Palhinha, André Silva e a seleção
Rúben Amorim "lançou" Palhinha para a seleção e não é difícil entender por que é que o médio do Sporting é neste momento incontornável. Ele e André Silva.
Mesmo dizendo que não quer intrometer-se no trabalho de Fernando Santos, Rúben Amorim lançou há dias João Palhinha para a seleção nacional, ao afirmar que o médio do Sporting tem caraterísticas que não vê em mais nenhum dos médios portugueses. Em Frankfurt, Adi Hutter não costuma ter jornalistas portugueses a fazer-lhe perguntas nem pensa muito no que pode ser a seleção portuguesa no próximo Europeu, mas se assim fosse certamente também diria que não faz nenhum sentido André Silva ficar fora da equipa nacional. Para mim, atualmente, a pergunta não é se João Palhinha e André Silva devem fazer parte da lista de Santos. É se devem ser titulares. E se o Europeu fosse agora, inclino-me muito mais para o sim do que para o não.
A resposta a esta questão deve levar em conta três fatores: caraterísticas dos jogadores – e o seu encaixe no sistema da equipa nacional –, forma desportiva e valor global. Quando o tema cai na discussão nas redes sociais, porém, o que mais se discute são uma quarta e uma quinta variantes: a da cor da camisola que vestem ou do clube em que fizeram a formação, o que neste tempo cada vez mais cosmopolita continua a ser fator decisivo para que um adepto defenda ou ataque uma solução, e a do empresário que os representa, como se nesse planeta houvesse inocentes. Estas variantes, a mim, são-me absolutamente indiferente, como creio que o serão para Fernando Santos, que quer sobretudo ganhar – e que, ainda por cima, até tem ganho, pois no meio das vozes de burro já trouxe um Europeu e uma Liga das Nações para as vitrinas da Cidade do Futebol. E, se olharmos aos três fatores relevantes, não restam muitas dúvidas de que, desde que fujam a lesões, Palhinha e André Silva estarão na próxima lista do selecionador.
No caso de Palhinha será uma estreia que até já se justificava há mais tempo, pois creio que ele já foi, com Racic (ex-FC Famalicão, agora no Valência CF), o melhor “seis” da última Liga. Disse-o aqui, aliás, numa edição do Q&A do Futebol de Verdade. A questão é que se, por um lado, no SC Braga as exibições do médio não eram tão vistas, escrutinadas e mediáticas, ele melhorou com o trabalho na equipa que Rúben Amorim liderou até ao topo da Liga. E a equipa beneficiou disso também. Além de ser um médio de força como poucas vezes se vê no futebol português – as referências em Alvalade seriam Oceano ou Vidigal – Palhinha melhorou com bola e foi posicionalmente “desenhado” para permitir à equipa uma contra-transição letal. Foi muito graças à capacidade do médio para ir ganhar a bola bem à frente, à sua resposta à perda, que o Sporting de Rúben Amorim começou por ser uma equipa de ataque rápido e contra-ataque. É também graças às melhorias que o médio tem mostrado com a bola nos pés que a equipa está a começar a ser competente também em jogos nos quais – como qualquer líder – tem de jogar mais em ataque organizado.
André Silva, por sua vez, continua a ser o jogador que sempre foi e que por isso mesmo há mais de quatro anos chegou à seleção principal. É um avançado técnico, inteligente, bom no movimento de apoio e cada vez melhor no ataque à profundidade, cujas melhorias no que diz respeito a finalização estão bem à vista nos 18 golos que já marcou na Bundesliga desta época. Se há três ou quatro meses era impossível não olhar para Jota, que andava a marcar sempre pelo Liverpool FC, agora seria ridículo não ver André Silva, que antes de falhar (por lesão) a vitória do Eintracht Frankfurf frente ao Bayern, no sábado, vinha com nove golos em nove jogos feitos em 2021, tornando-se imprescindível para a chegada da equipa à posição de qualificação de Liga dos Campeões em que se encontra neste momento. André Silva está melhor do que quando começou a ser chamado por Santos e parece ter ultrapassado o erro que foi a sua saída prematura do FC Porto e, sobretudo, a escolha de equipas para jogar: nem o Milan nem o Sevilha FC lhe convinham.
Se é consensual que ambos estão a fazer uma época extraordinária e merecem ser ao menos testados em ambiente de seleção, o debate acirra se falarmos na hipótese de serem titulares. Porque a qualidade é enorme na seleção nacional e não podem jogar todos. Estou convencido há anos de que André Silva é o parceiro ideal para Ronaldo na frente – já estava muito antes de aparecer João Félix a baralhar as contas e de Ronaldo ganhar em aniversários o que perdeu em disponibilidade física. E o que está aqui em causa não é se, entre André e João (ou Jota ou até Paulinho), um é enorme e o outro é um flop, como gostam de dizer nas redes sociais. Ou se um é deste empresário e outro daquele, como alegam sempre os sabichões. A verdade é que são ambos excelentes e até são ambos representados pelo mesmo agente: Jorge Mendes. Na seleção, tudo depende do que o selecionador quiser extrair do CR7 – e do que ele sentir que, aos 36 anos, ainda pode dar à equipa. É que se com André Silva Ronaldo pode ser segundo avançado, mais livre no terreno – mas a ter de correr mais também, sobretudo se lhe couber fechar o corredor esquerdo –, com Félix ele terá de ser o homem de referência na frente, ficando bastante mais amarrado à posição, mas sem ter de fechar tanto defensivamente.
Quanto a Palhinha, é preciso ver como Santos costuma estruturar o meio-campo: usa um médio com mais obrigações defensivas, posição pela qual têm competido Danilo, William e Rúben Neves; um segundo médio de transição, que pode ser William, Moutinho ou Sérgio Oliveira; e um terceiro médio de cariz mais ofensivo, posição pela qual têm competido Bruno Fernandes, Renato Sanches ou até André Gomes. A eventual menor qualidade do adversário costuma levar a um aligeirar das coisas, sobretudo na posição de segundo médio, que pode ser preenchida por um jogador com caraterísticas de terceiro, mas há uma função inamovível, que é a de médio mais defensivo. Aí, quanto muito, Santos aligeira incluindo jogadores mais ofensivos, como William ou Rúben Neves, mas nunca abdicando da presença de um “seis” puro. E essa é a posição de Palhinha, que em jogos contra equipas fortes terá sobretudo a concorrência de Danilo – que não tem jogado muito no Paris Saint-Germain. Será assim tão difícil achar que tem de jogar?