Os golos esperados no Benfica
Quem tivesse olhado para o ratio entre o índice de golos esperados e os efetivamente marcados pelos atacantes ao serviço do Benfica não fica surpreendido pela situação atual.
É estranho que Jorge Jesus se queixe da falta de um jogador “capaz de meter a bola na baliza”, quando ainda no início desta época o Benfica gastou 39 milhões de euros em dois pontas-de-lança, Darwin Nuñez e Waldschmidt, dispensou Vinicius, um dos melhores marcadores da Liga anterior, tem Pizzi – que partilhou essa honra com o brasileiro – frequentemente no banco e ainda dispõe de Seferovic, que foi o antecessor desta dupla no campeonato de 2018/19. É um facto que Darwin está uns furos abaixo do esperado em termos de finalização, mas quanto ao resto nem pode dizer-se que haja grandes surpresas no que toca a estes registos. Bastava estar com atenção aos números.
É verdade que Darwin caiu de produção goleadora relativamente a 2019/20, quando foi uma das figuras do UD Almeria, na II Liga espanhola. Mas já lá vamos. Para já, centremo-nos nos dados disponíveis à altura da tomada de decisão e no ratio entre os golos efetivamente feitos e o índice de golos esperados (xG), um valor que vai aplicar às situações de jogo que um futebolista protagoniza a média de vezes em que essas situações dão golo numa determinada competição. Em Almería, Darwin registava um índice xG de 0,59 por 90 minutos, o que era ligeiramente superior até ao mostrado por Carlos Vinícius na Liga portuguesa anterior (0,57). Significava isto que o uruguaio se colocava em situação suscetível de marcar 0,59 vezes por cada 90 minutos em campo, ligeiramente mais do que o melhor marcador da Liga portuguesa. Só que Darwin já não era em Almeria um fenómeno de concretização: acabou a Liga com 0,55 golos por 90 minutos – isto é, ligeiramente abaixo do esperado para os lances que de facto protagonizava. E aqui começavam a ver-se diferenças para Vinícius, que acabou a última Liga portuguesa com 0,84 golos efetivamente marcados por 90 minutos – bem acima do que o seu índice xG poderia fazer prever.
Se o comparássemos com Seferovic, as diferenças mitigavam-se um pouco. O suíço fechou a última Liga portuguesa com um xG de 0,41 por 90 minutos e com uma taxa de concretização real ainda pior – 0,28 golos por 90 minutos. E Waldschmidt? No SC Freiburgo, o alemão teve na última Bundesliga um xG de 0,31 por 90 minutos, marcando realmente 0,46 golos pelo mesmo período de tempo. Tal como Vinícius, suplantou na realidade o seu índice xG, o que denota qualidade técnica e frieza no momento da finalização. Ora, assim sendo, não pode ser considerado estranho aquilo que está a acontecer aos avançados do Benfica: Darwin tem na Liga 2020/21 um xG de 0,40 por 90 minutos em campo e marca efetivamente 0,21 golos por 90 minutos em campo. Ao contrário do que costuma acontecer com os avançados de Jorge Jesus, piorou de rendimento, não só em termos de golos como de colocação em situações de finalização. Tem estado melhor Seferovic, ainda assim, com um xG de 0,50 por 90 minutos e 0,64 golos marcados no mesmo período. E quem mais cresceu até foi Waldschmidt, com um xG de 0,51 por 90 minutos e 0,61 golos marcados de facto.
Só para poderem comparar, o atual sportinguista Paulinho teve na época passada, em Braga, um xG de 0,54 por 90 minutos e marcou de facto 0,62 golos. Sporar, que fez o caminho inverso ao de Paulinho e seguiu para Braga fechou 2019/20 em Portugal com um xG de 0,29 por 90 minutos e 0,36 golos marcados. Taremi, que o FC Porto foi buscar a Vila do Conde no final da época, registou no Rio Ave um xG de 0,59 por 90 minutos e marcou de facto 0,63 golos. Marega, ainda uma referência no ataque portista, acabou a época passada com um xG de 0,26 por 90 minutos e marcou realmente 0,43 golos. E Rodrigo Pinho, que o Benfica já segurou mas que só vai receber na próxima época, está na atual Liga com um xG de 0,35 por 90 minutos, tendo marcado na realidade 0,60 golos pelo mesmo período em campo. Números que fazem Darwin pensar na vida.
Claro que um avançado não são só golos. Há que ter em conta inúmeras variáveis, como as assistências, os toques na área, os dribles, a capacidade para receber passes verticais em desmarcações de rotura, os duelos defensivos ganhos, etc. No entanto, do que Jesus se queixou foi da incapacidade dos seus atacantes para “meterem a bola no golo”. E essa já estava tão bem documentada que fica estranho que o Benfica tenha optado por liberar, ainda por cima por empréstimo, o jogador que dava melhor resposta neste particular – e que, de resto, apesar dos sete golos marcados entre a Liga Europa e a FA Cup, também não tem sido particularmente útil a José Mourinho no Tottenham, registando 160 minutos e zero golos na Premier League, o que dificilmente justificará que seja acionada a opção de compra.
A decisão terá sido tomada com base numa expectativa de progressão de Darwin que ainda não ganhou corpo e na noção de que Seferovic dificilmente provocaria o apetite de qualquer clube com dinheiro para gastar. Mas, para já, dizer que o resultado foi negativo é um eufemismo.