Os donos da bola: Espanha (2024)
Virá de Espanha um dos grandes desafios à UEFA em 2024, quando e se o Girona FC se apurar para a Liga dos Campeões. É que o clube catalão pertence ao mesmo grupo do Manchester City.
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Girona poderá rivalizar com Manchester como epicentro do principal terremoto que vai abalar o futebol europeu no próximo Verão. Depois de ter lidado com alguma benevolência e umas pitadas de formalismo excessivamente exculpatório nos dossiers do Red Bull Salzburgo e do RB Leipzig ou até do Milan e do Toulouse FC, dois casos forçarão uma tomada de posição do organismo que superintende o futebol europeu. E se no que toca à Ineos, que é dona do OGC Nice e vai gerir o Manchester United, pode agarrar-se ao facto de o grupo de Jim Ratcliffe ter ficado com apenas 25 por cento das ações do gigante inglês e de não haver (ainda) um grande histórico de transações entre ambos (ou de não estar garantida a presença do United nas provas internacionais), mais complicada de explicar será a eventual complacência face ao City Football Group. É que o grupo que é dono do Manchester City, o atual campeão europeu, controla também o Girona FC, a equipa sensação da Liga espanhola, não só na qualidade de acionista maioritário como ainda de influenciador dos outros dois ‘players’ em jogo, o boliviano Marcelo Claure e Pere Guardiola. A influência do Manchester City em Girona está bem à vista, por exemplo, na quantidade de jogadores que transitaram entre os dois clubes nas últimas épocas: foram 26 em nove anos, dos empréstimos de Nwakali, Sobriño, Lejeune e Maffeo em 2015/16 às cedências de Savinho (via Troyes AC, dos mesmos donos) e Yangel Herrera já esta temporada. Como parece evidente que ambos – City e Girona – vão estar na próxima edição da Champions, a UEFA terá de ser mais clara acerca dos critérios com que separa o aceitável do inaceitável em termos de multipropriedade.
Espanha, como a generalidade dos países mais poderosos no futebol europeu, já abriu os seus clubes ao grande capital. E fê-lo no início dos anos 90 do século passado, para os salvar de uma falência certa. Em Espanha, só há quatro clubes profissionais que não são sociedades desportivas: o Real Madrid, o FC Barcelona, o Athletic Bilbau e o Osasuna. A responsabilidade é da lei de 1992, que impediu todos os clubes que tivessem dívida de se inscreverem nas Ligas profissionais. A escolha era entre a conversão em sociedades, que teriam de constituir capital no montante da dívida, ou a descida à II Divisão B. E daí saíram grandes confusões, como as que imperaram no Atlético de Madrid, com a apreensão e posterior devolução das ações de Jesus Gil y Gil, no Betis, com o diferendo a propósito das ações do presidente Manuel Ruiz de Lopera, ou ainda a que atualmente ensombra o poder no Cádiz CF, com a dissolução da sociedade que tomara conta do clube. Mas também casos perigosos de aglomeração, como o já citado, do Girona FC, ou mantos de suspeição em torno de proprietários como Peter Lim (Valência CF) ou os chineses do Granada CF, que vão mudando conforme as conveniências e à medida que se avolumam suspeitas de branqueamento de capitais.
Hoje, além daqueles quatro bastiões orgulhosos do poder dos sócios – apenas porque o seu volume de negócios lhes permitiu tapar a dívida, fosse porque faturavam muito ou por gastarem pouco, mas com dificuldades cada vez maiores para o FC Barcelona, por exemplo – muitos dos que jogam na I Liga têm capital maioritariamente espanhol. E alguns ainda optaram por dispersar esse capital de tal forma que as assembleias de acionistas mais se assemelham às antigas reuniões, com milhares de sócios com direito a voto. Há, ainda assim, casos de investimento estrangeiro na busca da rentabilização que a presença numa das Ligas mais transmitidas e vistas em todo o Mundo pode proporcionar. As famílias tradicionais é que estão claramente em perda. Miguel Ángel Gil Marín, um dos filhos de Jesus Gil y Gil, é dos poucos que mantém essa ligação ao clube da família, com as ações que eram do pai e lhe foram devolvidas pelo tribunal. E há casos muito curiosos, como o que os Roig fizeram em Villarreal ou o do clube de basquetebol que é dono de uma equipa de futebol. Nos próximos 20 parágrafos, ficará a conhecer em detalhe quem manda nos 20 clubes da Liga espanhola.