Ou muda a ideia ou mudam os jogadores
A ideia é boa e já ganhou campeonatos. Os jogadores também e alguns até custaram os olhos da cara. Mas talvez não tenham sido feitos uns para a outra.
Ontem, durante o Futebol de Verdade, o espectador João Lains fez um comentário com o qual concordei, embora lhe tenha feito uma ligeira correção. Escrevia ele, na caixa de comentários do meu programa em direto (12h30), a propósito do confronto de ideias que podia ser o Liverpool FC-Tottenham, que “não há boas e más ideias”, que há, isso sim, “ideias bem e mal trabalhadas”. Ora isto é uma quase verdade, pois se valoriza a importância da qualidade da execução e sublima a importância do trabalho e da repetição no treino, só deixa de parte uma questão que, para mim, é fulcral. É que uma ideia pode ser boa mas pouco adequada a um determinado grupo de jogadores. À noite, frente ao Vitória SC, o Benfica voltou a deixar essa sensação.
Mesmo que pareça ter ficado ali uma questiúncula por resolver, tanto Jorge Jesus como João Henriques tiveram alguma razão naquilo que disseram na flash-interview da Sport TV, após a partida que confirmou a presença dos encarnados na Final Four da Taça da Liga. Alegou o treinador do Benfica que a sua equipa teve tanta superioridade territorial e tanta supremacia na iniciativa que era a única em condições de reivindicar a vitória numa partida que só se decidiu nos penaltis – e que só lá chegou graças a uma infantilidade de Poha, a cometer grande penalidade sobre Pedrinho já perto do final. Respondeu o técnico do Vitória que o seu colega de profissão precisava de ter respeito pelo que a equipa dele tinha feito em campo, pois nem o Benfica teve assim tantas ocasiões de golo nem o jogo da equipa minhota foi totalmente desprovido delas – e, correndo bem, os visitantes até podiam ter feito o 0-2 e resolvido a questão. Na vida, não há contra-factual. As coisas foram como foram e já não há volta a dar-lhes. O que podemos, isso sim, é tentar entender por que razão correram como correram.
Ora, sendo a ideia de Jorge Jesus boa – fartou-se de ganhar com ela, do Benfica ao Flamengo – e sendo os jogadores igualmente bons, por que razão é que os encarnados tardam em dar mostras da supremacia que evidenciaram, por exemplo, em 2009, quando este treinador lá entrou pela primeira vez? Jesus fala em tempo de trabalho, diz que os processos que ele quer implementar levam tempo, mas não tem razão: na pior das hipóteses, o tempo de trabalho até está a fazer mal à equipa, que sofre mais à medida que o tempo vai passando. O Benfica só ganhou confortavelmente, por mais de um golo, oito dos 19 jogos que fez esta época e seis deles aconteceram nas primeiras oito partidas da temporada: os 5-1 ao FC Famalicão, os 2-0 a Moreirense, os 3-0 ao Rio Ave, os 4-2 ao Lech Poznan, os 2-0 à B SAD e os 3-0 ao Standard Liège. Nessa altura, em que somou sete vitórias seguidas, imediatamente após a derrota em Salónica, com o PAOK, o Benfica não se queixava de falta de consolidação de processos. O que mudou, então? O que transformou essa equipa que ganhava quase sempre – e em quatro dessas sete vitórias não sofreu golos – no coletivo que, agora, dá quase sempre de avanço antes de sofrer para evitar a derrota ou ganhar in-extremis? Porque, sendo verdade que vem numa série de oito jogos sem perder – cinco vitórias e três empates, desde que foi batido em casa pelo SC Braga, a 8 de Novembro – este Benfica sofreu o primeiro golo do jogo em cinco desses oito desafios.
Não é preciso ser um especialista em futebol para olhar para o golo de Estupiñan, ontem (pode ver aqui), e perceber que na raiz de tudo está o facto de, assim que Edwards bateu Nuno Tavares, num um para um sobre a linha de meio-campo, o Benfica ter ficado em situação de inferioridade numérica, num três para quatro que, em condições normais, dá sempre golo. Para entender que a projeção ofensiva do meio-campo do Benfica, sempre muito na frente, exige coisas que este plantel não tem – e que o de 2009, por exemplo, tinha em sobra. A saber: segurança na posse, qualidade de pressão sem bola, boa resposta à perda e equilíbrio na ocupação dos espaços. Quantas vezes por jogo é que Aimar ou Saviola perdiam a bola num drible ou numa tabela? E Javi Garcia num passe de risco? Ou até Carlos Martins? Como se comportavam Di Maria ou Ramíres na resposta à perda? Onde estavam colocados em ataque organizado? Ora a ideia de jogo por trás do futebol da equipa de 2009 é muito semelhante à de agora: é a ideia que Jesus adota como sua desde que estava no Belenenses, pelo menos, e que revolucionou o futebol português da última década. É uma boa ideia, portanto. Além disso, Jesus continua a trabalhá-la bem nos treinos, sendo ele, como é, um dos melhores técnicos de campo que o futebol nacional conheceu no passado recente.
A questão é que a ideia se tem adequado mal aos jogadores que compõem o plantel deste Benfica. Pizzi e Taarabt, por exemplo, são desequilibradores ofensivos de enorme peso nesta equipa, mas levam-na a assumir riscos para os quais ela não está preparada, porque não tem um Javi Garcia que funcione como estabilizador. Já era assim com William no Sporting? Sim, é verdade. O atual médio do Betis é um 6 que se impõe pela qualidade do seu jogo ofensivo, pelo risco que assume desde as primeiras fases de organização atacante, mas tinha Adrien, que estabilizava, que equilibrava, que pressionava, que cobria muito campo. E este Benfica também não tem esse jogador. Como não tem um Ramíres a equilibrar a partir do corredor lateral.
No fundo, a ideia é boa e estará seguramente bem trabalhada. Os jogadores também são bons – caramba, custaram os olhos da cara. O que podem é não ser os mais adequados para a ideia. O que deixa o Benfica numa situação desconfortável: ou muda a ideia ou muda os jogadores.