Parceiro, cúmplice ou otário de serviço
O Valência CF tem o efeito dos 'E's que procuramos evitar nos rótulos. É um estabilizador de mercado. Mas qual é o papel de Peter Lim? E estará ele disponível para continuar a desempenhá-lo?
Abre-se a página de Wikipedia correspondente a Peter Lim e lê-se, por esta ordem, que é “magnata, empresário, filantropo e investidor”. A presença frequente nas listas anuais dos mais ricos de Singapura comprova o primeiro adjetivo, a carreira que fez na Bolsa de Valores ou o facto de ter comprado o Valência CF, em 2014, são evidências a favor do segundo, mas o terceiro e o quarto parecem conflituantes face ao que se passa no clube espanhol, que tem sido porta de saída em alguns negócios mais difíceis de explicar do futebol português. De acordo com a generalidade da imprensa espanhola, Lim fartou-se de esmolas e a inscrição do clube na Liga está em risco, porque ele se recusa a avalizar as promissórias que permitirão aos jogadores receber, lá mais para a frente, os salários que têm em atraso relativos à época que terminou. E não é preciso ser especialista na teoria do caos ou no efeito borboleta para saber que sem o bater de asas do Valência CF, o mercado nunca será o mesmo em lado nenhum. Portugal incluído.
Este Verão, quem corre riscos de ficar apeado é o FC Porto, pelo menos a julgar pelas notícias que davam o clube espanhol como o destino mais provável de Tomás Esteves e Diogo Leite, transferidos por um valor total de 40 milhões de euros e peças chave na estratégia que permitiria aos dragões capitalizarem as necessárias mais-valias sem terem de alienar titulares habituais da equipa de Sérgio Conceição. Apeada pode também ficar a Juventus, que tem sido presença constante na balança de importações e exportações dos valencianos: o Tuttosport de hoje garante que, face à necessidade de “fazer caixa”, os italianos estão em conversações com o Valência para lhes vender Rugani e De Sciglio. O diário italiano não aponta valores para as transações, mas como o portal Tranfermarkt avalia os dois defesas juventinos num global de 21 milhões, as transações deverão fazer-se pelo menos pelo dobro. Porque o Valência CF de Lim é assim: não olha a despesas, pelo menos até ao momento em que deixa de pagar, como parece ter sido o caso com os salários dos jogadores na ponta final desta época, em que nem sequer se qualificou para as competições europeias, fruto do modesto nono lugar que obteve na Liga espanhola.
A concretizarem-se, será esse o caso dos negócios envolvendo Tomás Esteves e Diogo Leite, cada um deles avaliado pelo Transfermakt em oito milhões de euros (valor recentemente revisto em alta face ao título de campeões portugueses e às notícias do interesse valenciano). Como foi no passado o caso de Thierry Correia, o jovem lateral direito que o Transfermarkt avaliava em 400 mil euros à data da operação mas pelo qual o Valência CF pagou 12 milhões ao Sporting, há sensivelmente um ano. Ou de Rodrigo, André Gomes e João Cancelo, tripla contratada ao Benfica em 2015 por um total de 65 milhões, quando o portal alemão avaliava os três somados em 43 milhões. Pelo meio aparecem negócios mais racionais, feitos apenas marginalmente acima do valor de mercado, como as contratações de Piccini ao Sporting (oito milhões em 2018), Aderlan Santos ao SC Braga (9,5 milhões em 2015), Enzo Pérez ao Benfica (25 milhões em 2014), ou Otamendi ao FC Porto (12 milhões em 2014), mas verifica-se ainda a curiosidade de o Valência ter sido o destino de alguns dos jogadores que mais inflacionados saíram de Portugal, ainda que tenham passado de caminho por outras paragens, como foi o caso de Mangala, Nani, Garay ou Gonçalo Guedes. Tudo somado, quase seis anos depois da aclamação de que foi alvo quando foi recebido em Valência pelo presidente Amadeo Salvo, para comprar o clube, Peter Lim festejou apenas um troféu – a Taça do Rei da época passada. Pouco, para tanto investimento.
O interesse pelo Valência tem a ver naturalmente com o efeito de estabilizador artificial que o clube espanhol tem tido no mercado de topo em Portugal. Se os clubes tivessem de mostrar informação no rótulo, o do Valência CF estaria cheio de ‘E’s, aqueles componentes nocivos que tentamos evitar em tudo o que escolhemos no supermercado, porque indicam produtos processados. E se de que isto é tudo muito artificioso já me restam poucas dúvidas, aquilo que gostava de perceber neste momento é o papel de Peter Lim no passado, presente e futuro do Valência CF e, consequentemente, no equilíbrio de poderes no futebol português. Afinal de contas, Lim foi parceiro, cúmplice ou otário de serviço? E terá sido apenas o recente insucesso desportivo a motivar a mudança de comportamento do dono do clube? Ou, antes pelo contrário, nada vai mudar e tudo não passa de uma encenação destinada a justificar o falhanço de algumas operações? Os próximos dias trarão os necessários esclarecimentos.