, mais precoce, precisou de seis épocas até ser escolhido como técnico principal do FC Porto. Não me esqueci de Bruno Lage – e se repararem estou a falar apenas dos últimos campeões em Portugal –, que tinha mais de 20 anos de presença em equipas técnicas diversas quando o encarregaram de salvar uma época que parecia perdida para o Benfica e ele acabou por ganhar a Liga.
Podia andar mais umas décadas para trás na realidade portuguesa que só encontraria uma exceção – André Villas-Boas, que nunca passara de observador de José Mourinho antes de pegar na Académica e, um ano depois, ser campeão no FC Porto. Até o próprio Mourinho, que teve a felicidade de começar como treinador principal pela porta grande, no Benfica – e mesmo assim deu um passo atrás, em Leiria, antes de ganhar o que quer que fosse –, já tinha uma década de adjunto em grandes equipas. Se conseguir ser campeão esta época, Rúben Amorim, que só dirigiu o Casa Pia por um breve período antes de pegar – também por pouco tempo – no SC Braga B, na equipa principal dos minhotos e agora no Sporting, engrossará o lote das exceções, mas com uma nuance: nenhum dos três – Villas-Boas, Mourinho e Rúben Amorim – foi jogador de charme. Nenhum dos três foi escolhido por ter andado a perfumar os relvados com a sua imensa classe – Rúben ainda foi internacional, mas não convenceria ninguém a contratá-lo com base na sua carreira de futebolista. Todos foram escolhidos em nome de outras razões, entre as quais terá estado a visão de dirigentes como Vale e Azevedo, Pinto da Costa, António Salvador ou, agora, Frederico Varandas (deles ou possivelmente de quem os aconselhava).
Aquilo que se passa neste momento na Juventus é a negação do futebol como o conhecemos. Farto de ser campeão, depois de assegurar o scudetto por nove anos seguidos, Andrea Agnelli e Fabio Paratici decidiram que a maior equipa de Itália não era bem sucedida na Europa por lhe faltar perfume no jogo. Era preciso alguém que revolucionasse a forma de pensar daquela equipa, que deitasse ao lixo a herança de gente como Allegri – que ainda por cima manteve uma fortíssima relação pessoal com o presidente –,Conte ou até Trapattoni, que eram todos demasiado focados nessa coisa chata e que não dá audiência, que é defender. Primeiro escolheram Maurizio Sarri, mas parece que ele ficava mal no banco. Não dava bons bonecos e, além do mais, parece que não se dava bem com Ronaldo. Os génios do marketing passaram então a Andrea Pirlo, que tinha zero experiência como treinador principal ou adjunto, mas quase obtivera nota máxima (107 em 110) na tese que defendeu para lhe ser atribuído o nível UEFA Pro no curso de treinadores de Coverciano. O trabalho chamava-se “O futebol de que gostaria” e baseava-se em equipas como o FC Barcelona de Cruijff e Guardiola, o Ajax de van Gaal, o Milan de Ancelotti ou a Juventus de Conte.
Estão a ver a equipa da Juventus deste ano, a equipa que vai ainda ter de sofrer bastante para garantir sequer a presença na Liga dos Campeões do ano que vem? Pois bem. Não tem nada a ver.