Os erros do Benfica
Uma equipa que investiu o que o Benfica investiu tem de estar mais bem apetrechada para as diferentes fases do jogo. Os jogadores são todos bons. Mas farão sentido juntos, como equipa?
Jorge Jesus explicou ontem o empate do Benfica com o Moreirense (1-1) com uma situação individual “fácil de resolver” por Grimaldo, mas da qual saiu a grande penalidade a favor do adversário. Mais à frente, falou da oportunidade que Darwin Nuñez teve para fazer o 2-1, mas que o guarda-redes defendeu. “Ele está lá para isso”, sublinhou, resignado. O que Jesus não disse, mas podia ter dito, é que este Benfica, além de não ter golo fácil e de por vezes facilitar atrás, também não consegue controlar com bola jogos em que chega a estar em vantagem: oito dos 13 pontos que perdeu desde a entrada de 2021 sucederam em partidas nas quais até esteve à frente no marcador, como ontem. Tudo somado, são demasiadas lacunas para um plantel que investiu aquilo que este Benfica investiu no início da época e tem de apontar num sentido: o dos erros de casting.
Vejamos Darwin Nuñez, por exemplo. Não é a mim que vão ouvir-me dizer que o uruguaio não é um excelente jogador, porque é. Ouvir-me-ão dizer que o que o Benfica pagou por ele foi um exagero, mesmo tendo em conta o quão promissor ele se mostrou na UD Almeria, na II Liga espanhola, em 2019/20. Os 24 milhões de euros que Darwin custou têm de valer mais do que os quatro golos que ele já marcou na Liga portuguesa – e é curioso referir que, com 7.00, o avançado benfiquista tem o maior índice xG (golos esperados) da Liga. Quem mais se aproxima é Marega, com 6.97 – e seis golos marcados. O que é que isto revela? Que Darwin tem um potencial extraordinário, que se mexe muito bem, que se coloca frequentemente em boa situação para finalizar (0,42 xG por 90 minutos) mas que, regularmente, finaliza mal. A finalização é algo que se trabalha, Darwin pode vir a ser um caso sério, mas ainda não o é – e terá sido cedo para o Benfica lhe colocar aos ombros a responsabilidade de carregar a equipa em termos de golos. Seferovic, por exemplo – e o suíço tem fama de mau finalizador – marcou oito golos com um xG de 6.04.
Quando estava a ouvir Jesus ontem, lembrei-me ainda da entrevista conjunta de Bruno Lage e Marcel Keizer, antes da Supertaça da época passada, na qual o holandês que comandava o Sporting elogiou Grimaldo, chegando mesmo a dizer que se pudesse escolher um jogador do adversário era no lateral espanhol ou em Pizzi que a sua opção cairia. Grimaldo respondeu-lhe com um golo de livre nos 5-0 que começaram a traçar o destino de Keizer em Alvalade. Era o tempo de um Benfica pujante, que fez 48 dos 51 pontos em disputa nessa primeira volta de campeonato e no qual era difícil encontrar lacunas. É verdade que o futebol muda muito rapidamente e que o Benfica começou a cair muito antes de Jesus chegar – na segunda volta desse campeonato, os encarnados fizeram apenas 29 pontos, levando à queda de Lage e criando o caldo de cultura que acabou com o regresso de Jesus do Brasil. Mas é ainda assim difícil encontrar na falta de qualidade de jogadores como Grimaldo as razões para os pontos perdidos. O espanhol nunca foi um espetáculo defensivo, mas a equipa encontrava as formas de compensar isso. O próprio Jorge Jesus o fez, por exemplo, no Dragão, quando fez dele uma espécie de quinto defesa.
Mais complicada de entender é a incapacidade que o Benfica tem para controlar jogos, se até tem a mandar a meio-campo um elemento como Weigl, um dos mais seguros passadores da Liga portuguesa. Os jogos controlam-se com a bola e é na incapacidade para gerir a posse que está a maior lacuna coletiva de uma equipa que acelera como poucas quando entra no último terço mas perde a bola demasiadas vezes. Se na maior parte das questões futebolísticas a resposta para o sucesso está na complementaridade, na forma diversa de jogar que torna os jogadores complementares – se o lateral vem dentro, o médio-ala vai fora; se um avançado baixa em apoio, o outro procura a profundidade; se um ponta-de-lança abre na largura, um médio deve procurar a zona de definição… – há temas onde a coerência faz todo o sentido. E o Benfica continua perdido no labirinto que significa ter jogadores tão diferentes que pedem ideias opostas. Weigl pede posse segura e paciência na construção, mas Pizzi e Taarabt pedem risco imediato – basta ver o modo como o marroquino fabricou o golo de Seferovic, ontem. Todos são bons jogadores: podem é não fazer assim tanto sentido juntos.