Os sub21 e o paradoxo Moutinho
Ao contrário do que vinha fazendo escola, Rui Jorge montou esta equipa de sub21 com base no grupo formado e no talento puro e não no crescimento competitivo dos jogadores nos clubes. Fez bem?
Quando o tema é futebol de formação, sempre gostei de invocar o “paradoxo-Moutinho”. João Moutinho era suplente da seleção nacional de sub17 que foi campeã da Europa em 2003, batendo na final a Espanha de Adán ou David Silva, porque no lugar que ele rapidamente viria a ocupar na equipa principal de Portugal jogava João Coimbra. O que isto quer dizer é que as 130 internacionalizações AA que hoje há de diferença entre os dois – a favor de Moutinho – não eram minimamente previsíveis naquela altura e que não há uma norma para a idade em que um jogador dá o grande salto de qualidade, geralmente associado à subida do contexto competitivo a que está sujeito. E é esse “paradoxo-Moutinho” que a atual seleção de sub21 vem contrariar.
O regresso de Portugal aos grandes palcos internacionais nos sub21, que se deu em meados da década passada, é geralmente atribuído à recuperação das equipas B e à sua colocação no contexto competitivo da II Liga, em 2012. Três anos depois, muito fruto dos minutos de jogo em competição que foram acumulando devido a essa medida, os jovens portugueses estavam a jogar a segunda final do Europeu de sub21, mais de duas décadas após a primeira. Aquela seleção de 2015, já comandada por Rui Jorge, era a confirmação do “paradoxo-Moutinho”, a tese segundo a qual a verdadeira diferença entre jogadores talentosos é o contexto a que os submetemos. Até aos 16 anos, Coimbra era mais talentoso do que Moutinho – e por isso era titular nas seleções. Mas como o Sporting se viu economicamente forçado a olhar mais para a formação do que o Benfica, clube ao qual estava ligado João Coimbra, Moutinho deu um salto de qualidade: em 2003/04 fez 27 jogos no Sporting B e em 2004/05, aos 18 anos, já teve direito a 26 jogos na equipa principal, entre os quais uma final da Taça UEFA, a antecessora da atual Liga Europa.
A seleção de sub21 de 2015 confirmava esta tese. Entre os 23 jogadores selecionados por Rui Jorge para a fase final desse Europeu – sete dos quais estão hoje na lista de Fernando Santos para o Euro’2020 – só um tinha acumulado menos de mil minutos de competição durante a época. João Cancelo, com 716 minutos em 13 jogos pelo Valência CF, era o mais repousado de um grupo onde havia sete elementos acima dos 40 jogos (José Sá, Paulo Oliveira, William, Bernardo Silva, João Mário, Rafa e Carlos Mané) e apenas mais dois abaixo dos 20 (Ricardo Pereira e Tiago Ilori). A comparação com a equipa que ontem venceu a Espanha e garantiu nova final do Europeu da categoria é estrondosa. Nos 23 que tem com ele na Eslovénia, Rui Jorge encontra seis jogadores abaixo dos mil minutos de competição (Bragança, Vitinha, Luís Maximiano, João Virgínia, Florentino e Diogo Jota) e apenas um com 40 jogos (Rafael Leão, no Milan). Em média, cada um dos 23 portugueses que no domingo discutirão a possibilidade de dar a Portugal o primeiro título europeu da categoria tem 25 jogos e 1521 minutos em campo. Há seis anos, cada um dos 23 que esteve na fase final perdida nos penaltis para a Suécia tinha 34 jogos e 2534 minutos em campo.
O que esta equipa tem é muita gente com histórico de finais disputadas nas seleções. Nos 23 que Rui Jorge levou à Eslovénia estão nove miúdos que perderam a final do Europeu de sub19 com a Inglaterra em 2017, quatro que ganharam a final do Europeu de sub19 à Itália em 2018 (dois eram repetentes do ano anterior) e mais quatro que perderam a final do Europeu de sub19 com a Espanha em 2019. É por isso que esta equipa contraria o “paradoxo-Moutinho” e devolve alguma linearidade à progressão dos jogadores de formação. Nesta seleção, Rui Jorge contrariou a ideia dominante no futebol que ainda não é de altíssima competição mas também já não é de formação, valorizando mais o talento puro, mesmo que desaproveitado pelos clubes, ou o espírito de um grupo que se conhece e já joga junto há muito tempo do que o crescimento competitivo facultado por fatores contextuais.
Se perdesse, não teria tido razão. Como chegou (pelo menos) à final, abre uma discussão diferente. Será esta seleção superior à de 2015, porque alguns dos seus elementos ainda não deram o salto competitivo que deles poderemos esperar assim que sejam bem enquadrados nos respetivos clubes, ou, pelo contrário, numa época atípica, em que a competição foi tão apertada no calendário devido à pandemia, estará a equipa a beneficiar do maior desafogo a que os seus elementos têm sido sujeitos? Por alguma razão, Vitinha, provavelmente o mais destacado dos portugueses nesta fase final, é dos menos utilizados (apenas 801 minutos em campo pelas equipas principal e de sub23 do Wolverhampton WFC) e forma, com Florentino, uma dupla que competiu mais pela seleção do que pelo clube esta temporada.