Os Piratas competitivos
Durante anos, o Sankt Pauli era um glitch no sistema, um clube patético dentro de campo com o qual se simpatizava (ou não) pela visão política e social. A subida de divisão diz que já não é assim.
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A Bundesliga, tal como a conhecemos, começou em 1963. E foram precisos 60 anos para que o futebol invertesse a hierarquia estabelecida em Hamburgo. Até 2018, um dos postais mais famosos daquela cidade portuária do Mar do Norte era o relógio do Volksparkstadion, onde o Hamburger SV assinalava os anos, meses, dias e horas que tinham passado sem que baixasse ao segundo escalão. Nunca tinha acontecido... O relógio parou a 12 de Maio desse ano, o dia em que o clube seis vezes campeão alemão e até uma vez campeão europeu desceu mesmo e deu um novo alento ao dérbi da cidade. É que na 2. Bundesliga já estava o FC Sankt Pauli, um clube internacionalmente conhecido por todas as razões menos as esperadas, que à partida deviam ser os resultados. Ou então, se adotarmos uma perspetiva mais abrangente, um clube conhecido por todas as razões corretas, porque foi o primeiro a puxar o futebol alemão para o lado de causas inclusivas e da luta contra a intolerância. A 12 de Maio de 2024, já sabendo que pela primeira vez na história ia acabar uma época à frente do rival citadino, o St. Pauli garantiu a subida à 1. Bundesliga. A bandeira pirata que se tornou um fenómeno de culto no Millerntor Stadion vai voltar em força.
A bandeira ajuda a explicar a história, mas também a identificar as falhas daquilo que defende a vastíssima rede de adeptos do FC Sankt Pauli, sem dúvida o clube alemão com mais fans fora do país além do Bayern Munique. O clube nasceu em 1910 no Heligengeistfeld, o Campo do Espírito Santo, perto do porto, que é o maior da Alemanha, mas também da Reeperbahn, rua famosa pela diversão noturna que propiciam os seus bares e bordéis, e da Haffenstrasse, zona que nos anos 70 e 80 foi a base do movimento punk e ‘ocupa’ da cidade de Hamburgo. Foi por essa altura também que os campos de futebol na Alemanha, tal como em Inglaterra, por exemplo, passaram a ter problemas com ‘hooligans’ e que os grupos de adeptos da maior parte dos clubes começaram a ser infiltrados por movimentos neonazis à procura de razões para andarem à pancada. Ao mesmo tempo que a generalidade das bancadas virava à direita, as do FC Sankt Pauli, no entanto, seguiram o caminho inverso: o clube foi o primeiro a proibir tarjas conotadas com a direita radical, por exemplo. O Millerntor passou a ser um ponto de confluência de punks, ‘ocupas’, marinheiros, ativistas sociais e de gente à procura de diversão em geral – e daí a transformar-se num vasto caldo de cultura que acolheu o livre pensamento da esquerda ou a produção artística independente e avançou contra o racismo, a homofobia ou a favor do acolhimento de refugiados foi um instante.