Os penaltis como solução
Houve dois SC Braga-Benfica, separados pela expulsão de Bah. Mas em nenhum deles uma das equipas conseguiu evitar o recurso aos penaltis como solução. Foi uma noite de impasses.
Houve dois SC Braga-Benfica. O primeiro, com um Benfica confortável, instalado no meio-campo adversário, a ligar longos períodos de posse de bola e a mostrar paciência na busca do momento exato para desequilibrar, durou até à expulsão de Bah. Foi meia-hora, pontuada pelo golo de Gonçalo Guedes, numa bola parada mal defendida pela linha bracarense, mas a ideia que ficou foi a de que o golo surgiu com naturalidade face ao que estava a suceder em campo. O segundo jogo, na hora-e-meia que se seguiu, já contando com os 30 minutos de prolongamento, não foi muito diferente. Teve ali uns minutos de desorientação encarnada, nos quais surgiu o golo do empate, também de bola parada, marcado por Al Musrati, mas à medida que o relógio avançava percebia-se que se desvanecera a superioridade do Benfica, é verdade, mas que não nascera dali um super-SC Braga. Não gosto de decisões por penaltis, mas aqueles dois jogos não podiam resolver-se de outra forma, tal foi o impasse no embate de dez benfiquistas contra onze bracarenses. Schmidt recompôs a equipa com cinco homens atrás, fazendo entrar Morato de forma a manter a solidez na área e a soltar os laterais para a sua propensão mais ofensiva e, por muito que a coisa não tivesse sido treinada, chegou para aguentar o forte. O alemão pareceu baralhar um pouco as ideias quando abdicou de Guedes para deixar Neres na frente e, apenas 12 minutos depois, trocou o brasileiro por Ramos, que nos moldes em que estava lançado o jogo fazia mais ou menos o mesmo do que o titular, mas conseguiu o que queria, que era bloquear a superioridade numérica do opositor. Artur Jorge, por sua vez, tentou de tudo. Primeiro, dar velocidade nas alas, com Bruma em vez de Pizzi, que falhou o primeiro jogo grande após o regresso a casa. Depois, acumular pontas-de-lança, com Banza perto de Ruiz, por muito que parecesse logo à partida que aí só ia facilitar a tarefa aos três centrais benfiquistas, que assim podiam gerir o jogo de cadeirinha. Finalmente introduzir o veloz Djaló em vez de um dos pontas-de-lança, assim libertando Ricardo Horta e complicando o encaixe total em que o Benfica apostava. Mas a verdade é que em nenhuma destas fórmulas o SC Braga conseguiu encostar o Benfica, dar a ideia de que ia ganhar o jogo sim ou sim. O SC Braga seguiu para as meias-finais da Taça de Portugal, como podia ter ido o Benfica. Do relvado da Pedreira nasceram fatores de agregação. Dos bracarenses, que podem festejar a continuidade na prova e a invencibilidade face ao Benfica no que já leva a época – e falta o jogo da Luz, para a Liga – e transformar essa alegria em motivação para contrariar a fadiga que vão inevitavelmente sentir no Funchal no domingo e no embate com a Fiorentina a meio da semana que vem. E dos benfiquistas, que podem encontrar na forma como foram equilibrando, com menos um, um desafio contra outra das equipas mais fortes do país. E para isso é preciso saber muito bem ao que se joga.
Dia de heróis. Já todos ouvimos ou lemos que “às vezes é mais difícil jogar contra dez do que contra onze”. Pode até acontecer, mas regra geral não é verdade. Que o digam o Boavista e o Casa Pia, ontem derrotados em inferioridade numérica por Estoril e Nacional. Aquilo que a inferioridade traz muitas vezes é o apelo ao heroísmo – e ontem foi dia de heróis. Não tem explicação aquilo que defendeu ontem Bracali, 41 anos, depois de o Boavista, em vantagem no resultado, ter ficado com um a menos por expulsão de Ibrahima, também ele culpado de pisar um adversário no tendão de aquiles. O Estoril acabou por virar para 2-1, com golos dos Tiagos – o Araújo e o Gouveia – mas para os fazer, comandado pela batuta de João Carvalho, teve de enquadrar 13 remates entre os postes da baliza axadrezada. E não tem explicação o modo como, a jogar com dez, por expulsão de João Nunes desde cedo, o Casa Pia conseguiu recuperar de 0-2 para 2-2 e como, depois, já no prolongamento, com nove homens, após o segundo amarelo a Vasco Fernandes, e com 2-3 no marcador, Varela meteu uma bola na barra. A dimensão heróica destas passagens só nos diz duas coisas. Que nem o Estoril está tão morto como se dizia nem a quebra que se adivinha ao Casa Pia é tão inevitável como parece.
O grau zero da conversa. Houve um tempo em que, como adeptos, nos pelávamos por uma entrevista. Os jornais traziam longas conversas com jogadores e treinadores e aquilo tornava-se motivo de conversa capaz de alimentar dias. Percebi que esse tempo estava a acabar no dia em que, já tendo algumas responsabilidades editoriais no Record, no ano 2000, olhei para os números de vendas de uma edição que trazia na manchete uma entrevista de um jogador que estava num grande e saíra com polémica de outro grande. Assustadoramente baixos! De quem é a culpa? Muito se diz por aí que é dos jornalistas, porque já não temos gente do gabarito de um Carlos Pinhão ou de um Carlos Miranda. Eu acho que não é. E, mais, acho que não é um fenómeno português, capaz de se reduzir à extinção da geração que fez o brilho da Travessa da Queimada. Li hoje a entrevista de João Félix ao As e aquilo resume-se a uma mão cheia de nada e a outra com coisa nenhuma, a três páginas em que continuamos a não saber por que razão o jogador quis sair do Atlético de Madrid, tantos são os elogios que faz a Diego Simeone. Félix explicou, se calhar sem querer, o dilema, quando lhe perguntam quem é, para ele, o melhor treinador do Mundo. “É injusto ter de escolher um. Se disser que é o ‘Cholo’, criticar-me-ão por não dizer que é Fernando Santos. E se digo que é Fernando Santos, criticar-me-ão por não dizer que é o ‘Cholo’”, disse, antes de escolher Bruno Lage. “Pronto, assim não há polémica”, atalhou. Chegámos ao grau zero da conversa no momento em que todos os jogadores de topo passaram a ter “media coaching” e, provavelmente de forma muito avisada, para se defenderem dos excessos que a informação cada vez mais quente lhes traz ao quotidiano, começaram a defender-se tanto que quem está do lado de cá, do lado dos consumidores, acha que nada daquilo que dizem é sincero e só se destina a evitar a polémica. Que não vale a pena ser lido e consumido, portanto. Culpa de quem ganha a vida a polemizar? Sim, claro. Mas quem perde somos todos os outros. Incluindo você, caro leitor.
Caro AT, o problema da civilização atual poderá ser o excesso de opções?